Jornal Correio Braziliense

Eleições 2014

Sem showmícios, candidatos reforçam propaganda de rua, vão à internet e pagam'cabos de luxo'

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu a realização de eventos musicais orquestrados por candidatos em 2006


Se fosse lançado o desafio para escolher o termo mais usado nas eleições deste ano, ;velha política; e ;nova política; estariam entre os campeões. Enquanto no discurso pouco se sabe sobre o significado dessas expressões, na prática, candidatos vêm mostrando um novo jeito de fazer campanha política. A fórmula para conquistar eleitores na atualidade passa longe de palanques e comícios que fizeram história na época de Juscelino Kubitschek (1902-1976) e de Tancredo Neves (1910-1985) e são até hoje marca do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A estratégia agora envolve uma equação que soma a distribuição massiva de cartazes, banners e santinhos a reuniões com lideranças políticas, uso das redes sociais e contratação de cabos eleitorais de luxo ; políticos e pessoas influentes pagas para cooptar votos.

Ficou para trás uma época em que a população se reunia em praça pública para ouvir os candidatos. ;Diminuíram muito os comícios. Nesta eleição, praticamente não tem tido. Hoje eles estão fora de moda;, conta o candidato ao governo de Minas Tarcísio Delgado (PSB). Aos 78 anos, quase 50 deles dedicados à política, o ex-prefeito de Juiz de Fora se lembra com saudade desse tempo. ;Tive comícios memoráveis, com 30 mil pessoas. Não levava show, mas sempre reunia muita gente. Somente uma vez o Sérgio Reis, que é meu amigo, ofereceu-me um show dele, em 1996, para a Prefeitura de Juiz de Fora;, conta o candidato, ainda na expectativa de organizar um comício nesta campanha. ;Mas é uma despesa grande;, pontua.

[SAIBAMAIS]Agora, quando ocorrem, os comícios acontecem no improviso. ;Quando fomos com Marina (Silva) a Betim, o público era de comício, juntou muita gente e acabamos fazendo tudo improvisado, não tinha nem serviço de som bem instalado;, diz. Em substituição ao palanque, reforço no material de campanha. ;Hoje é muito contato pessoal e uso exacerbado de bandeira, cartaz, cavalete, é uma massificação, uma coisa que não diz nada;, critica Tarcísio, que acredita que a internet tem substituído as ruas. ;Pela rede social, temos uma campanha paralela enorme, com milhares de acessos;, diz.

Com cinco mandatos de deputado federal, Mauro Lopes (PMDB), de 78 anos, que tenta reeleição na Câmara, promoveu incontáveis showmícios ; comícios com a presença de artistas ;, mas teve que se atualizar e agora dá a receita da nova forma de fazer campanha: ;Primeiro, colocam-se placas em todos os redutos eleitorais. O candidato vai àquela cidade somente depois que o rosto dele já está conhecido. Faz as reuniões com as lideranças, vereadores e prefeitos. Nessa altura, ele já tem as panfleteiras, que vão para as ruas e área rural levando o nome do candidato nos santinhos;, explica o deputado, sem se esquecer do horário eleitoral gratuito na televisão, que completa a estratégia.

Até a proibição dos showmícios pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2006, Mauro Lopes se valeu muito desse recurso para atrair a atenção de eleitores. Um dos contratados da campanha de 1998, inclusive, é hoje seu colega na Câmara, o palhaço Tiririca (PR-SP). ;Já levei o Claudinho e Bochecha, o Agnaldo Timóteo. O povo gostava, ia ver os artistas e aproveitava para ouvir os candidatos. Era um gasto astronômico. Agora, realmente ficou uma coisa mais igualitária. Com esse negócio de ficha limpa, isso é que ficou importante;, afirma.

CABOS DE LUXO O deputado federal Humberto Souto (PPS), de 80 anos, acumula também experiência de campanhas a vereador em Montes Claros, no Norte de Minas, e a deputado estadual. Em 50 anos de vida pública e 10 mandatos, ele tenta reeleição na Câmara, reconhece as mudanças nas campanhas, mas não concorda com elas. ;Mudou muito a influência do dinheiro na campanha. Hoje aparecem esses deputados compradores de voto e constituem esses cabos eleitorais. Essa é a grande novidade. O vereador recebe dinheiro e arregimenta eleitores;, afirma.

Conforme o Estado de Minas mostrou em reportagem no mês passado, candidatos contratam serviço de cabos eleitorais de luxo, como prefeitos, vereadores e lideranças, que cobram caro para abraçar as candidaturas a deputado estadual e federal. O voto em Minas Gerais custa hoje de R$ 35 a R$ 40. ;Antes, o próprio candidato é que andava nas ruas, tinha as lideranças políticas;, diz, irritado, o deputado, que também não se conforma com a chegada de candidatos forasteiros. ;Hoje não se respeita mais a região. O sujeito que é do Sul de Minas vai fazer campanha no Norte na maior cara de pau;, revolta-se.

Essa mudança também é percebida pelo ex-deputado federal José Santana (PR), de 75 anos, 40 deles dedicados à vida pública. ;As lideranças eram mais consolidadas no interior. Fui votado 40 anos nas mesmas cidades. Você chegava à cidade e o grupo era muito consolidado, até por não haver um número grande partidos;, diz o político, que tem sua base eleitoral na Zona da Mata e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri e hoje tenta eleger deputado federal o filho Gustavo Santana (PR).

José Santana, que começou a fazer campanha na época em que não havia televisão nem computador e os cartazes eram em preto e branco, aderiu à moda dos showmícios na década de 1990. Contratou Sérgio Reis, Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, César Menotti e Fabiano. ;Todo mundo fazia, era um hábito;, diz. Mesmo sem os shows, José Santana ainda acredita que, quando o político é conhecido e respeitado, a estratégia do comício ainda vale.

Um obstáculo, na avaliação dele, é o curto tempo de campanha. ;A campanha era de cinco meses. Hoje engrena mesmo faltando 30 dias. O candidato acaba não tendo condição de ir a todas as cidades;, diz. Os meios de comunicação, por sua vez, são aliados. ;Toda cidade tem uma rádio comunitária e um jornalzinho. E a internet é um negócio fantástico;, comenta.

Corrida eleitoral em dois tempos

Como era
; Havia lideranças comunitárias e grupos políticos mais consolidados no interior
; Comícios reuniam milhares de pessoas em praça pública
; Showmícios com a apresentação de artistas passaram a ser, sobretudo na década de 1990, principal forma de atrair a atenção de eleitores
; As campanhas duravam cerca de cinco meses
; Os candidatos tinham uma atuação local e pediam votos em regiões específicas

Como ficou
; O horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio se tornou umas das principais formas de os candidatos se apresentarem aos eleitores
; Há contratação expressiva de cabos eleitorais de luxo ; prefeitos, vereadores e lideranças recebem para conseguir votos para os candidatos a deputado estadual e federal
; Campanhas mais curtas, em que o foco é de 30 dias
; Maior investimento em material de campanha, como cartazes, bandeiras e santinhos
; As redes sociais se firmaram como canal de comunicação entre candidatos e eleitores
; Candidatos extrapolam territórios dominados por determinados grupos e fazem campanha no estado inteiro