A crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus provocou a maior fuga de capitais da história do Brasil. Dados divulgados nesta quarta-feira (24/6) pelo Banco Central (BC) explicam que os investidores estrangeiros retiraram US$ 31,7 bilhões do mercado brasileiro de títulos e ações só em março, abril e maio deste ano. Por isso, as retiradas somam R$ 50,9 bilhões nos últimos 12 meses — o maior índice da série histórica do BC.
Segundo as estatísticas do setor externo do Banco Central, os investimentos em carteira negociados no mercado doméstico registraram um fluxo negativo de US$ 22,2 bilhões em março deste ano. Em abril, as retiradas somaram mais US$ 7,3 bilhões. E, em maio, US$ 2,2 bilhões, sendo US$ 1,6 bilhão relativo a ações e fundos de investimentos e US$ 545 milhões relativos aos de títulos da dívida.
"Há uma redução nessas saídas quando comparamos os meses anteriores. Mas, quando comparamos esses meses com os mesmos meses do ano passado, há um aumento dessas saídas", pontuou o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, nesta terça-feira (26/05).
Em maio, por exemplo, a saída de US$ 2,2 bilhões dos investimentos em portfólio se compara com uma retirada de apenas US$ 285 milhões do mesmo mês do ano passado. "Dessa forma, a saída acumulada nos últimos 12 meses aumentou. E, nos últimos 12 meses, essa saída está em US$ 50,9 bilhões", destacou Rocha.
Ainda de acordo com o BC, esse fluxo negativo de US$ 50,9 bilhões é o maior acumulado em 12 meses de toda a série histórica das contas externas brasileiras, que teve início em dezembro de 1995. E se explica por diversos fatores. O principal deles, segundo Rocha, contudo, foi a fuga de capital observado no início da pandemia do novo coronavírus. Temerosos em relação aos impactos econômicos da covid-19, os investidores retiraram seus capitais de mercados emergentes como o do Brasil para aplicá-los em mercados mais seguros, como os dos Estados Unidos - um movimento de "flight to quality" no mercado financeiro - no início da pandemia.
"A fuga para a qualidade se verifica em uma situação de incerteza, quando os investidores buscam se antecipar a isso e se manter mais líquidos em suas moedas de origem. A saída líquida de US$ 50,9 bilhões é a maior da série do BC e está muito influenciada por esses meses recentes, pois só em março e abril as saídas foram de US$ 29 bilhões, quase 60% da saída acumulada em 12 meses aconteceu em apenas dois meses", comentou Rocha.
O diretor do BC admitiu, por sua vez, que outros fatores também pesaram nesse movimento. Entre eles, a redução da taxa básica de juros (Selic), que hoje está na mínima histórica de 2,25% ao ano e, por isso, paga um prêmio menor a esses investidores; e a paralisação da agenda liberal que agrada ao mercado, em função da pandemia do novo coronavírus. "O presidente do BC tem dito que, em uma situação de reformas e outros avanços institucionais, o Brasil pode voltar a atrair esses investidores", disse Rocha.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, também tem dito, por sua vez, que a fuga de capital observada no Brasil durante a pandemia de covid-19 foi maior que ao dos outros países emergentes. E os analistas do mercado financeiro explicam essa diferença em função das incertezas políticas decorrentes do governo de Jair Bolsonaro, que agravaram as incertezas econômicas causadas pela pandemia. Nessa terça-feira, Campos Neto ainda admitiu que a postura do governo em relação à preservação do meio ambiente também contribui com a redução dos investimentos estrangeiros.
Por conta de todas essas incertezas econômicas, políticas e ambientais, os analistas dizem que ainda é cedo para prever quando essa situação pode ser revertida. E esse discurso foi reforçado por Fernando Rocha nesta quarta-feira, mesmo depois de ele revelar que as parciais do BC indicam para um resultado positivo do fluxo dos investimentos em carteira neste mês de junho.
Segundo o BC, até o dia 19 deste mês, o Brasil registrou um ingresso líquido de US$ 1,1 bilhão de investimentos em portfólio, sendo US$ 700 milhões em ações e US$ 400 milhões em títulos. "Porém, os ingressos líquidos para junho não permitem dizer ainda que há uma reversão de tendência", ressaltou Rocha. Ele lembrou que, nesse mercado de investimentos, os movimentos são muito rápidos. Uma mudança inesperada de rumo das expectativas, da economia ou da política nacional e internacional ainda pode, portanto, voltar a inverter esse valor até o fim do mês.