O desafio da logística do Brasil é político. O presidente da República, Jair Bolsonaro, precisa assumir o protagonismo na área de infraestrutura, porque os maiores avanços no setor ainda são projetos remanescentes do governo Temer. O ministro da pasta, Tarcísio Gomes de Freitas, não tem uma política clara, está muito concentrado na questão ferroviária, sobretudo nas renovações das concessões existentes, o que pode provocar um monopólio no modal. Na questão portuária, é preciso que o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ), em curso no terminal de Santos (SP), seja aproveitado para corrigir problemas históricos e não para criar novos entraves.
Essas foram algumas das conclusões dos especialistas que participaram ontem do Correio Talks: Portos e Fronteiras do Brasil - Infraestrutura, Logística e Competitividade.
O evento contou com a participação de Ana Amélia Lemos, ex-senadora da República pelo Partido Progressista (PP); Jorge Bastos, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL); Renato Casali Pavan, sócio fundador e presidente da Macrologística; Áureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro doutor e diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade Santa Cecília (Unisanta); Elena Landau, economista, advogada, sócia do escritório Sergio Bermudes Advogados e presidente do Conselho Acadêmico do Livres; Jairo Misson Cordeiro, secretário de Fiscalização de Infraestrutura Portuária e Ferroviária do Tribunal de Contas da União (TCU); e José Tavares de Araújo Jr., diretor do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
Confiança
Para a ex-senadora Ana Amélia Lemos, havia a expectativa de que Bolsonaro usasse o capital político de 57 milhões de votos para assumir o protagonismo nas áreas de infraestrutura, o que não ocorreu. “Os avanços que tivemos foram no governo Temer, que se propôs a fazer reformas. No atual governo, a reforma da Previdência saiu por uma decisão dos presidentes das casas legislativas. A administrativa, Bolsonaro deixou para 2021. O presidente precisa assumir a liderança, promover as reformas, dar confiança ao investidor e garantir estabilidade política”, afirmou.
No entender de Jorge Bastos, o país precisa de um plano nacional de logística (PNL). “O PNL tem de ser um guardião, discutido com todos os setores envolvidos e com os estados. Um programa mestre para definir onde estão os gargalos, o que precisa ser atacado primeiro, quais as premissas primordiais”, ressaltou. “Sem isso, o país vai continuar com as mesmas demandas. É importante ter uma meta e estipular prioridades”, disse.
Afirmar que a infraestrutura vai salvar o Brasil ficou na moda, segundo Elena Landau. “Isso é o que se diz a cada crise, e pouca atenção se dá ao setor quando não há crise. A infraestrutura não vai salvar o país, porque são investimentos de longo prazo que só serão feitos com reforma tributária e outras tantas, capazes de reduzir o risco político do Brasil”, destacou. “Não adianta colocar tudo nas costas da infraestrutura porque investidor não vai vir para o país se não tiver segurança”, disse.
Landau assinalou que divergências entre os ministérios da Economia e da Infraestrutura contribuem para a falta de confiança dos investidores no Brasil. “Há um problema de coordenação. Precisamos de um governo que se fale e que fale com o investidor privado. Hoje, não temos isso. Há um governo descoordenado, o Ministério da Economia diz uma coisa, o da Infraestrutura faz outra. O presidente está preocupado com sua sobrevivência política. Estamos sem uma Casa Civil forte para coordenar internamente os ministérios e a interlocução com o Legislativo. Por isso, estou pessimista”, lamentou.
Integração
Na opinião de Jairo Misson Cordeiro, para a logística do país avançar seria preciso fomentar a integração multimodal. “A expansão ferroviária que se está prevendo não pode ficar concentrada em poucas pequenas empresas. A modelagem tem que considerar regulação atrativa para gerar competição”, disse. Segundo ele, é preciso incentivar a intermodalidade, de forma que o transportador consiga usar hidrovia, ferrovia, rodovia, portos. “No entanto, hoje a burocracia é muito grande, os fiscos estaduais têm, cada um, o seu sistema. A gente percebe nas auditorias que os órgãos e entes do Estado querem dominar, não há integração”, destacou.