Economia

Juros altos são uma ferida que precisa ser cicatrizada

Presidente da Febraban diz que reformas, como a tributária, são fundamentais para a retomada do crescimento e defende a adoção de renda mínima para os brasileiros mais pobres. Ele afirma que a crítica frequente aos bancos na pandemia é fruto de uma incompreensão


Empossado há três meses na presidência da poderosa Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney Ferreira reconhece que os juros cobrados de empresas e consumidores ainda são muito altos, sobretudo num momento em que a taxa básica da economia (Selic) está em 2,25% ao ano, o menor nível da história. “Essa ferida está aberta, e precisamos cicatrizá-la”, diz. “Os juros não são altos no Brasil porque os bancos querem ou desejam, mas em razão de uma série de características da economia brasileira que levou a isso.”


A lista de justificativas, afirma ele, é grande. Vai da inflação alta e volátil no passado e da situação fiscal ainda bem precária, até “custos elevados de inadimplência, enormes dificuldades para recuperar garantias, intermediação financeira cara, com uma carga tributária alta e dispendiosos custos regulatórios, administrativos e operacionais”. Tudo isso, segundo o executivo, é maior no Brasil do que em outros países.


Ferreira rebate as críticas de que os bancos estão criando dificuldades para liberar crédito nesses tempos de pandemia.  As instituições, acrescenta, concederam mais de R$ 1 trilhão em empréstimos e financiamentos, renovações de contratos e suspensão de parcelas. Ele admite, porém, que tais operações não foram suficientes. Os bancos, frisa, precisam fazer mais para que os recursos realmente cheguem às mãos de quem precisa. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Por que há tantas queixas aos bancos? As instituições estariam dificultando o crédito nesses tempos de pandemia?
Não há essa dificuldade, estamos muito sensíveis e preocupados com as necessidades de quem precisa de crédito e já tivemos uma série de ações concretas na direção de dar mais fôlego a famílias e empresas. Queremos e vamos continuar ajudando  quem precisa. Mas, vejo que há, de certa forma, falta de compreensão do papel dos bancos. Um crédito concedido é, na prática, o dinheiro dos depositantes emprestado a alguém. Além disso, os bancos submetem-se a normas muito rígidas de risco de crédito estabelecidas pelo Banco Central, onde estive por quase 20 anos e conheço bem o rigor regulatório. Esse recurso emprestado precisa ser devolvido aos depositantes e aos investidores, que confiam diariamente suas finanças aos bancos. A crise é profunda e sem precedentes. A demanda por crédito ainda está disfuncional, empresas estão quebrando, milhões de postos de trabalho foram destruídos e ainda não chegamos ao pico do desemprego. A inadimplência não pede licença, vai subir bem e entra sem bater na porta. Tudo isso precisa ser analisado para não fabricarmos uma outra crise, que não se vê no Brasil desde o Plano Real, que é crise bancária.

O que precisa ser feito?
Num cenário tão adverso como esse, é necessário que o Brasil siga o exemplo das principais economias, ou seja, que o Estado assuma o risco de crédito, sobretudo das empresas e setores mais atingidos pela crise, para que os bancos se mantenham sólidos e sejam agentes mitigadores da crise, ajudando não só na travessia, mas, principalmente, na retomada, que virá.

Tanto o Ministério da Economia quanto o Banco Central criaram linhas emergenciais para reduzir os efeitos da pandemia na economia, mas o dinheiro continua encalhado. O que deu errado?
Dizer que o dinheiro está encalhado é desconhecer os fatos, e um fato real, que precisa ser dito e repetido, é que, mesmo com o aumento do risco nas operações de crédito e da inadimplência, os bancos nunca tiveram uma atuação tão proativa como estão tendo nesta crise. Os números são superlativos e inéditos. Já concederam mais de R$ 1 trilhão em créditos, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas. Além disso, o setor já renegociou 11 milhões de contratos com operações em dia, que têm um saldo devedor total de cerca de R$ 600 bilhões. Suspendemos parcelas de pagamento por até seis meses, que somam quase R$ 80 bilhões, dando alívio financeiro imediato para empresas e consumidores. Mas, isso foi suficiente? Não, não foi, precisamos continuar fazendo o crédito chegar nas mãos de quem precisa.

Mas as ações do governo não funcionaram?
Os programas de crédito do governo são bons, estão dando resultados efetivos, mas não vamos tapar os olhos: ainda existem problemas que precisam ser expostos. Falando, por exemplo, do programa de financiamento da folha de pagamento (de empresas), até o momento, os bancos já liberaram, aproximadamente, R$ 4 bilhões. São cerca de 200 mil contratos firmados no período. Isso não é pouco. São números importantes. Adicionalmente, as instituições financeiras pré-aprovaram o crédito para 75% das 267 mil empresas que, atualmente, têm folha de pagamento nos bancos e que estão dentro da faixa de faturamento exigida pelo programa: R$ 360 mil a R$ 10 milhões por ano. Mas, como disse, nos deparamos com alguns problemas que contribuíram, sim, para que essa linha não atingisse os resultados esperados.

Quais foram os problemas?
Primeiro, a exigência de não ter dívidas previdenciárias afetou, aproximadamente, 20% das empresas elegíveis ao programa até a promulgação da Emenda Constitucional, em maio, que dispensou essa exigência. Outro ponto é que a empresa, pelas regras do programa, precisa se comprometer a manter todo o quadro de funcionários por 60 dias após a liberação do crédito. Só que, ao mesmo tempo, as empresas também passaram a contar com outro programa do governo, que permite a suspensão ou a redução de salários, com um benefício equivalente ao seguro-desemprego para o empregado e sem custo para a empresa. Uma medida competia com a outra, o que fez, por óbvio, o programa da folha ser bem menos atraente. Tenho conversado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para promovermos mudanças nas condições dessa linha. Uma das alterações é ampliar o limite de faturamento das empresas para até R$ 50 milhões, o que pode levar os desembolsos para o patamar de R$ 10 bilhões.

O que os bancos podem fazer para que o crédito fique mais fácil?
Temos de parar de procurarmos culpados para essa crise, que, de forma inesperada e severa, atingiu a todos da noite para o dia. Somos o país com um emaranhado de leis, normas e burocracias, que em nada ajudam a vida dos empreendedores e isso já existia antes da crise. Abrimos várias frentes de interlocução com o governo para reduzir as dificuldades, que ainda tornam morosos os processos operacionais para liberação desses recursos, mas várias exigências decorrem de normas em vigor, que precisam ser flexibilizadas. Podemos citar o exemplo da exigência do aval pessoal, prevista em lei, que determina a assinatura física de documentos. Para fazermos consultas às informações na Receita Federal, só com autorização do cliente, e por aí vai. Existem outras exigências legais que agregam custos e dificultam a vida dos empresários. Ou mudamos isso ou, do contrário, continuaremos sem sair do lugar.

As reclamações também não se limitam às restrições ao crédito: a
percepção geral é de que os juros cobrados continuam muito altos, a despeito de a Selic estar no menor nível da história, 2,25% ao ano.

 As taxas de juros são, sim, altas no país, e precisam ser mais baixas. Mas por que são altas? Essa ferida está aberta, e precisamos cicatrizá-la. Os juros não são altos no Brasil porque os bancos querem ou desejam, mas em razão de uma série de características da economia brasileira que levou a isso. Inflação alta e volátil no passado; uma situação fiscal ainda bem precária; custos elevados de inadimplência; enormes dificuldades para recuperar garantias; intermediação financeira cara, com uma carga tributária alta e dispendiosos custos regulatórios, administrativos e operacionais. Tudo isso é maior no Brasil do que em outros países. A inadimplência é a grande vilã do spread (diferença entre o que os bancos pagam aos investidores e o que cobram dos devedores) elevado. Para compensar a perda com empréstimos não pagos e tudo o que está associado a essa perda, os bancos são levados a cobrar taxas de juros maiores de todos os tomadores, indistintamente. Na prática, aqueles que pagam seus empréstimos em dia acabam arcando também pelos devedores inadimplentes.


O que fazer, então?
É por isso que nós insistimos, há algum tempo, que, para termos juros mais baixos no Brasil, precisamos melhorar o nosso ambiente de negócios, aumentar a segurança jurídica e reduzir os impostos, em especial, os indiretos, que incidem sobre a intermediação financeira. Mas, objetivamente, os juros caíram neste período de pandemia e não adianta brigar com os números. Mesmo com a expansão das concessões, do aumento do risco nas operações de crédito e da inadimplência, que já se refletiu na elevação significativa das provisões, os dados divulgados pelo Banco Central mostram que a taxa de juros para o conjunto das operações de crédito recuou de 23,1% para 21,5% ao ano, isso de fevereiro para cá. E o spread médio das operações de crédito, nesse período, caiu de 18,6 para 17,2 pontos.

Como os bancos podem contribuir para a retomada da economia?
Os bancos serão imprescindíveis para ajudar na retomada da economia. Se não fosse pela atuação dos bancos, estaríamos enfrentando uma recessão ainda maior e a retomada da economia seria bem mais difícil. Precisamos romper com os mitos e as visões distorcidas sobre os bancos e entender que somos parte da solução e não dos problemas brasileiros. Não causamos essa crise, todos precisam de todos. Quero dar dois exemplos da atuação dos bancos: primeiro, conseguimos manter o sistema financeiro e de pagamentos funcionando plenamente, mesmo com a estratégia de distanciamento social. Isso só foi possível porque temos um dos setores bancários mais modernos e avançados do mundo. As facilidades do acesso digital e remoto por meio da internet, do mobile banking e dos demais aplicativos estão tão incorporadas no dia a dia da população bancarizada, que muitos nem se dão conta de que há muito investimento e trabalho por trás de todos esses processos. O segundo é sobre o crédito. Concedemos R$ 1 trilhão desde o início da pandemia e vamos, com críticas ou sem elas, continuar focados para ajudar o Brasil a preservar empregos e a manter as empresas vivas.

Vários projetos em tramitação no Congresso atingem diretamente o sistema financeiro. Como o senhor vê isso?
Vejo com muita preocupação. Não precisamos nem podemos repetir erros do passado. A história brasileira já provou que intervenção artificial na atividade econômica e nos contratos não é eficaz. Pelo contrário, distorce a formação de preços, cria gargalos e faz com que o país dê marcha a ré. Até compreendo o mérito das propostas, mas elas podem agravar a crise e tenho certeza de que não é essa a intenção do Congresso. Por isso, nas últimas semanas, a Febraban tem procurado sensibilizar lideranças políticas sobre os efeitos danosos de propostas que vão na direção do tabelamento de taxas de juros, aumento de impostos, congelamento de limites de crédito, suspensão obrigatória de prestações do consignado, não negativação de devedores inadimplentes, não cobranças e execução de dívidas, etc.

Com quem o senhor conversou?
Na minha primeira ida a Brasília como presidente da Febraban, em 21 de maio, tive a oportunidade de fazer visitas aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, quando aproveitei para formalizar a entrega de uma carta, externando as preocupações do setor. Ambos mostraram-se bastante sensíveis e estão empenhados em ajudar a aprovar propostas para beneficiar aqueles que se encontram em situação financeira fragilizada. Temos de achar a melhor forma para isso, mas não pode ser quebrando contratos. Objetivamente, alguns dos projetos em tramitação, se aprovados, produzirão, sob a ótica do preço dos serviços financeiros, efeitos econômicos negativos e muita insegurança jurídica, além do enorme potencial de gerar dano à imagem do país, ao ambiente de negócios e ao apetite por investimentos. É muitíssimo importante que os bancos continuem saudáveis, não só agora, mas, principalmente, no futuro, para que possamos ajudar na retomada econômica.

As reformas administrativa tributária sairão do papel?
Acredito e torço muito para que isso aconteça. A gravidade da pandemia levou o ministro Paulo Guedes a focar, temporariamente, em outras prioridades, mas estou certo de que ele não deixou de lado a agenda de reformas estruturais. Assim que o controle da pandemia permitir, devemos voltar à trilha anterior estabelecida. E o caminho passa, necessariamente, pela retomada do ajuste fiscal e da agenda de reformas que nos permitirão aumentar a produtividade da economia brasileira e voltar a crescer de forma sustentada. Vejo a reforma administrativa como um complemento necessário para a execução do ajuste fiscal, pois precisamos, urgentemente, modernizar o setor público. Precisamos fazer, também, uma reforma tributária