Depois que sites se especializaram em comprar ações judiciais de passageiros que sofreram atrasos em voos, o setor aéreo brasileiro teve uma enxurrada de judicialização, que pode se agravar por conta dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, inviabilizando a operação no país. Segundo Dany Oliveira, diretor da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) no Brasil, os processos contra as companhias aéreas somam R$ 1 bilhão. “Uma empresa com esse valor estaria no ranking das maiores companhias do ramo”, afirmou, ontem, durante videoconferência promovida pela Airport Infra Expo para debater o impacto da covid-19 no transporte aéreo.
Os especialistas explicaram que, no país, a questão do dano moral é dada como ganho de causa ao consumidor, ainda que o atraso do voo tenha motivo em questões climáticas — portanto, de segurança, por exemplo. Na avaliação deles, isso é um desvio em relação às práticas internacionais e impede a maior concorrência entre empresas no Brasil, mesmo após a abertura do mercado para 100% de capital estrangeiro. Oliveira citou como exemplo uma companhia com presença em 67 países, que tinha mais de 85% das causas judiciais alocadas no país. “Essas empresas perguntam porque a judicialização maior é sempre no Brasil, porque o Judiciário brasileiro pune as companhias aéreas”, contou.
Segundo Oliveira, o dano moral, no Brasil, se tornou imoral. “Há um descolamento da normalidade. E não há segurança jurídica. Basta ver a batalha da franquia de bagagens: mesmo adotando as melhores práticas do mundo todo, querem revogar. Isso sempre volta, e é ruim para o país”, alertou. A interpretação do Judiciário sobre o tema acabou criando uma indústria de compra de ações judiciais. “Em 2018, havia, em média, 174 ações por dia contra empresas. De janeiro a junho de 2019, o número passou para 520 ações por dia”, revelou. “É preciso adotar o conceito de força maior para que o tsunami de judicialização não acabe com a indústria, porque o setor vai voltar sensível da pandemia. Temos que remover custos desnecessários”, defendeu.
Eduardo Sanovicz, presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), defende a aprovação da Medida Provisória nº 925, da aviação, em discussão no Congresso. “O relatório, deve ficar pronto nos próximos dias e pode incorporar o debate dos danos morais”, disse. Para exemplificar o nível de judicialização no país, Sanovicz lembrou de um caso de uma família que voou para Bariloche com objetivo de esquiar e ganhou uma ação contra a companhia porque não tinha neve quando chegou ao destino.
Outro ponto relevante, segundo o presidente da Abear, é que o custo de voar no Brasil é mais alto, devido aos custos trabalhistas e regulatórios. “A Ryanair é a mais enxuta do mundo e teria 27% mais custos se voasse no Brasil. Por isso, as low costs não vieram para o país”, afirmou.
O diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ricardo Catanant, destacou que o país teve uma modernização significativa, com concessões de aeroportos e alinhamento, em termos regulatórios, com o que se pratica no resto do mundo. “Porém, nossa regulação ainda impõe uma série de deveres, como assistência material, e o fato de as empresas proverem não tem refreado o ímpeto dos consumidores, que continuam indo ao Judiciário”, disse. “O país pode demorar mais tempo para retomar o crescimento e receber investimento no setor. Por isso, precisamos de mudanças legais que tragam mais segurança jurídica”, sustentou.
O advogado Ricardo Bernardi, sócio do escritório Bernardi e Schnapp explicou que o dano moral é a compensação por dor e sofrimento. No entanto, os tribunais concedem o dano moral, independentemente do dano efetivo, basta o atraso do voo, ressaltou.
Conduta
Na opinião de Luciano Benetti Timm, secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) adotado no setor com a pandemia foi uma tentativa de prevenir o agravamento desta situação. O secretário se refere à remarcação gratuita e voos. “As aéreas resistiram muito. Porém, se todos os consumidores fossem exigir dinheiro, as companhias não teriam caixa. E se protegem, pedindo recuperação judicial”, afirmou.
Segundo Timm, mais de 2,5 milhões de consumidores se beneficiaram com o TAC. “Sempre fica a dúvida se as empresas ainda estarão lá, mas, certamente, não estariam se todos fossem a juízo. No Brasil, o TAC ajudou”, defendeu.
“É preciso adotar o conceito de força maior para que o tsunami de judicialização não acabe com a indústria, porque o setor vai voltar sensível da pandemia. Temos que remover custos desnecessários”
Dany de Oliveira,diretor da Iata no Brasil