O duelo entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), radicalizado nas quatro semanas do segundo turno, escondeu os verdadeiros protagonistas da disputa presidencial. Em dias intermináveis de uma briga particular, entre dois grupos políticos que disputam o poder há 16 anos, os eleitores brasileiros foram colocados na condição de espectadores. Mais assistiram do que participaram das verdadeiras sabatinas a que foram submetidas as candidaturas petista e tucana. Quem, afinal, é o eleitor de Dilma que chega hoje às urnas para legitimá-la como presidente da República? Qual é o rosto do eleitor de Serra? Que perfil tem o brasileiro interessado na alternância de poder? O Correio conta a história de dois eleitores comuns que se encaixam nos perfis traçados pelas últimas pesquisas eleitorais e pelos votos depositados no primeiro turno da disputa presidencial. Os eleitores de Dilma são, em sua maioria, homens, da Região Nordeste, com renda inferior a dois salários mínimos e ensino fundamental completo. No Distrito Federal, a petista obteve a maioria dos votos em primeiro turno em Brazlândia e Planaltina. Serra é preferido pelas mulheres, tem a maioria dos votos na Região Sul e de eleitores com renda superior a 10 salários mínimos e ensino superior completo. Foi mais votado do que Dilma em Samambaia, no Recanto das Emas, no Lago Norte e na Asa Sul. O eleitor de Dilma cuja história é contada nesta reportagem mora em Brazlândia, está desempregado, constrói a casa própria e atende o pedido do presidente Lula para votar na candidata petista. A eleitora de Serra não se orgulha do presidente que tem, sente-se enganada por ter votado em Lula em 2002, acredita que o tucano vai frear a corrupção. A seguir, o que cada um deles pensa e como essas concepções influenciam os votos depositados, hoje, na urna.
Voto da aposentada arrependida
Marilda Nepomuceno estranhou a proposta de ser fotografada em frente ao Palácio do Planalto, por um motivo peculiar: ;Aquilo lá está contaminado. São oito anos de Lula.; A aposentada de 74 anos não gosta de Luiz Inácio Lula da Silva. Detesta sua postura, não sentirá saudade alguma do governo do petista, faz uma associação direta entre o lulismo e a corrupção. Marilda vota em José Serra (PSDB).
Convicta sobre seu voto desde o primeiro turno, Marilda já votou em Lula. Foi em 2002, quando uma onda de mudança conquistou eleitores suficientes para colocar o ex-operário na Presidência da República. A aposentada e o marido, o procurador aposentado Luiz Carlos, 78 anos, foram dois desses eleitores.
A esperança do casal durou muito pouco, tempo suficiente para constatar que os reajustes das aposentadorias ficariam bem abaixo do esperado. Marilda assumiu-se antilulista e retoma, nas urnas, a postura de 1994 e 1998, quando ajudou Fernando Henrique Cardoso a chegar ao poder.
Carioca da Zona Sul, típica mãe de família, Marilda vive há 50 anos em Brasília. Chegou à cidade poucos meses depois da inauguração da nova capital, recém-casada. Saiu da Zona Sul para a Asa Sul. O casal morou primeiro em um apartamento da quadra 410. Em 1964, no ano do golpe militar que instalou a mais rígida ditadura brasileira, Marilda e o marido mudaram-se para o amplo apartamento da quadra 105, onde vivem até hoje.
;Aqui era tudo barro. Quando chovia, ficava até nove dias sem sair de casa por causa da lama.; Marilda acompanhou a expansão de Brasília pela perspectiva de uma das regiões mais nobres da cidade. Criou os dois filhos ; o mais velho tem 49 anos de idade ;, ganhou cinco netas e aposentou-se do cargo de analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho. Na família, é uma voz quase dissonante na simpatia pelos tucanos. ;Meus dois filhos e quatro netas simpatizam com o PT;, diz ela.
O voto em Lula, em 2002, foi um erro, segundo Marilda. ;Foi a primeira vez que perdi um voto. Arrependo-me tremendamente.; Para a aposentada, Lula não se porta como presidente da República, mas como ;presidente de sindicato;. ;Ele critica o Judiciário, defende corrupto. Não aguento mais nem ouvir a voz (dele).;
Marilda não confia nas pesquisas de opinião que dão a Lula uma aprovação de mais de 80% da população. ;Essas pesquisas não me convencem;. E desconfia ainda mais das propostas de Dilma Rousseff (PT), a candidata de Lula. O primeiro erro da candidata, segundo a aposentada, é apoiar seu discurso em ;nós fizemos; e não em ;eu vou fazer;. Depois, Dilma peca por ser ;despreparada e arrogante;.
Serra vai ;endireitar as coisas;, segundo Marilda. ;Ele vai dar uma brecada na corrupção.; A aposentada considera que o tucano carrega mais experiência e seriedade. Lula, para ela, é carta fora do baralho. ;O povo já tem sua concepção e não quer saber mais sobre o governo Lula.;
Gratidão do técnico desempregado
Há 10 anos, a casa de Antônio dos Santos Martins, 44 anos, é uma construção inacabada. A primeira etapa surgiu nos fundos do lote, quatro metros se estenderam até a frente e a sala. A cozinha, o banheiro, os dois quartos e um quintal ganharam forma numa área de 90 metros quadrados. A casa tem telhas de amianto, precisa ser pintada, faltam diversos retoques. Mas existe, está equipada. Antônio tem TV com tela plana de 40 polegadas, home theater, notebook, uma cozinha completa. ;Isso aqui é uma conquista muito grande. Estou construindo e fazendo as coisas.;
Quando se casou, Antônio foi morar na casa dos sogros em Brazlândia. Há 15 anos chegou à expansão da Vila São José, bairro na periferia da pequena cidade. Foram cinco anos num barraco de madeira até começar a construir a casa própria. As obras prosseguem e contemplam uma perspectiva de trabalho. Técnico em eletrônica, Antônio está desempregado há quatro meses. Não parece preocupado, nem desestimulado com o governo. Em frente à sua casa, no mesmo lote, um ponto comercial está em fase final de construção. Surgirá ali uma ;loja de jeans;.
;O grande culpado por estar desempregado sou eu mesmo, me acomodei, não fiz curso nenhum. Tem emprego para tudo quanto é lado;, diz o ex-funcionário de uma empresa que prestava serviços para o Superior Tribunal de Justiça. Antônio faz bicos, voltou a estudar e tem a garantia do emprego de volta se concluir um curso técnico exigido pela empresa. Concluiu o ensino médio antes de partir para o curso.
A vida de Antônio melhorou nos últimos anos e algumas diferenças sentidas por ele marcam essa melhora. ;No governo do Fernando Henrique Cardoso, cheguei a comprar arroz de segunda. Um pacote de cinco quilos custava R$ 12. E só comprava carro velho.; Hoje, Antônio tem um Fiat Siena, ano 2005, financiado. Compra e paga o material de construção no cartão, geralmente em três parcelas. ;O brasileiro tem condição de comprar qualquer coisa.;
Luiz Inácio Lula da Silva fez o melhor governo já visto, segundo o técnico em eletrônica. Primeiro, ele próprio ganhou poder de consumo. Depois, viu familiares melhorarem a vida. Um tio, na zona rural de Padre Bernardo, foi beneficiado pelo Luz para Todos. ;Lá tem antena parabólica e bomba d;água. Antes era lampião.; Uma sobrinha está na universidade. O curso é pago pelo ProUni.
O voto em Dilma Rousseff (PT) passou a ser natural para ele. O carro e a casa estão adesivados. Uma pequena bandeira do PT foi afixada em cima do muro. Antônio diz não ser petista. Na década de 1990, votou em Fernando Henrique. Nos dois últimos pleitos, em Lula. ;Dilma já está com o governo montado, Serra não conseguiria governar. Essa administração não pode ser interrompida.; Para Antônio, Dilma ; que recebeu seu voto no primeiro turno ; representa a continuidade de Lula, o presidente que ;chega hoje em qualquer parte do mundo e conversa com quem quiser;.