Quem disputa uma eleição sempre se apresenta ao eleitor como um sedutor. Candidatos nunca param de sorrir e garantem ter condições de resolver todos os principais problemas que incomodam a população. No programa eleitoral que foi ao ar no domingo e ontem à noite, Weslian Roriz (PSC) se comprometeu, caso seja eleita, a anistiar todas as multas de trânsito pendentes de pagamento até 30 de setembro último. O benefício atingiria, por exemplo, 600 mil veículos que não têm licenciamento em decorrência de dívidas por descumprimento do Código Brasileiro de Trânsito. Os números foram levantados pela própria campanha de Weslian. Segundo dados do Departamento de Trânsito (Detran-DF), somente entre janeiro e o fim de agosto deste ano, 1,25 milhão de multas foram aplicadas na capital.
Se o número de carros em situação irregular corresponder ao mesmo percentual de eleitores significa dizer que a promessa da candidata abrangeria 30% da população que vai às urnas no próximo dia 31. A medida foi anunciada como estratégica para alavancar a candidatura de Weslian, que está em situação desfavorável em relação a seu adversário, Agnelo Queiroz (PT), segundo pesquisas de intenção de votos. O problema é que a promessa vai se tornar um novo embate judicial. A Coligação Um Novo Caminho protocolou ontem representação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) contra Weslian por compra de votos, conduta vedada conforme prevê a Lei n; 9.504/97, que trata das eleições. ;Essa é uma oferta indevida, fora da lei. É a mesma coisa que dar camisa ou caneta, o que é proibido pela legislação. Dar o perdão é conceder um benefício;, afirma o advogado da coligação liderada pelo PT, Luís Carlos Alcoforado.
Fundo Constitucional
Mas a promessa de ações difíceis de serem realizadas também faz parte da campanha de Agnelo. Sem explicar de onde vai retirar os recursos necessários, o petista se comprometeu, por exemplo, a contratar em quatro anos 4 mil policiais militares, o correspondente a mais de 20% da corporação hoje na ativa. No entanto, qualquer aumento de gastos na área de segurança pública depende de autorização federal, uma vez que os recursos são oriundos do Fundo Constitucional do DF. Para ampliar despesas nessa área, o GDF precisa ainda de aval do Congresso. Assim, não há garantia de que o dinheiro será liberado.
Em relação à petição protocolada contra Weslian, a Coligação Um Novo Caminho sustenta que a oferta em plena campanha significa troca de uma vantagem pessoal por voto. E mais: incentiva a violência no trânsito. De acordo com a Lei n; 9.504/97, caso a representação seja julgada procedente, a pena pode chegar à cassação do registro da candidatura ou, se for o caso, da diplomação.
Essa regra foi o que provocou a condenação da ex-governadora Maria de Lourdes Abadia (PSDB) em 2006. O TRE-DF considerou compra de votos a promessa da então candidata à reeleição, quando ela participou de reunião com donos de quiosques em situação irregular. Abadia prometeu criar uma comissão para tratar do assunto e se apresentou como candidata. Um dos comerciantes gravou o encontro e encaminhou a imagem ao Ministério Público do DF e Territórios. Uma representação do então procurador regional eleitoral do DF, Osnir Belice, resultou na condenação de Abadia. A pena se refletiu na disputa deste ano, pois Abadia acabou enquadrada na Lei da Ficha Limpa e teve o registro da candidatura negado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Pardais
Não é a primeira vez que o trânsito aparece como tema de campanha. Em 2006, pouco antes do primeiro turno, José Roberto Arruda prometeu retirar das ruas do DF todos os pardais que flagram o excesso de velocidade dos veículos. Os equipamentos permanecem instalados e, agora, são o mote para a campanha de Weslian. Caso ponha em prática sua oferta ao eleitor, a candidata, se eleita, terá de submeter a medida à Câmara Legislativa em um projeto de lei complementar. A aprovação depende de 16 votos, no mínimo.
Eri Varela ; delegado da Coligação Esperança Renovada, encabeçada pela ex-primeira-dama ;rebate as acusações de compra de votos e queixa-se da postura do PT. "Lamento profundamente que o PT e Agnelo Queiroz sejam favoráveis à indústria de multas no DF. Que interesse há por trás disso?", questiona.
Mão Santa
Em 1998, o então governador do Piauí, Mão Santa (PMDB, hoje no PSC), teve o mandato cassado por ter anistiado contas de água em período eleitoral, quando concorria à reeleição. A decisão de 2001 foi unânime no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em processo sob a relatoria do ministro Nelson Jobim. A anistia foi considerada compra de votos.
Memória
Reajuste salarial
A promessa de reajuste salarial de 28% dos salários dos servidores públicos do Distrito Federal foi uma controvérsia na campanha eleitoral de 1998. Joaquim Roriz (PSC), que tentava retornar ao Palácio do Buriti, prometeu o benefício no segundo turno da campanha, atendendo a uma reivindicação dos funcionários da administração direta do poder Executivo local. O compromisso atingia 100 mil servidores públicos. Candidato à reeleição, o então governador Cristovam Buarque, filiado ao PT e com base eleitoral no funcionalismo e no meio sindical, negou a possibilidade de oferecer o mesmo benefício.
Para Cristovam, o custo do reajuste provocaria um problema no orçamento do DF. Ele chegou a anunciar que não poderia prometer a mesma coisa. Disse em debates que a proposta era eleitoreira. Não se pode garantir que esse
detalhe tenha virado a eleição e provocado a vitória de Roriz, mas ele acabou derrotando Cristovam, então um governador com alto índice de popularidade ; cerca de 80% de aprovação.
Depois da eleição, o próprio Cristovam, analisando o desempenho naquela campanha, avaliou que a promessa de Roriz e a sua insistência em não repetir o mesmo compromisso podem ter sido fundamentais para o resultado. Assim que venceu o pleito, Roriz pagou de forma escalonada o reajuste prometido, mas sempre levando em conta o salário base dos servidores. (AMC)
O que diz a lei
A Lei n; 9.504/97 estabelece, no artigo 41-A, que constitui captação de sufrágio o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição. A pena para esse tipo de conduta é de multa de mil a 50 mil Ufirs e cassação do registro ou do diploma. Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. A representação contra as condutas vedadas poderá ser ajuizada até a data da diplomação. O prazo de recurso contra decisões proferidas com base nesse artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento.