Jornal Correio Braziliense

Eleicoes2010

Próximo governador do DF encontrará uma Câmara Legislativa mais fragmentada

Especialistas alertam: será difícil formar uma base forte, pois há um número excessivo de legendas pautadas pelo pragmatismo

Quanto maior o número de convidados, mais fatiado deverá ser o bolo e, consequentemente, menor será o pedaço dado a cada um. O que vale para uma simples festa de aniversário pode ser perfeitamente aplicado para a partilha de poder no universo político. Diante dessa máxima, espera-se para os próximos quatro anos uma intensa negociação entre o futuro governador e a Câmara Legislativa do Distrito Federal. Em 1; de janeiro de 2011, os 24 deputados distritais que tomarão posse representarão os interesses de nada menos que 17 partidos diferentes.

Para ter uma ideia do que pode vir, na atual legislatura políticos de 13 legendas assumiram as cadeiras do Legislativo local. A fim de conseguir uma maioria na Casa que lhe desse sustentação, o ex-governador José Roberto Arruda (sem partido) precisou negociar o apoio de cada distrital. Os resultados apareceram nas denúncias de um suposto esquema de pagamento de propina que recheiam o Inquérito n; 650 do Superior Tribunal de Justiça, o da Caixa de Pandora. Imagens em vídeo ainda estão na cabeça do brasiliense, com deputados colocando dinheiro em meias, bolsos e bolsa (leia Memória).

Durante a campanha, os dois candidatos ao Palácio do Buriti, Agnelo Queiroz (PT) e Weslian Roriz (PSC), chegaram a garantir que, se eleitos, não promoverão qualquer tipo de negociata a fim de cooptar parlamentares, tanto para formar a base governista quanto para a oposicionista. "Vamos manter o grupo em torno das ideias e denunciaremos quem quiser fazer negociações ilícitas", garante Chico Leite (PT), o distrital mais votado no último dia 3. "A solução é apresentar propostas claras e convencer os partidos de que elas são de interesse da população. O apoio de cada deputado está na adesão a um bom programa de governo", diz o assessor de imprensa de Weslian, Paulo Fona.

Agnelo saiu na frente para formar uma bancada forte na Câmara, tendo em vista que a coligação Um Novo Caminho elegeu 15 distritais. Os partidos ligados ao grupo de Roriz conseguiram as outras nove vagas. Entretanto, nesse jogo nem sempre a matemática dá certo. Alguns deputados estão, desde o início do processo eleitoral, distantes dos cabeças de chapa. É o caso de Eliana Pedrosa (DEM), que faz parte da coligação Esperança Renovada e conseguiu ser a segunda mais votada com uma campanha independente. A democrata traz a mesma independência nessa nova etapa da disputa pelo GDF. O DEM diminuiu de quatro para dois o número de vagas ocupadas na Câmara. Mesmo assim é a legenda com o segundo maior número de representantes, empatada com o PMDB e o PPS.

O maior partido da Casa será o PT, com cinco distritais. Treze cadeiras serão distribuídas, uma a uma, a exatamente 13 partidos (veja Arte). Segundo o cientista político João Paulo Peixoto, apesar das alianças para as eleições deste ano, o próximo governo terá muita dificuldade para formar uma base. ;Essa fragmentação exagerada não é boa. São muitos partidos sem identificação ideológica clara e que se pautam pelo pragmatismo. Se a legislatura atual já deu no que deu, imagine como será com o aumento de legendas?;, pondera o especialista.

"Interesses pessoais"
David Fleischer, professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), concorda com o colega e explica que há duas formas ;corriqueiras; de negociação para formar um governo de coalizão: com a distribuição de cargos comissionados e a liberação de recursos previstos no orçamento para as bases do político. "Os partidos pequenos sempre têm um dono. Às vezes, o negócio é feito com ele, mas usualmente o governo atende os interesses pessoais do deputado eleito por aquela sigla", afirma.

A explicação do professor é aplicável. Na Operação Caixa de Pandora, a Polícia Federal apreendeu planilhas do então chefe da Casa Civil, José Geraldo Maciel, com os detalhes do suposto fatiamento da administração pública. Os documentos indicavam como era organizada a distribuição entre os apadrinhados da Câmara Legislativa e do Congresso Nacional de 3 mil cargos comissionados, com salários entre R$ 421 e R$ 9.315.

Quanto maior a força do político, a mais vagas ele tinha direito. Alguns chegaram a ter mais de 300 cargos no governo, de acordo com a planilha. Juntos, 27 distritais, entre suplentes e titulares, teriam o domínio de R$ 3,4 milhões de verba pública mensal em salários. "A distribuição costuma seguir de acordo com o comportamento de cada um nas votações, mas o mensalão mostrou que deputados querem muito mais do que cargos", disse Fleischer.

Ribeiro luta pela vaga

A Justiça Eleitoral julga três processos que podem mexer na configuração da Câmara. Um deles é o recurso interposto pelo PSDB para tentar reverter decisão do Tribunal Superior Eleitoral de permitir a reeleição do distrital Benício Tavares (PMDB), que havia sido impugnado com base na Lei da Ficha Limpa.

Benício tem condenação por apropriação indébita e concorreu sub judice no dia 3. Dez dias depois, obteve decisão favorável da ministra Cármem Lúcia. Ela disse que a pena havia prescrito e isso afastaria a "hipótese de inelegibilidade" prevista na lei. Com os 17,5 mil votos reintegrados à contagem oficial, ele tomou a vaga do tucano Raimundo Ribeiro.

Diante disso, o advogado do partido José Eduardo Alckmin ingressou com agravo regimental solicitando análise pelo plenário do TSE. "Ainda há recurso do MP sobre a aplicação da pena, que pode ser aumentada e significa que ela não prescreveu", disse. No domingo, o processo foi enviado para a Procuradoria-Geral Eleitoral, que deverá emitir parecer em breve. O PSB também aguarda julgamento dos registros de Jaime Recena e Denízia Maria a fim de saber se poderá contar com os votos deles para ajudar a eleger Jânio Farias Marques, o Guarda Jânio.


Memória

Crise sem precedentes

Há pouco menos de um ano, a população da capital da República foi golpeada com a maior crise política da história local. Em 27 de novembro de 2009, a Polícia Federal deflagrou a Operação Caixa de Pandora para investigar denúncias de distribuição ilegal de recursos públicos a deputados governistas. O suposto esquema foi delatado pelo então secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa.

As investigações indicam que o governo tinha uma despesa mensal de R$ 600 mil com pagamentos à base aliada. De acordo com relatório da PF, divulgado em agosto, em situações especiais, a quantia seria mais alta. Para votar a favor do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), alguns parlamentares teriam recebido R$ 420 mil. Em um capítulo especial, são mencionados nomes de 10 deputados.

Durval entregou 23 vídeos à polícia, muitos com imagens de repasses de maços de dinheiro. As cenas resultaram na renúncia de dois distritais e na cassação de uma. O então governador José Roberto Arruda e outras quatro pessoas foram presas por uma suposta tentativa de suborno a um jornalista ligado ao delator. Arruda teve de sair do partido e acabou cassado, enquanto o vice, Paulo Octávio (DEM), abriu mão do cargo.