Mais foco, por favor
Tal como a tomada de três pinos, cujas razões técnicas nunca foram convincentes, a nova cédula de R$ 200 anunciada pelo Banco Central chega para confundir, já que a substituição do dinheiro manual por meios de pagamentos digitais é uma tendência forte em todo o mundo, além de contrariar o cronograma de inovações da própria entidade.
O BC marcou para novembro a estreia do que tem chamado de PIX, uma plataforma de pagamentos instantâneos funcionando 24 horas sem fins de semana, diferentemente do DOC e do TED bancário. Estudos para um e-Real, moeda digital em testes na China e em discussão nos EUA, tanto pelo Federal Reserve quanto pelo Congresso, também estão na agenda do nosso BC. Tais movimentos competem com o dinheiro físico.
A digitalização de processos e transações é uma ruptura definitiva que vem imprimindo mudanças profundas nos modelos de negócios e até inviabilizando atividades antes prósperas, como agência de turismo e mesmo os bancos comerciais baseados em atendimento presencial ou remoto e a guarda e gestão dos depósitos de correntistas.
Já não precisa ser assim. Uns dez anos atrás, Bill Gates disse que logo se constataria que o crédito pode prescindir do banco comum. Não falou em aplicativo de celular, então em progresso, mas é o que se tornou ubíquo mesmo no Brasil. O celular é tudo em um mundo em evolução. E avança sobre a fronteira da política monetária.
O Senado dos EUA debate projeto que cria o dólar digital e instrui o Fed ou os bancos credenciados a abrir uma conta-corrente digital para cada cidadão americano (como fez a Caixa Econômica Federal para pagar o auxílio emergencial à população desbancarizada).
Então, para que a nota de R$ 200, quando muitos dos que ainda se servem de dinheiro sonante se queixam da dificuldade de achar troco para R$ 100? O Banco Central Europeu tirou de circulação a nota de 500 euros, o Banco Central da Índia recolheu as de 100 rupias, e por aí vai.
E por que assim fizeram? Primeiro, porque, embora ainda relevante em alguns países, a moeda física é cada vez menos necessária. Mas, sobretudo, para dificultar a evasão fiscal e o tráfico de drogas e armas, que fogem de pagamentos suscetíveis de serem rastreados. Não é para isso, obviamente, que o BC criou a nota com a efígie do lobo-guará. Certo? Mas será sua tomada de três pinos do mundo digital.
Distrações para confundir
A mistura de distrações com ideias obsoletas na condução das ações de política econômica tem sido recorrente desde que foi promulgada a Constituição de 1988, pondo os interesses da elite dos servidores públicos à frente dos da sociedade — e isso em conluio com setores econômicos retardatários e políticos retrógrados.
Pense nisso. Quando ocorreu a última grande discussão ou crise política em que não estivessem envolvidas questões ou de interesse da burocracia e de corporações (procuradores, juízes e policiais federais, oficiais das forças armadas, servidores do Judiciário e do Congresso etc.) ou provocadas pelas decisões tomadas em benefício desses personas?
Qual a última vez em que se viu economistas do governo e políticos pensando a vero o progresso econômico e social? Foi providencial a entrada em cena do liberalismo de vitrine que abomina o Estado e ignora a sua função social, já que poupa os reais donos do poder de renunciar a nacos de dinheiros públicos, enquanto atendem ao mercado financeiro com a suposta austeridade fiscal. Para eles, já está de bom tamanho o resultado das commodities. O resto do PIB é troco...
Uma ideia tirada do lixo
A ideia tirada do lixo da volta da CPMF travestida de contribuição sobre transações digitais é como a nota do lobo-guará, que os memes nas redes sociais trocaram pelo vira-lata caramelo. É proposta por razões obscuras. Começa pela sua forma jurídica, contribuição e não imposto, para o governo federal não ter de ratear a sua receita com estados e municípios. A federação é um estorvo para tais liberais.
Teoricamente, a nova CPMF seria o jeito de desonerar encargos da folha, que o ministro da Economia acha ser a razão de as empresas criarem pouco emprego formal. Só que salário para o empregador é o seu custo total (férias, 13º etc), não o que o empregado recebe.
Além disso, se o motivo é gerar emprego formal, o negócio informal (do pequeno empreiteiro de obras a negócios formais, como a oficina que atende ao cliente na loja visível e faz o serviço num local sem registro) é que deveria ser estimulado a sair da clandestinidade.
Bolsonaro copia o lulismo
No fim, escapa à discussão que tributo sobre consumo e transações financeiras sempre será pago pelo consumidor. Neste sentido, mais completa e essencial ao país é a proposta em exame na Câmara, a PEC 45, que consolida cinco impostos sobre consumo, desconta o tributo chamado de IBS ao longo da cadeia produtiva e não onera exportações e investimentos. E por que o governo quer a CPMF? Boa pergunta.
Para arrumar dinheiro para o Renda Brasil, o Bolsa Família com o qual Jair Bolsonaro sonha atrair os pobres e se reeleger em 2022. E, para o ministro Paulo Guedes, cortar o deficit que assombra tementes de “excessos” fiscais, sem mexer com os privilégios da burocracia.
O valor adicionado do erro
E a desoneração da folha? Seis por meia dúzia, e “valor adicionado do erro”, como bem definiu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Ele defende a permanência do auxílio emergencial, mas sugere que, em vez de onerar a carga tributária, o custeio do novo Bolsa Família venha da revisão das despesas da lei orçamentária e, sobretudo, da reforma administrativa, que deveria implicar também a da governança do setor público em geral, prometida e nunca levada ao Congresso.
Maia põe foco no movimento em curso nos EUA e na Europa, o Great Reset, ou “grande reinício”, significando diretrizes no pós-pandemia que funcionem para todos. O foco é esse. O resto é cloroquina.