Pela nona vez consecutiva, o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos será o responsável pela abertura oficial do carnaval do Recife. Na noite de sexta-feira, ele será a estrela de um espetáculo impressionate: regerá mais de 600 batuqueiros de 17 nações de maracatu simultaneamente no Marco Zero, região central da capital pernambucana. Mesmo honrado com a grande tarefa e feliz por poder homenagear este ano duas das mais antigas agremiações do estado ; Nação Maracatu Estrela Brilhante de Igarassú e Caboclinhos Tribo Canindé do Recife ;, ele está ansioso mesmo é para encontrar Seu Neves, na Praia de Tamandaré, litoral do estado.
;Só participo da abertura, pois trabalho o mês de janeiro todo. Na sexta-feira, quando acabar a abertura, vou direto para a praia. Não vejo nada de carnaval. Na praia, Seu Neves estará me esperando. Ele é meu anjo da guarda. É meu massagista e já trabalhou com atletas e bailarinos. Quando chego lá, ele me deixa como uma pluma. Estou precisando disso. É muita pressão, muita responsabilidade. Principalmente agora, pois vou imediatamente depois para Angola dia 18. Até lá, Seu Neves tem de me deixar como se nada tivesse acontecido. Ele é quem toma conta;, diverte-se Naná Vasconcelos, já sonhando com as massagens diárias pela manhã, seguidas de caminhada pela praia.
É mais do que justo, pois 2010 será um ano de muito trabalho para o percussionista, cujas atenções estão voltadas para a África. A primeira viagem, para Angola, dará início a seu projeto Língua mãe, ampliação de outro já existente, chamado ABC Musical, cujo tema são músicas folclóricas. ;Vou para Angola escolher 30 crianças e depois mais 30 em Portugal. Vou misturá-las a 60 crianças brasileiras. Ensinarei músicas folclóricas que vieram de lá para cá, dando de volta isso. Recolhendo músicas folclóricas africanas e portuguesas para ensinar aos meninos brasileiros;, explica. O resultado será apresentado no aniversário de Brasília, em 21 de abril.
;Quero muito investir mais nessa troca musical e cultural, ela é importante para a gente;, empolga-se. De fato, não é de hoje que ele anda antenado no continente africano. Há três anos, tentou trazer para a abertura do carnaval recifense a cantora cabo-verdiana Cesaria Evora, mas não conseguiu. ;Ela ficou com medo. Ela não toca com percussão. A música dela tem muito pouca percussão. Enfrentar um paredão de 600 batuqueiros é outra coisa;, conta. Também convidou as cantoras Sara Tavares (portuguesa de ascendência cabo-verdiana) e Angélique Kidjo (de Benin), que não puderam vir ao país por incompatibilidade de agenda.
Aproveitando que estará na África praticamente um ano antes do próximo carnaval, Naná não quer perder a chance de fazer convites com maior antecedência para tentar garantir que artistas do continente possam participar da festa no Recife. ;É uma coisa mais cultural que comercial. Não quero ninguém tendo que vir ao Brasil obrigado. Tenho muita vontade de fazer ligação entre África e Brasil. Quero muito trazer a África para cá. São muitas as coisas que vieram de lá para cá, pusemos nelas uma vestimenta diferente e já não existem mais lá;, afirma.
Ainda este ano, à medida que a agenda de shows permitir, Naná quer finalizar dois discos: Sinfonias e batuques, no qual promove encontro entre orquestra sinfônica e batuques de maracatu, e outro que se dedica a explorar sons da água. Também faz parte de seus planos gravar com o grupo mineiro Uakti. ;Gosto de fazer coisas com eles. Já fizemos algumas, mas nunca foram lançadas. Já gravamos vários concertos. Ficou para escolher, decidir e nunca fizemos isso. Talvez a gente faça outra coisa juntos e, dessa vez, leve a coisa à frente;, revela.
O artista anda mais envolvido do que nunca com as agremiações do maracatu pernambucano, pois está no meio do processo de gravação do documentário Naná e os maracatus. ;Tenho ido de duas a três vezes em cada nação, primeiro com uma visita musical e depois um mestre explica para as câmeras como é o processo de fabricação da alfaia, que é o tambor do maracatu. Ele vai para o mato cortar a macaíba, para depois escavar o tronco. Não são todos assim, pois grande parte agora é feita com compensado, pois o Ibama proíbe;, conta.
Toques de clarins
Fundados em 1824 e 1897, respectivamente, a Nação Maracatu Estrela Brilhante de Igarassú e os Caboclinhos Tribo Canindé do Recife vão desfilar completos (batuqueiros e corte) na rampa em frente ao palco, durante a abertura do carnaval recifense. A concentração começa na Rua da Moeda, às 17h, e uma hora depois Naná segue em cortejo, conduzindo as nações até o Marco Zero. Com as nações já perfiladas, toques de clarins anunciam a abertura do evento e o prefeito do Recife entrega a chave da cidade para o rei e a rainha do carnaval.
;O maracatu mudou muito de 10 anos para cá. Hoje, há mulheres tocando e o preconceito de que era coisa de negro, favela e candomblé foi desmistificado. Vem gente da Europa para sair nos maracatus e se encontra maracatu em toda parte. Ele dá alicerces para muitos jovens hoje. Vai sair muita coisa disso e não necessariamente de músicos pernambucanos;, avalia. Naná, que se sente representante dos maracatus perante o governo, afirma que a situação deles vem melhorando: ;Alguns não tinham nem sede. Hoje há muita coisa que não existia, como as nações com maracatus mirins, com criança de rua aprendendo. Antigamente, criança não podia tocar. Um aprende a fabricar, outro a pintar, outro a dançar. Isso envolve toda a comunidade;.
Além das agremiações homenageadas, também participará da festa o maestro Forró, da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério, fundada por ele na capital pernambucana. ;Ele é trompetista, ousado e improvisador. Farei diálogo com ele, os tímpanos e os batuqueiros;, adianta Naná. Este ano, observa, a apresentação se tornou mais difícil com o aumento do número de batuqueiros: ;De uma ponta a outra, a possibilidade de cruzar os ritmos por causa da distância é enorme. Inconscientemente, eles têm essa tendência à competição e a tocar mais alto. E mais alto, para eles, se torna mais rápido;.