A pandemia do novo coronavírus descortinou a dependência de vários países, inclusive o Brasil, dos produtos chineses para o enfrentamento da doença. A fim de driblar essa incômoda carência, empresas brasileiras deram um “cavalo de pau” na produção e se voltaram a suprir a cadeia de equipamentos médicos. Algumas até desenvolveram novas tecnologias de combate à proliferação da covid-19. Parcerias de patentes e de investimentos são fundamentais para que, passada a crise, tais empreendimentos se tornem perenes, competitivos e capazes de gerar empregos.
Para ampliar a produção de respiradores no país e suprir a demanda do Ministério da Saúde pelo equipamento, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e o Instituto Eldorado se uniram à Constanta, empresa nacional chave na fabricação desses aparelhos em um projeto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Seguindo as normas de rastreabilidade instituídas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), testes e avaliações da qualidade dos produtos, hoje feitos manualmente, serão automatizados com o desenvolvimento de dispositivos e sistema dedicados.
Com a tecnologia, o potencial de produção da fábrica passará de quatro para 110 equipamentos por dia. O aumento no ritmo de produção será escalado de maneira gradativa até julho. A expectativa é de entregar 4,3 mil equipamentos. “Estamos usando nosso know-how para ajudar a Constanta a fazer frente a este grande desafio em curtíssimo prazo”, explica José Eduardo Bertuzzo, executivo do Instituto Eldorado.
“Fortalecer uma indústria da saúde inovadora é essencial para o enfrentamento à pandemia. Neste momento, precisamos apoiar mais do que nunca o setor produtivo nacional, e inovação é o melhor caminho”, destaca José Luis Gordon, diretor de Planejamento e Gestão da Embrapii, instituição que vai financiar 50% do projeto com recursos não reembolsáveis. Segundo ele, a rapidez em apoiar a iniciativa foi fundamental. “Se tradicionalmente isso já era importante, agora é muito mais. Temos mais de 40 projetos apoiados ligados à pandemia, de forma a ajudar o setor produtivo a desenvolver tecnologia”, explica.
Para o especialista, somente a inovação tem capacidade de transformar os projetos em empreendimentos perenes. “A dependência é muito ruim. Precisamos ter componentes nacionais. A grande lição que fica, para tornar os produtos competitivos quando tudo voltar ao normal é que a cadeia tem que ser inovadora”, reforça.
Maior capacidade
Segundo Roberval Tavares, sócio da Constanta, com sede em Atibaia (SP), desde 1998, a parceria permitiu à companhia aumentar a capacidade produtiva. “Nossa atuação sempre foi na área eletrônica, para produtos eletrônicos, bomba de gasolina, automação comercial, equipamentos de energia eólica e solar. Migramos para o respirador como parte de apoio ao combate da doença”, conta. A ideia é continuar no mercado. “A área médica é estratégica e não podemos depender da China. Hoje, são os fabricantes locais que estão atendendo ao ministério e às secretarias de Saúde”, diz. A ampliação da produção garantiu 60 novos empregos. “Tínhamos 60 funcionários, mas vamos precisar dobrar o turno e operar com 120 pessoas para a montagem.”
A Cecil Laminação de Metais, que, desde 1961, atende a indústria de transformação que usa cobre, nos segmentos de eletroeletrônicos, da construção civil e de munição de armamentos, aproveitou a característica bactericida da matéria prima para ampliar sua atuação. Maria Antonietta Cervetto, diretora presidente da Cecil, conta que a companhia está investindo em nanotecnologia para descobrir um foco de negócio para o futuro. “Cobre é antigo, mas tem características próprias, entre elas, ser um bactericida natural, muito útil agora. A ideia é desenvolver nanopartículas para serem aplicadas em vernizes e tintas que serão aplicadas em hospitais para reduzir a infecção hospitalar”, explica.
O potencial de matar vírus em quatro horas do cobre fez a executiva desenvolver adesivos, de forma gratuitas, para serem aplicados em ambientes de aglomeração e contato. “O cobre tem propriedades que inativam o vírus na superfície. Fizemos folhas adesivas de cobre e instalamos no metrô do Rio, em um dos vagões, para testar a eficácia”, ressalta. O produto pode ser aplicado em várias superfícies, como em catracas, para reduzir a infecção.
Segundo Antonietta, o desenvolvimento da nanotecnologia começou no ano passado, para aplicações na saúde. “Aí, entrou a covid e desviei para produção dos adesivos, de forma gratuita”, conta. Com 400 funcionários (600 ao considerar todo o grupo sediado em São Paulo), a empresa vai investir em uma nova unidade, com empregados específicos para atender em pesquisa e desenvolvimento, técnicos e químicos, para ampliar a parte de nanopartículas.
Testes rápidos
Startup de Santa Catarina, com atuação na área de tratamento para o câncer, doenças incuráveis, como Parkinson e Alzheimer, e com uma propriedade intelectual que vale mais de R$ 1 bilhão, a Aptah Bioscience passou a desenvolver testes rápidos para covid-19. Conforme Rafael M. Bottos, sócio da empresa, migrar da frente de terapias e diagnóstico para a testagem foi um processo natural. “Acessamos o Instituto de Pesquisa Tecnológico (IBP) e a Embrapii para uma parceria que vai baratear o custo dos testes. Para identificar o vírus, o teste, hoje, custa R$ 350, e há fila nos laboratórios que precisam rodar o exame em máquinas RT-PCR. Nossa ideia é tornar o processo mais simples e barato”, conta.
A ideia é que o Apath Teste Covid 19 custe R$ 50 e possa ser realizado em qualquer lugar, a exemplo do que ocorre com testes de gravidez. “Já testamos em 800 pessoas, estamos desenvolvendo a embalagem e devemos começar a comercializar em três ou quatro semanas”, assinala. Bottos destaca que a qualidade questionável dos testes chineses, com alto índice de falso positivo, levou a empresa a buscar um produto melhor, que garanta testagens semanais, para monitoramento das pessoas de forma regular e de longo prazo.
Com espera máxima de uma hora pelo resultado, seu maior diferencial será a capacidade de identificar a presença de material genético do novo coronavírus circulando no corpo do paciente, o que permite o diagnóstico em estágio inicial e evita a infecção de outras pessoas. “As empresas querem retomar o dia a dia e precisarão fazer avaliações regulares. Por isso, o preço não pode ser alto. Vamos ampliar nosso laboratório para aumentar a escala, mas também vamos buscar vários parceiros. Estamos licenciando a produção, com patente global, de forma que o produto seja perene e competitivo. A ideia é começar a comercializar no mercado mundial”, explica.
Os estudos da Apath não param nos testes rápidos. “Estamos desenvolvendo uma máquina para analisar a qualidade do ar, para identificar a presença do novo coronavírus, também, nas superfícies”, antecipa.
A Ventrix, empresa da área médica, com atuação na área cardiorrespiratória, sediada em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas Gerais, decidiu focar o desenvolvimento de peças e partes para ventiladores pulmonares, que não existiam na produção nacional para respiradores. “Conseguimos nacionalizar bastante peças. Temos conhecimento da área médica e estamos terminando o equipamento para ensaio clínico”, conta o CEO da Ventrix, Roberto Castro Junior.
O objetivo é entregar o primeiro lote de 200 peças na última semana de julho. A partir daí, aumentar a capacidade para produção de 100 equipamentos por dia. “O produto vai ficar em linha e vai entrar na cadeia de fabricação, porque estamos vendo um movimento mais nacionalista para esse tipo de equipamento, que é vital para o país”, destaca o executivo.
Exame remoto
A empresa surgiu em 2010 para suprir a necessidade de acesso do teste por pessoas que moram em regiões mais remotas, no caminho da telemedicina. “O equipamento faz exame remotamente e devolve o laudo em 12 minutos. Hoje, temos 12 funcionários, numa área de 800 metros quadrados. Como a produção dos novos equipamentos, na hora da produção massiva, em julho, vamos gerar 20 empregos”, diz.
O sistema de ventilação mecânica controlado por plataforma eletrônica foi desenvolvido em parceria com o Inatel, instituição de ensino e pesquisa de Santa Rita do Sapucaí. “O diferencial do projeto do Inatel é o sistema de pressurização digital que deixa o controle de gases mais preciso e sem a utilização de ambu, que é um balão usado em emergência, mas que não atende a todos os casos de insuficiência respiratória, de acordo com médicos especialistas”, explica o professor e coordenador da equipe voluntária que desenvolveu o protótipo, Filipe Bueno.