Se Ceilândia não existisse, o Distrito Federal seria bem menos verdadeiro. Exagero? Não. Distante 26km do Plano Piloto, é uma cidade eclética, multicultural e pulsante. Pelas esquinas, praças, becos e lugares improvisados, há sempre uma novidade artística. A vida ali, no dia a dia dos seus 489 mil moradores, é contada como se fosse uma grande história. E o mais comovente disso é que, na verdade, cada um se sente o protagonista do seu próprio enredo.
Quem nasceu ali ; ou foi adotado pela cidade, a mais populosa e a maior em área urbana, são 230km2 ; tem uma caraterística bem peculiar: é bairrista. E é um bairrismo que o faz defender e se impor diante de todos os estereótipos que ainda recaem sobre ela, mesmo 46 anos depois de sua fundação. Nesta segunda-feira, 27 de março, cada um vira um pouco ceilandense. E com toda razão.
Há o que comemorar. O comércio é vibrante. Lojas, restaurantes, bares. Vida noturna movimentada. Somam-se 3,8mil microempreendedores individuais, 864 microempresas, 708 de médio porte e 402 grandes empresas. E 59% das pessoas que ali vivem são autônomas.
Morar em Ceilândia é ter muito de nordestino, mineiro, goiano. É ter muito de todos os cantos deste imenso país. Ela acolheu e continua acolhendo todos, sem distinção. Tornou-se o que é graças a essa salada de gente, sonhos e determinação.
É uma salada de cultura e sotaques. Mas ainda prevalece o nordestino. Sua maior representação. Não à toa, Ceilândia é a mais nordestina das cidades do DF. Os filhos ali nascidos e criados usam expressões próprias. Falam com sonoridade Ceilandense. Um ;cantar; que se mistura à fala dos pais e à que foi sendo criada no decorrer desses anos.
Essa miscelânea de costumes e tendências deu lugar ao rap, ao hip hop, ao funk, ao sertanejo e ao samba, também. E ali, todos se ligam e se conectam na mesma frequência. É terra de Francisco Pinho, filho de nordestinos. Ali ele nasceu e hoje é o dono de um dos estabelecimentos mais famosos da feira. Francisco virou o Rei do Mocotó.
Transformações
Ceilândia é terra de Flávia Hamil Cândida, de 43 anos, goiana, de Aurilândia. Há 21 anos, ela aportou na cidade. Prestou concurso para a Secretaria de Educação. Foi lotada no Centro de Ensino Fundamental 10. E ali, em meio à paixão pelo lugar e muita vontade de mudar a então realidade, fez a sua segunda casa. Flávia mora perto da escola, na cidade que resolveu chamar orgulhosamente de sua. Como diretora do CEF 10, abriu a escola para o Projeto Cine 23. Referência à quadra onde está o colégio, na EQWNN 23/25 e onde também mora o cineasta da escola, Téo Fissura.
Nas dependências, são realizadas as oficinas e os ensaios para as filmagens das histórias que querem contar de Ceilândia. De medo, passando pela violência, preconceito e superação. O projeto deu fruto e tem despertado talentos. Alguns alunos estão estudando arte e querem seguir a profissão.
Essa Ceilândia multicultural e também surpreendente é terra de Carlos Washington. Ex-integrante de gangues, quadrilha barra pesada, mundo do crime, hoje, aos 33 anos, é um artista completo. Virou grafiteiro e escritor. Prepara o lançamento do segundo livro. Sempre contando as histórias perigosas e fora lei das quais participou. E uma única certeza: o crime não compensa. Carlos Washington virou referência para adolescentes da cidade que querem mudar de vida, seguir novo caminho e apostar num futuro melhor. Bem longe do crime.
Nunca foi a Ceilândia? Nunca? Aproveite um fim de semana, quando o trânsito fica menos intenso. Mas há o metrô, sempre mais tranquilo, que passa por várias estações da cidade. Pare no centro. Vá à Feira Permanente. E sinta a cidade feita de teimosia, esperança e muita vontade de conquistar um lugar ao sol. De antiga Campanha de Erradicação de Invasão (CEI), criada no fim dos anos 1960, Ceilândia virou uma cidade impressionante. Para se viver e entender esse lugar é preciso primeiro sentir. Aí, tudo ficará absolutamente mais palpável. E compreensível.
Parabéns, Ceilândia!