Economia

Número de pessoas físicas na Bolsa de Valores dobra em relação a 2019

Cenário de pouca lucratividade em renda fixa leva nova geração a apostar em ações. Dobra o número de pessoas físicas na Bolsa de Valores. Maior parte é de jovens e residentes no Sudeste

Correio Braziliense
postado em 08/06/2020 06:00

Infográfico sobre aumento no número de investidores pessoa física na Bolsa de ValoresEm 2002, o número de investidores pessoa física na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) era de 85,2 mil. Desde então, esse grupo cresceu gradativamente até 2010, quando chegou a 610,9 mil. Entre os anos de 2011 e 2016, a média manteve-se em cerca de 574 mil. Em 2020, no entanto, o total de investidores pessoa física quase dobrou em relação aos 1,68 milhão de 2019, chegando a 2,48 milhões este ano, com um montante de de investimentos que ultrapassa R$ 303 bilhões. A maior parte desse contingente é composta por jovens e residentes na região Sudeste. Segundo a B3, investidores entre 26 e 35 anos somam 826,5 mil. Em termos geográficos, 971 mil são de São Paulo; 275 mil, do Rio de Janeiro; e 237 mil, de Minas Gerais.

 

O aumento de pessoas físicas no mercado de ações ocorre em um período de vários cortes seguidos na taxa básica de juros, a Selic. Em 2019, foram quatro reduções de meio ponto percentual a cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Isso resultou em uma taxa de 4,5% ao ano — uma diferença de dois pontos percentuais ante os 6,5% ao ano que vigoravam desde o início de 2018. Em 2020, foram outros três cortes e a Selic está em 3% ao ano, o menor patamar desde o início da série histórica, em 1996. Projeções apontam que pode cair a 2,25% na próxima semana.

 

Nesse cenário, os investimentos em renda fixa — considerados mais conservadores e, portanto, mais seguros —, perderam atratividade e muitas pessoas passaram a buscar alternativas com retorno maior. O empresário Fernando Campos da Silva, 24 anos, está há seis meses na Bolsa. “Já trabalhei em banco, fui gerente por três anos. E acabei tendo que estudar sobre o mercado financeiro. Então, comecei com renda fixa e, depois, diversifiquei. Investi em gado de corte e fui para a Bolsa. Hoje, tenho uma carteira bem diversificada”, conta.

 

O empresário revela, no entanto, que passou por apertos. “Tive momentos ruins, perdi meu capital em alguns momentos. Nem sempre há estabilidade. A pessoa tem que estar preparada para saber que vai ter esse tipo de movimento. Ações sobem e descem”, alerta. Diferentemente de Fernando, Gleudson Sousa, 30, não teve oportunidade de aprender sobre o mercado financeiro no trabalho. Começou a operar na Bolsa há quatro anos. “Na carreira profissional, já tentei de tudo e quebrei várias vezes. Tive empresas no ramo de tecnologia, alimentação, laboratório. Passei por muitas dificuldades financeiras, até que comecei a estudar e a negociar no mercado de ações. Como era iniciante, perdi muito dinheiro. Fiquei uns oito meses sofrendo e prejuízo foi grande”, desabafa.

 

Hoje, toda renda de Gleudson vem da operação na B3. Ele explica que se deu conta de que sua falta de conhecimento e comportamento impulsivo o fizeram perder dinheiro. Por isso, passou a estudar o funcionamento do mercado financeiro. Após conseguir bons resultados, compartilhou seus conhecimentos. “Logo, eu estava com 15 alunos. Comecei a gravar vídeos e a publicar no YouTube, e o grupo passou para 60 pessoas. Decidi, então, profissionalizar a parte educacional.”

 

Juros baixos levam a buscar risco

 

A queda sem precedentes na taxa de juros é o principal motivo da procura por investimentos mais ousados e de maior risco, segundo Guilherme de Macêdo, professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A rentabilidade da poupança é baixíssima e a sucessão de cortes dos juros atingiu em cheio quem tinha investimento em renda fixa. “Pessoas que tinham títulos do Tesouro e Certificados de Depósitos Bancários (CDB) estavam acostumadas com juros de 8% ao ano. Como a taxa caiu muito, tem que buscar ativos de maior risco”, conta. 

 

O economista afirma que a queda no preço das ações atrai mais investidores, porque é possível adquirir mais papéis. No pior momento da crise, em março, o índice Ibovespa chegou a 62 mil pontos. Agora está acima de 90 mil pontos. “Esse movimento vai continuar por um tempo, porque os juros vão seguir baixos. Investidores vão buscar mais risco para rentabilizar”, pontua Macêdo.

 

Apesar de acreditar que a queda de juros seja um grande motivo para o aumento de pessoas físicas na Bolsa, Guilherme Macêdo avalia que não é o único fator. Para ele, o crescimento de plataformas digitais, que facilitam a escolha de investimentos, deve ser levado em conta. “A internet, o maior número de ferramentas e bancos digitais, que auxiliam os usuários, além da educação financeira, colaboram”, completa.

 

Para Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, apesar de contribuírem, os juros baixos não estão entre os motivos principais para o fenômeno. “Há uma mudança de comportamento na sociedade brasileira no que diz respeito ao consumo e ao hábito de guardar dinheiro”, diz. Poupar não era o forte há 30, 40 anos. “Os filhos dessa geração sabem que precisam de estratégias diferentes.” 

 

A economista diz não acreditar que o número de pessoas físicas na Bolsa seja um fator determinante na recuperação econômica. “A crise é muito recente e o número de investidores ainda não é grande em relação à população. Mas há crescimento da consciência financeira. Com a crise, muitas pessoas aprenderam a importância de ter uma reserva de emergência”, avalia. 

 

* Estagiário sob a supervisão de Simone Kafruni 

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