Economia

Excesso de lives do BC antes da reunião do Copom gera estranheza

As conversas são constantes, inclusive, com diretores de áreas técnicas, que são não interlocutores habituais dos agentes financeiros

Às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) marcada para 4 e 5 de agosto, que deve definir novo patamar para a taxa básica de juros, diretores do BC não param de realizar videoconferências com agentes financeiros e operadores do mercado. 

O volume de lives chamando a atenção. Ontem, o diretor de Política Monetária, Bruno Serra, e o de Política Econômica, Fábio Kanczuk, áreas que costumam interagir com o mercado, tiveram reuniões virtuais com investidores. Na sexta-feira passada, apenas Kanczuk realizou quatro lives com o mercado financeiro. 

As conversas são constantes, inclusive, com diretores de áreas técnicas, que são não interlocutores habituais dos agentes financeiros. Essa frequência elevada de falas da diretoria colegiada tem ajudado a aumentar a volatilidade da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) e do câmbio, na contramão do que um órgão regulador deve fazer, segundo analistas. 

O período de silêncio dos diretores do BC começa sempre na quarta-feira da semana anterior ao Copom e termina no dia de divulgação da ata da reunião, na terça-feira seguinte. A assessoria do órgão não comentou sobre o excesso de lives da diretoria.

Devido às últimas declarações de diretores, as previsões para a taxa básica da economia (Selic) estão convergindo apenas para um corte residual de 0,25 ponto percentual, o que resultaria no novo piso histórico de 2% ao ano. A dúvida é se o ciclo de cortes será fechado ou ainda haverá uma janela aberta para outras reduções.

O ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), defende que a diretoria fale o menos possível. “O Bacen devia se resguardar. Ele precisa ser mais prudente, já que as informações sobre taxas de juros e câmbio mexem com todos os ativos”, afirmou. Ele lembrou que o Banco Central Europeu (BCE) e o Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) têm evitado falas constantes como as do BC brasileiro. 

“Esse excesso de falas deixa a impressão de que o BC baixou os juros desnecessariamente e, agora, não quer ou não pode subir, o que será um problema”, comentou o economista e ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas. Na avaliação dele, a Selic já está muito baixa e existe uma desconfiança de que há uma bolha na Bolsa. 

A economista-chefe da ARX Investimentos, Solange Srour, também considerou excessivo o número de falas dos diretores do BC brasileiro. “Nesse período de crise, devido ao aumento da volatilidade, os diretores do Fed têm falado menos e unificado o discurso. Aqui, ocorre o contrário. Estão falando demais e assumindo que há divisão entre a diretoria, o que tem aumentando a volatilidade”, comparou.

“A situação é muito incerta, mas, como não há uma coesão no discurso, a comunicação do BC está confusa”, lamentou. Assim como Gomes, ela aposta em um corte na Selic de 0,25 ponto percentual na semana que vem. 

De acordo com o economista Sidnei Nehme, da NGO Corretora de Câmbio, os diretores do BC tentam buscar massa crítica para medir o termômetro do mercado, mas o excesso de otimismo da equipe econômica e dos operadores da Bolsa preocupa.

“O Copom não incluiu no balanço de riscos uma segunda onda de contaminação da covid-19, mas o Brasil corre o risco de entrar nela sem ter saído da primeira. E, se isso vier, vai ser um desastre, com forte aumento do desemprego. Não é possível encontrar lastro em tanto otimismo”, alertou.