O Boletim Focus, do Banco Central, atualizou, ontem, a previsão de queda no Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país) para 6,48%, em 2020, em consequência dos impactos financeiros do novo coronavírus. Um cenário mais pessimista do que o da semana passada, quando o tombo previsto era de 6,25%. Chamou a atenção, no entanto, a previsão de alta de até 3,50% em 2021. Esse número positivo divide economistas. Para alguns, revela um otimismo excessivo. Para outros, se trata apenas de crescimento medíocre, estimado a partir de uma base deprimida deste ano.
A economista e consultora econômica Zeina Latif disse que as projeções do Focus, que refletem a mediana das apostas de analistas de instituições financeiras, ultrapassaram suas expectativas. “Não que seja impossível um avanço de 3,5%. Mas acho a previsão muito otimista”, afirmou. Para chegar a esse patamar, nos cálculos de Zeina, o Brasil precisaria registrar bom desempenho em 2021. “Se nada acontecer, quer dizer, se ao longo do ano que vem o PIB ficar estável, a gente fecha com alta. Significa que, para chegar a esses 3,5% do mercado, o país tem que crescer 1,3%, em média, nos quatro trimestres. Muito difícil, diante da atual conjuntura”, assinalou Zeina.
Ela lembrou que a economia brasileira já vinha de um quadro de fragilidade. E uma crise como essa vai impactar o potencial de crescimento de longo prazo. “As empresas passarão por muitas dificuldades financeiras, algumas quebrarão, e a inadimplência tende a se elevar. Todos esses diferimentos (adiamentos de cobrança tributos, que, em abril representaram R$ 3,5 bilhões, segundo o Tesouro Nacional) de impostos uma hora terão que ser pagos. A situação fiscal é preocupante — talvez o Banco Central acabe elevando os juros antes do que a gente imagina. Então, eu acho 3,5% no ano que vem muito otimista”, reforçou Zeina.
A revisão de queda de quase 6,5% ao ano, em 2020, na análise de Zeina Latif, aconteceu em função da divulgação do PIB do primeiro trimestre —o recuo de 1,5% surpreendeu o mercado, que esperava retração maior. “Mas o que essa queda embute é um tombo de 10% ou 11% no segundo trimestre, em relação ao primeiro, com ajuste sazonal, e em seguida recuperação importante, mas ainda lenta da economia”, destacou a consultora econômica.
Falsa recuperação
Alex Agostini, economista-chefe da Agência Austin Rating, entende que não há otimismo algum no Boletim Focus. “É um crescimento em cima da uma base deprimida. Um cálculo matemático, ou seja, crescer 3,5% no ano que vem, em cima de uma queda de quase 6,5%, é praticamente nada. É medíocre”, afirmou. Para recuperar as perdas desse ano, 2021 deveria registrar resultado bem mais animador, sustenta. Ele admite, no entanto, que há, sim, um otimismo em relação à pandemia pela covid-19 nas perspectivas dos agentes financeiros de que, a situação no país e no mundo deve se normalizar até o final de 2020.
“Sobre a capacidade de reação dos setores da economia, o principal ponto é a confiança de que o governo vai continuar fazendo a coisa certa, que é recuperar o nível de austeridade fiscal, ainda que tenha esses gastos adicionais com o setor de saúde, de combate à covid-19”, detalhou Agostini. Concluído o dever de casa, ele prevê que os investimentos aumentarão e os bancos voltarão a dar crédito. “É claro que a equipe econômica precisa dar sinais que manterá os esforços para o equilíbrio fiscal”, afirmou.
Emerson Casali, diretor da CBPI Produtividade Institucional, concorda que, após a forte queda esse ano, se vencido o problema sanitário, a perspectiva é de que a estrutura que ficou mais ociosa volte à carga e isso se traduza em crescimento expressivo sobre a base comprimida. “Os números certamente se baseiam em premissas razoáveis, mas o problema é que ainda há um grau de incerteza em ralação à covid-19”, disse. “A reação dos setores vai depender de uma estabilização das atividades e do quanto à estrutura produtiva (empresas e empregos) conseguirem ser preservados nesta crise. Há muitos setores com perdas críticas”, reforçou.
Estados êm alívio a dívida
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou a suspensão da cobrança de dívidas de estados e municípios até o fim do ano, seguindo o determinado no pacote federal de cerca de R$ 60 bilhões de socorro aos governos subnacionais, fechado no fim do mês passado. No caso do BNDES, essas suspensões somarão R$ 3,9 bilhões até o fim de 2020.
A lei que criou o socorro a estados e municípios, sancionada no último dia 27, autorizou, além do repasse de recursos, a suspensão de R$ 35,34 bilhões em dívidas dos governos regionais com a União, que serão retomadas somente em janeiro de 2022.
Outros R$ 13,98 bilhões em dívidas com dois bancos públicos, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, também serão pausados. Além disso, o pacote inclui R$ 10,73 bilhões em renegociações de obrigações com organismos multilaterais e mais R$ 5,6 bilhões na suspensão de pagamentos de dívidas previdenciárias.
Além da suspensão do pagamento de dívidas de estados e municípios, o BNDES anunciou que os governos que ainda têm contratos ativos, com recursos a desembolsar, poderão sacar logo esses recursos e destiná-los para o enfrentamento da pandemia — desde que a mudança no destino dos valores não afete a conclusão de obras em andamento que sejam custeadas por esses créditos.
Segundo o BNDES, Acre, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e Santa Catarina poderão ser contemplados com a medida. Se todos desembolsarem logo valores que têm a receber, o total liberado poderá chegar a R$ 456 milhões.
O anúncio se soma a outras medidas recentes anunciadas pelo BNDES, como o reforço de até R$ 20 bilhões no fundo de aval para pequenas e médias empresas, uma linha de R$ 2 bilhões para a cadeia de fornecedores de grandes empresas e outra linha de R$ 3 bilhões para o setor sucroalcooleiro.
Saúde
BNDES também confirmou o lançamento de mais uma linha de R$ 2 bilhões, o programa BNDES Crédito Direto Emergencial, “para atender à necessidade de capital de giro de setores cuja preservação é de vital importância para a retomada da economia brasileira”. O primeiro foco do programa serão “as empresas de saúde, como hospitais e laboratórios” com faturamento anual acima de R$ 300 milhões. Segundo o presidente do BNDES, Gustavo Montezano, o banco seguirá lançando medidas conforme as necessidades sejam identificadas.
Governo vai ampliar Bolsa Família
Em reunião, ontem, com ministros e líderes de partidos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, após o fim da pandemia da covid-19, o governo pretende reformular o Bolsa Família, que passaria a se chamar Renda Brasil. Guedes não deu detalhes, mas afirmou que a ideia é desenhar um programa mais abrangente, incluindo trabalhadores informais beneficiados pelo auxílio emergencial de R$ 600 que vem sedo pago pelo governo para amenizar a perda de renda causada pela crise do coronavírus. De acordo com Guedes, os estudos estão sendo feitos pela área técnica do ministério. Do ponto de vista político, a intenção é desvincular o Bolsa Familia das gestões do PT.