O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), fez um novo corte na taxa básica de juros, a Selic, que passou de 3% para 2,25% ao ano, o menor patamar da história. A decisão foi unânime e a autoridade monetária ainda deixou, no comunicado ao mercado, a porta aberta para, pelo menos, um corte residual, de acordo com analistas ouvidos pelo Correio.
A decisão veio em linha com a expectativa do mercado, que esperava uma redução de 0,75 ponto percentual na taxa básica da economia. Especialistas consideram que há espaço para novos cortes, uma vez que a inflação está recuando devido à demanda enfraquecida. As estimativas do mercado apontam para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 1,6% no acumulado de janeiro a dezembro, dado bem abaixo do piso de 2,5% da meta de inflação, de 4% anuais, para 2020.
“O Copom entende que, neste momento, a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que o espaço remanescente para utilização da política monetária é incerto e deve ser pequeno”, informou o comunicado da autoridade monetária. O BC informou que seguirá atento na revisão dos cenários e “vê como apropriado avaliar os impactos da pandemia e do conjunto de medidas de incentivo ao crédito e recomposição de renda, e antevê que um eventual ajuste futuro no atual grau de estímulo monetário será residual”.
Solange Srour, economista-chefe da ARX Investimentos, acredita que o Copom poderá reduzir a Selic em mais 0,50 ponto percentual na próxima reunião ou em 0,25 ponto em duas vezes, com a taxa básica chegando a 1,75% no fim do ano. Para ela, o comunicado do BC deixou claro que, além da preocupação com crise provocada pela covid-19, a questão fiscal terá um peso maior nas decisões do Copom daqui para frente, porque o prolongamento dos gastos do governo até 2021 pode prejudicar a retomada do equilíbrio das contas públicas, se não houver reformas e previsões de receitas e de cortes de despesas.
“O BC sinalizou que o estímulo parece apropriado, mas que os impactos da pandemia e das medidas de incentivo ao crédito serão importantes para um eventual próximo passo”, disse Solange. “O fiscal vai ser um fator importante para a política monetária. Se o governo não voltar a discutir reforma tributária e não conseguir barrar o prolongamento dos gastos para o ano que vem, a Selic não vai ficar em 2,25% por muito tempo e pode voltar a subir”, complementou.
Na avaliação de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o BC poderia ter dado o corte residual mencionado no comunicado nesta reunião. Ele espera que a Selic encerre o ano em 2%. “Segue a preocupação com a situação fiscal no ano que vem, que impede uma queda maior. O BC quis sinalizar novamente sua preocupação com um possível descontrole das contas nos próximos anos”, afirmou.
A queda contínua nos juros, no entanto, não tem ajudado na retomada da economia há muito tempo, lembram os analistas. Desde julho de 2019, quando iniciou um novo ciclo de cortes na Selic, o governo vem tentando estimular a economia, mas sem resultado. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi pífio no ano passado, de 1,1%, e, no início deste ano, mesmo antes da chegada do coronavírus ao país, o ritmo de expansão não era animador.
“A política monetária não vem surtindo efeito na economia há algum tempo e hoje vemos uma mudança de paradigma que o Brasil está tendo que aprender: juro baixo e câmbio desvalorizado não trazem crescimento econômico” explicou Solange.
As estimativas do mercado apontando para um IPCA de 1,6%, enquanto a meta para este ano está em 4%, com piso de 2,5% e teto de 5,5% no acumulado em 12 meses.
O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também prevê corte de 0,25 ponto percentual na reunião do Copom de agosto, mas sinaliza que os cortes podem não parar por aí. “Estimamos que o Copom reduzirá a Selic para 2% na próxima reunião e que continuará reduzindo, talvez nesse ritmo, ajustando seu cenário conjuntural, até que a inflação esperada caminhe para a meta. Mesmo que a meta seja alterada”, destacou.
Bolsa e dólar
Com a expectativa de juros cada vez mais baixos e acompanhando as altas no mercado externo, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) subiu 2,16% antes de o BC anunciar a decisão, encerrando a 95.457 pontos, patamar considerado elevado para a economista e professora do Insper Juliana Inhasz. No mês, a B3 acumula alta de 9,3%. O dólar avançou 0,49% e terminou o dia cotado a 5,26 para venda.
“A renda fixa tornou-se uma opção de investimento inviável com os juros em patamares tão baixos. E a Bolsa acabou se tornando única alternativa, mas tem riscos. Não podemos esquecer que as empresas com ações no mercado de renda variável estão nadando no lodo. São empresas com ações subindo, mas estão em um país que está indo à lona no meio de uma crise sanitária que não atingiu o pico e da qual ainda não sabemos o verdadeiro impacto no PIB”, alertou.