Jornal Correio Braziliense

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Conheça mulheres brasilienses que brilham no cinema

Atrizes, diretoras e produtoras reforçam a presença das mulheres na sétima arte, em que Brasília é o grande cenário afetivo

Quando o assunto é audiovisual, há mulheres brasilienses que brilham. Enquanto Maeve Jinkings revela o aprendizado, contracenando com Fernanda Montenegro em A dona do pedaço, nova novela de Walcyr Carrasco; nascida em Taguatinga, Camila Márdila não deixa por menos, assumindo papéis de destaque em atrações globais e em redes como MTV, e trazendo láureas internacionais para a capital, em longas como Que horas ela volta?. No filme, Márdila cria ponte para a emancipação da mãe na ficção, outrora tolhida pela condição de empregada doméstica.


Superação de adversidades ligadas a gêneros unem fortes personagens de Márdila, assim como as de Maeve, que, em 2015, deu vida à aparentemente frágil Domingas, na novela A regra do jogo. ;O tema da violência doméstica, infelizmente, é tão popular quanto qualquer questão visceral para a sociedade;, destaca Maeve.

Sem tanta exposição, em função de trabalhar nos bastidores, a produtora de cinema Larissa Rolim tem a mesma relevância. Se mantém firme, mesmo nos momentos difíceis, efetivando longas como New Life S.A. e A repartição do tempo. Na fila dos projetos ainda estão os longas Xerifes do mar, de Cláudia Daibert; A volta de JC, de Jeann Cunha e O verão da lata, de Santiago Dellape e Davi Mattos (além de Saçurá, da mesma dupla de cineastas); tudo isso, em paralelo com a mais nova empreitada: a direção de produção do longa de Leo Bello Espaço infinito (da Machado Filmes), a todo vapor.

Além de ser uma das representantes mulheres do cinema brasiliense, Dácia Ibiapina ajudou a formar diversos cineastas na capital. Também engajada com o cinema local, a produtora Daniela Marinho montou uma equipe de filmagem inteiramente formada por mulheres. Profissional igualmente atenta à reparação da desigualdade de gênero, Tânia Fontenele dirigiu Poeira e batom, que remonta a construção de Brasília pelo ponto de vista feminino.

Cinema na veia

Demarcando uma estreita relação de 12 anos desde que se apresentou, no Cine Brasília (EQS 106/107), no filme Falsa loura, a atriz brasiliense Maeve Jinkings tem relação intensa, em termos profissionais e pessoais com a capital: ;O Cine Brasília me deu muito. É uma paixão mesmo: aquilo vibra pra mim. Na infância, até frequentei, mas descobri o Festival de Cinema, e ali foi um portal aberto para mim: veio outra Brasília também. Descobri um outro orgulho de ser candanga;, comenta a estrela de Boi neon e Amor, plástico e barulho.

Maeve encara o Festival de Brasília como uma das grandes escolas. ;Ele me arrebatou profundamente e ajudou a definir meu lugar no mundo, como artista. Aí, se discute cinema com uma profundidade que, particularmente, não vi acontecer em nenhum outro festival;, avalia a atriz, nascida no Hospital de Base, e criada no Guará, e que, por força das circunstâncias com gravações de futura novela, viaja com frequência para o Rio. ;Quando ia para a cidade, mantinha uma relação muito afetiva e familiar. Com meu amadurecimento como atriz, parece que demarquei outra relação com a cidade;, observa a moradora de Recife (Pernambuco).


Diretor da atriz no estrondoso sucesso que assinou (O som ao redor), Kleber Mendonça Filho ressalta as qualidades da artista: ;É uma atriz incrivelmente sensível, sendo ainda dona de uma técnica incomum. Todo ator e atriz traz elementos pessoais para um trabalho, e Maeve é do tipo que traz ainda mais;. Um ganho forte, seguramente, alcança a politizada expressão do feminismo. Na novela A regra do jogo Maeve deu show ao interpretar Domingas. ;Em todos os ofícios, percebo as mulheres se conectando em redes. Quando a gente escuta as mulheres ao redor, acessamos um lugar de reapropriação de si. É uma retomada;, analisa a atriz.

Presença solar

No primeiro filme, em longa-metragem, a atriz Camila Márdila foi projetada com enredo ambientado na cidade e chamado O outro lado do paraíso. ;Era uma história sobre a construção da capital, em que uma família, na tentativa de uma vida melhor, morava em Taguatinga, que é minha cidade de fato;, lembra a atriz, hoje, aos 31 anos. O amor pela capital é algo nítido, na conversa com ela, que não segreda: ;Brasília é a origem do meu repertório de afetos, é onde nasci e vivi até os 23 anos;.

Moradora de São Paulo, a atriz ; que brilhou em produções televisivas recentes como Onde nascem os fortes e Feras ; não perde de vista a ligação com a cidade, uma vez que a família dela segue em Brasília e as visitas são frequentes. ;Durante festivais de teatro e de cinema também gosto de estar presente e acompanhar;, conta.

Na trajetória no cinema, Márdila conquistou, ao lado da colega de cena Regina Casé, uma premiação inédita para uma candanga: o prêmio de melhor atriz no Festival de Sundance (EUA), com o longa Que horas ela volta.? ;Acho que o reconhecimento para além das fronteiras é sempre uma maneira de ampliar o olhar dos outros sobre a cidade;, avalia, ao falar da expressão do prêmio. ;Acredito estar, de alguma forma, contribuindo com a construção da identidade cultural brasiliense. Essa é a cidade que me formou, e isso certamente está e estará sempre presente no que eu fizer em qualquer lugar do mundo;, conclui a atriz de Cora Coralina ; Todas as vidas.


Movida à disposição

;Larissa é fantástica: está entre as melhores, se não for a melhor produtora de cinema da cidade; falo com tranquilidade;, sacramenta o cineasta Santiago Dellape. ;Tem uma trajetória invejável, pelo aspecto empreendedor, e soube prosperar: ela é pró-trabalhador da indústria do audiovisual, não admite destrato entre a equipe de filmagens e, acima de tudo, cria no set o clima de uma grande família. Ela dá muito valor à equipe;, conta o diretor.

Aos 34 anos, Larissa Rolim ; ;nascida e criada em Brasília, com muita honra; ; afirma que produtor é sinônimo de solução no set. O aprendizado veio com a oportunidade de observar as pessoas vindo filmar em Brasília, em que capitalizou a oportunidade de receber equipes de fora e know-how. ;Tive a oportunidade de crescer com o cenário da cidade. A minha relação com a cidade é 100%;.

Aspectos práticos da profissão advieram da lida com o mercado, ao ponto de a produtora estar escalada para capacitar futuros profissionais, em curso a ser viabilizado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Cinco filmes engatilhados prometem dar dores de cabeça positivas para a empreendedora, ávida por soluções. ;É engraçado, mas mulheres têm a capacidade de se unir, e resolver os problemas;, ao comentar as iniciativas locais do grupo MavDF ; Movimento das Mulheres do Audiovisual do DF. ;Naturalmente, a expressão das mulheres tem crescido até pelo volume de obras no mercado. A união das mulheres está se concretizando, e elas têm mostrado interesse em se capacitar. Precisamos conseguir ainda maior visibilidade, coisa que tem sido buscada;, conclui.


Conhecimento nas telas

A documentarista Dácia Ibiapina lembra que ficou encantada quando chegou a Brasília em 1989. A cidade, onde a piauiense de Teresina passaria a morar, era completamente diferente daquela de onde partiu. Formada em engenharia civil, Dácia se tornou assídua dos cineclubes durante a graduação e optou pelo cinema como carreira.

Escolheu se tornar mestre na capital, onde habitavam grandes inspirações. Aqui está a UnB, fundada por Darcy Ribeiro. Também os conterrâneos Clodo, Climério e Clésio Ferreira. ;E tinha Vladimir Carvalho. Ele foi uma referência na minha vida e na minha formação;.

Completado o mestrado, em 1991, ela retornou para Brasília dois anos depois, após ser aprovada como docente do então curso de cinema. ;Eu fui professora de quase todos os cineastas brasilienses dos anos 1990 para cá;, conta aos risos. Hoje, aos 61 anos, está aposentada das salas de aula, mas não abre mão de contar histórias nas telas, sobretudo de mulheres.

;Por ser mulher, tenho mais inclinação para construir personagens femininas. Nos meus documentários, sempre têm muitas mulheres, mesmo quando o protagonista é homem;, observa.

A cidade não passa despercebida por Dárcia: dirigiu filmes como o Entorno da beleza e O chiclete e a rosa, nos quais acompanha figuras das cidades do DF. E a capital não a despercebe: seu último filme, Carneiro de ouro, conquistou prêmio pelo júri popular do 50; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Em uma das aventuras, ;fui filmar o Vladimir filmando (risos);. O resultado é o média-metragem Vladimir Carvalho, conterrâneo velho de guerra, de 2004. ;A Dácia é uma batalhadora incansável e muito participante, não só em defesa dos documentários, como das questões políticas e do cinema brasileiro em geral. É uma companheira da luta cinematográfica em Brasília;, elogia o autor de Rock Brasília ; Era de ouro.


O passado revisitado

Pela primeira vez a história da construção de Brasília foi contada pelo ponto de vista das mulheres quando Poeira e batom estreou. A cineasta Tânia Fontenele, 56 anos, iniciou o documentário em 2009, porque sentia que a participação feminina nos primeiros anos estava sendo relegada. Nascida em Brasília, ela mesma é filha de uma pioneira. ;Uma professora;, destaca.

;Eu percebia que em todos os aniversários da capital sempre se falava dos homens. Raramente se ouvia depoimentos de mulheres. Brasília estava perto de completar 50 anos quando eu me perguntei: ;Onde estão as mulheres nessa história?;;, lembra.

Assim começou a pesquisa com 50 mulheres, que já estavam com idade avançada na época do filme. Podia ser a última oportunidade de elas serem ouvidas ; e foram. ;Esses depoimentos estão ficando muito raros;, lamenta.

A pesquisadora do cinema local Berê Bahia comenta a relevância do trabalho da cineasta. ;O trabalho da Tânia com as mulheres, sobretudo com as pioneiras da cidade, é fundamental. Criamos uma afinidade ao pensar, decifrar e interpretar Brasília através do audiovisual;.

Memória e equilíbrio

Defensora da memória do cinema brasiliense, a produtora Daniela Marinho, 34 anos, produziu pesquisas voltadas para o resgate da cinematografia local. Os filmes da minha vida: exibição e sala de cinema em Brasília de 1960 a 1965 foi a tese que defendeu no mestrado na UnB. Fora da academia, ela se engajou em reparar a desigualdade de gênero nos sets.

O filme Na barriga da baleia, produzido pela brasiliense, contou com equipe inteiramente sem homens. ;Não é por exclusão, mas, sim, por equalização;, explica Daniela, que vê necessidade em contar temas femininos pelo ponto de vista das mulheres. Hoje ela é presidente da Associação Brasiliense de Cinema e acredita que a cidade é inspiradora. ;Acho que Brasília tem muitos espaços para ser ocupados, e isso me inspira a criar;, diz a cineasta.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira