Jornal Correio Braziliense

Eleicoes2010

Brasileiros vão às urnas em um dia que vale por quatro anos

Na sexta eleição presidencial pós-ditadura militar e primeira sem a presença oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os candidatos José Serra e Dilma Rousseff chegam ao grande dia torcendo para que a parcela dos 135,8 milhões de eleitores simpáticos às duas candidaturas não deixe de votar.

Em todas as conversas reservadas desde sexta-feira, as equipes mostram-se preocupadas com a abstenção neste segundo turno. O temor tem lá suas razões. Afinal, o que ficou desta eleição, segundo as mais sinceras avaliações feitas por representantes dos dois finalistas, foram o debate religioso, o uso massivo da internet para o bem e para o mal, além das denúncias que pesaram sobre a Casa Civil da Presidência da República, vitrine de Dilma, e o governo de São Paulo, vidraça de Serra.

;A marca desta eleição foi a desproporção do volume de campanha de Dilma e a de Serra;, avalia o presidente do PSDB, Sérgio Guerra, numa referência à presença constante do presidente Lula na disputa, tanto no primeiro como no segundo turno. ;Foi uma eleição chata, onde a marca foi a desigualdade entre oposição e governo. Eles usaram e abusaram com total desrespeito as normas eleitorais;, diz o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), citando as multas recebidas pelo presidente Lula ao longo do ano, antes mesmo de a Justiça Eleitoral declarar aberta a temporada eleitoral.

Do início oficial da campanha, em 6 de julho, até ontem ; data do último esforço de ambos no sentido de buscar votos e convencer o eleitor a comparecer ; foram 2.808 horas de embate. Dilma Rousseff, a primeira mulher a chegar à reta final de uma disputa presidencial no Brasil no papel de favorita, avaliava ontem, após visitar 55 cidades diferentes em uma centena de dias, que esse período foi o mais instrutivo de sua vida ; considerava, inclusive, o tempo em que lutou contra a ditadura. ;Eles dizem que ela foi aluna do Lula, mas, na verdade, se ela conquistou os votos dele foi porque demonstrou capacidade;, diz o presidente do PT, José Eduardo Dutra, citando os obstáculos que Dilma superou, desde o descrédito nos primeiros debates até a campanha mais rasteira na internet.

A candidata estreante na urna não é a única a tratar dessa eleição como aprendizado. ;Ninguém acreditava, ou melhor, não se sabia que, no Brasil, um presidente popular era capaz de transferir tantos votos. Ele se empenhou na eleição de candidatos a prefeitos no passado e não deu certo. Desta vez, deu. Para mim, a maior surpresa foi Dilma disparar logo no início contra tudo o que se pensava. Eu mesmo não acreditava;, comenta o marqueteiro Nelson Biondi, que acompanhou a campanha de Serra em 2002 e, desta vez, ficou como observador da disputa.

Biondi cita três grandes lições a serem tiradas. A primeira é a questão religiosa, que, na avaliação dele, passou a ter o mesmo peso que detém em eleições nos EUA. ;Nunca vi os candidatos falarem tanto de religião.; A segunda é o uso da internet, em especial das redes sociais. ;Seja para o bem, seja para o mal, foi a grande mídia;, diz o especialista em marketing político. O terceiro detalhe que chama a atenção do marqueteiro é a imprevisibilidade. Todos avaliam que essa eleição tinha tudo para terminar no primeiro turno, uma vez que a oposição só passou a se comportar como tal no fim da campanha. A surpresa, entretanto, foi Marina Silva. ;Ela apareceu e, para nossa sorte, acabou nos ajudando;, comentavam reservadamente os tucanos.

Sem a chamada polarização, veio o segundo turno, para desgosto dos institutos de pesquisa. ;As urnas desmoralizaram os institutos;, afirma o deputado Jutahy Junior (PSDB-BA). O tucanato logo se animou e uniu o partido. Lula, que não esperava a segunda rodada, de saída se retraiu e viu o adversário ganhar fôlego.

Passada a primeira semana de outubro, entretanto, o presidente voltou à ativa. Dilma recuperou terreno. Mas o susto foi grande. Serra, menos animado que Dilma, comentava, ao fim do debate da TV Globo, na sexta-feira: ;A nossa parte, fizemos. Agora é com o eleitor;. Dilma, confiante, mas não menos tensa, completaria minutos depois, ao receber um telefonema de Lula, que lhe desejava sucesso: ;Deus te ouça;, respondeu. Nunca o nome de Deus foi tão usado. Mas quem vai decidir mesmo é o eleitor.

Pesquisas indicam vitória da petista
; Quatro institutos de pesquisa divulgaram ontem a última rodada de sondagens antes da eleição presidencial. Os números indicam estabilidade em relação às projeções anteriores, dentro das margens de erro. Em todas, Dilma Rousseff (PT) leva vantagem de dez pontos percentuais ou mais sobre José Serra (PSDB) nos votos válidos. Segundo a CNT/Sensus, a candidata petista tem 57,2%, contra 42,8% do tucano. O Datafolha aponta 55% para Dilma e 45% para Serra. O Ibope, 56% das intenções de voto para a ex-ministra e 44% para o ex-governador paulista. O Vox Populi, 57% para Dilma e 43% para José Serra.

PERFIL - DILMA

SUBVERSIVA, ECONOMISTA E MINISTRA

; Isabella Souto

Ser uma bailarina, bombeira ou trapezista. Esses eram os planos da menina Dilma Vana Rousseff Linhares, mineira de Belo Horizonte, nascida em 14 de dezembro de 1947. O que ela não imaginava é que um dia poderia disputar ; e com chances reais de vitória ; o comando do Brasil. Na infância, ela gostava de andar de bicicleta, subir em árvores, ler histórias de Monteiro Lobato e assistir a óperas ; ao lado do pai, o empreendedor búlgaro Pedro Rousseff, morto quando ela tinha apenas 14 anos.

Os primeiros anos escolares foram no Colégio Sion, exclusivo para meninas na época e onde se falava com os professores em francês. Em 1965 foi transferida para o Estadual Central e, em seguida, fez faculdade de economia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), palco da efervescência cultural e política da capital mineira. Resultado: Dilma integrou a Polop, Colina e VAR-Palmares, organizações clandestinas. Viu amigos serem presos, torturados, exilados e assassinados pela repressão.

Em 1970, foi presa e torturada nos porões da Oban e do Dops, em São Paulo. A Justiça Militar a condenou por ;subversão;, com pena de dois anos e um mês de prisão ; que, na prática, vivaram quase três anos. Libertada, voltou para Belo Horizonte e em seguida foi para Porto Alegre, onde o ex-marido, Carlos Araújo, também capturado pela repressão, cumpria pena de quatro anos. Jubilada da UFMG por ter se envolvido em organizações de esquerda, ela recomeçou os estudos de economia na capital gaúcha.

Engajada na campanha pela anistia aos presos políticos, foi uma das fundadoras do PDT gaúcho com o ex-marido e atuou diretamente no movimento Diretas Já. Em 1986, foi nomeada secretária da Fazenda pelo prefeito de Porto Alegre, Alceu Collares. Com a eleição do prefeito para o governo estadual, assumiu a Secretaria Estadual de Minas, Energia e Comunicação. O convite é refeito na gestão de Olívio Dutra no governo gaúcho, eleito em 1998 a partir de uma aliança entre PDT e PT. Dois anos depois, com o rompimento entre os partidos, filiou-se ao PT.

Dilma concluiu a segunda passagem pelo governo gaúcho no final de 2002. Lula havia sido eleito presidente da República e a convidou para assumir o Ministério das Minas e Energia. Lá ficou até 21 de junho de 2005, quando foi deslocada para o Ministério da Casa Civil, onde sucedeu José Dirceu (PT), exonerado do cargo depois das denúncias de ser o mentor do mensalão ; esquema de pagamento de propina a parlamentares em troca de aprovação de projetos de interesse do governo. Em 31 de março deste ano, a petista deixou a cadeira para disputar a Presidência da República.

ENCERRAMENTO SEM MÁGOAS

; Leonardo Augusto

A candidata do PT, Dilma Rousseff, encerrou ontem a campanha afirmando ter travado uma disputa dura, mas que ;não guardará mágoa; e que governará ;para todos;, caso seja eleita hoje. Dilma afirmou que pretende ;conversar; sempre com o presidente Lula durante seu possível mandato. A candidata participou de carreata em Belo Horizonte, sua terra natal, que percorreu seis quilômetros na região de Venda Nova, uma das mais carentes da cidade. ;Quem guarda mágoa carrega um peso na alma e não tem a generosidade necessária para viver.;

Questionada se o desprendimento significaria aproximação com os adversários, Dilma foi enfática: ;Vou governar com a minha coligação;. Como fez ao longo da campanha, quando vinha a Minas Gerais, Dilma relembrou o começo de sua vida na política em Belo Horizonte. ;Estou feliz de estar aqui fechando a campanha. Aqui participei das primeiras manifestações e passeatas durante a ditadura.;
Dilma disse ainda que, se eleita, pretende ;unir o Brasil em torno de um projeto de desenvolvimento, não apenas material, mas de valores;. ;Acredito que nosso país vai se transformar cada vez mais em um exemplo de convivência, tolerância e capacidade de viver em paz;, afirmou.

Antes da carreata, ao chegar na orla da Lagoa da Pampulha, onde deu entrevista, Dilma foi recebida por um grupo de militantes do Rio de Janeiro, que portavam bandeiras e distribuíam adesivos da candidata aos motoristas que passavam. Alguns estavam com camisas do Botafogo, que jogou ontem com o Atlético. Todos afirmaram, no entanto, que vieram a Belo Horizonte para ver Dilma, e não o time.

Bandeiras
A tradicional música de campanha ;Lula lá; foi alterada para ;Dilma lá;. Durante a carreata, que percorreu a Rua Padre Pedro Pinto, com grande número de lojas e muito movimentada nas manhãs de sábado, além de militantes do PT, balançavam bandeiras nas calçadas integrantes do PR e do PSB. Material de campanha do PMDB, de Michel Temer, presidente da Câmara e vice de Dilma, não foi visto nas ruas. O ex-ministro da Saúde, Saraiva Felipe, que pertence ao partido, no entanto, integrou a carreata.

No meio da tarde, por volta das 16h, a candidata chegou a Porto Alegre, onde vota hoje.

PERFIL - SERRA

DE LÍDER ESTUDANTIL A GOVERNADOR

; Isabella Souto

Filho único de um imigrante italiano e de uma brasileira de descendência italiana, o paulista José Serra (PSDB) tem 68 anos e tenta pela segunda vez chegar à Presidência da República. Enquanto não chega ao mais alto posto do Executivo brasileiro, acumula na biografia política dois mandatos de deputado federal, um de senador, a prefeitura e o governo de São Paulo e os ministérios da Saúde e do Planejamento no governo do também tucano Fernando Henrique Cardoso.

Derrotado nas urnas na corrida ao Palácio do Planalto nas eleições em 2002 ; pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tentava pela quarta vez se eleger presidente ;, Serra pode comemorar nos anos seguintes duas vitórias políticas. Em 2004 venceu a disputa para a Prefeitura de São Paulo, cargo para o qual saiu derrotado nas eleições de 1988 e 1996.

Mas o mandato na prefeitura da maior capital do país durou apenas 16 meses: quebrou a promessa de terminar a gestão e renunciou ao cargo para concorrer ao governo de São Paulo ; posto que abocanhou já no primeiro turno das eleições. Mais uma vez não concluiu o mandato: deixou a cadeira de governador para candidatar-se a presidente da República pelo PSDB.

Criado no bairro da Mooca, em São Paulo, José Serra ingressou em 1960 no curso de engenharia da Universidade de São Paulo (USP) e tornou-se um militante do movimento estudantil. Três anos depois elegeu-se presidente da União Nacional dos Estudantes (Une) com o apoio da organização de esquerda Ação Popular (AP).

Em 1964, com o golpe militar, refugiou-se na Bolívia e mais tarde partiu para a França. Diante de uma tentativa frustrada de voltar ao Brasil, foi morar no Chile, onde iniciou os estudos em economia. A estadia no Chile também não durou muito. Com o golpe chileno, mudou-se para os Estados Unidos. Em 1977, voltou para o Brasil, onde atuou como professor. Filiou-se ao MDB, embrião do PMDB.

A primeira participação na administração pública foi em 1982, quando assumiu a Secretaria de Estado de Planejamento, a convite do então governador Franco Montoro (PMDB). Quatro anos depois, elegeu-se deputado federal e participou da elaboração da Constituição Federal de 1988.

No mesmo ano, ajudou a fundar o PSDB, partido ao qual está filiado até hoje. Pelo PSDB, reelegeu-se deputado federal em 1990 e senador em 1994. Deixou o Senado para assumir o Ministério do Planejamento entre 1995 e 1996 e o da Saúde entre 1998 e 2002.

APOIO AO TRIO MINEIRO

Marcos Vieira
Alice Maciel
Amanda Almeida
Ezequiel fagundes
Renata Mariz

Ao lado do trio vitorioso em Minas Gerais ; governador reeleito Antonio Anastasia (PSDB) e senadores eleitos Aécio Neves (PSDB) e Itamar Franco (PPS) ;, o candidato tucano José Serra iniciou o último dia de campanha com carreata em Belo Horizonte. Confiante na vitória, o ex-governador dedicou o fim da corrida a cortejar os eleitores mineiros, que compõem o segundo maior colégio eleitoral do Brasil. ;Nada como estar no último dia desta campanha na terra da liberdade do nosso país;, disse, acrescentando que foi um dos dias mais emocionantes da disputa. Ele afirmou que o país ;retrocedeu; nos últimos oito anos, mas amenizou o tom ao falar sobre a atuação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha.

O evento foi encerrado com a exibição de um vídeo do jurista e um dos fundadores do PT Hélio Bicudo, em que diz ser contrário ao ;autoritarismo que o PT assumiu nos últimos anos;, e a execução do Hino Nacional.
Antes de seguir para almoço no Palácio das Mangabeiras, Serra deu um abraço prolongado em Aécio Neves. Na coletiva, procurou mostrar sintonia com as lideranças mineiras. ;Fico grato do fundo do coração de vir aqui fazer a minha última programação, com três pessoas de Minas que são tão representativas do povo mineiro. O Aécio, o Anastasia e o Itamar.;

Serra ainda achou tempo para carreata sob chuva fina em São Bernardo do Campo (SP), berço do PT. O ato durou 50 minutos e não houve incidente. Nos pontos de concentração, cabos eleitorais distribuíram panfletos com críticas ao PT. Com o título Durante 7 anos Dilma prejudicou São Paulo, o panfleto culpa Dilma por falta de investimentos em infraestrutura, segurança, saúde e educação.

Para dar ponto final ao dia, Serra fez uma caminhada de meia hora em Suzano, a 60km da capital paulista. Embalados por carro de som, eleitores se acotovelavam tentando tocar, beijar e abraçar o presidenciável. Ele recebeu uma bola com o símbolo do Palmeiras, time para qual torce, e dois vasos de orquídeas. Uma senhora, entretanto, não conseguiu entregar a Serra um crucifixo. O candidato também não aceitou um chapéu branco, estilo cowboy, colocado por um popular. Ao finalizar o ato, Serra prometeu não decepcionar o eleitor que lhe confiar o voto.