O consumo das famílias foi o grande motor da economia brasileira nos últimos anos. Mas, desta vez, caminha para ser o vilão do Produto Interno Bruto (PIB). A pandemia do novo coronavírus, que provocou desemprego e queda de renda, afetou duramente o orçamento das famílias. Em consequência disso, o consumo familiar caiu 2% nos três primeiros meses do ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico (IBGE). Foi o maior recuo desde o apagão do setor elétrico, em 2001, quando houve racionamento de energia.
O consumo das famílias representa mais de dois terços do PIB, quando a medido pela ótica da demanda, por isso, sustentaram o ritmo de crescimento nos últimos anos. Desta vez, contudo, os brasileiros reduziram os gastos na quarentena, pois estão comprando apenas o essencial, devido ao fechamento do comércio, mas também porque perderam renda ou estão com medo de perder o emprego, segundo explicou a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Por conta disso, R$ 77 bilhões “sumiram” da conta que representa o consumo das famílias no PIB. O valor despencou de R$ 1,24 trilhão, no último trimestre de 2019, para R$ 1,16 trilhão nos três primeiros meses deste ano. É dinheiro que deixou de ser gasto por trabalhadores como a manicure Luzineide da Silva, 38 anos, que está há mais de dois meses sem atender ninguém por conta do fechamento do comércio e, por isso, cortou todos os gastos que podia para poder fazer a feira da casa em que vive com os três filhos.
“Não fosse o auxílio emergencial, eu estaria sem nada. Ainda assim, precisei fazer cortes e fiquei devendo a casa, o IPTU e o cartão. Compro só o grosso da feira. Os meninos reclamam porque, às vezes, não tem biscoito para lanchar. Mas não dá, é comer o que tem e agradecer”, lamenta Luzineide.
Trabalhadores de maior renda, como a publicitária Marianna Rodrigues, 35, também cortaram gastos na crise. “Todos aqui de casa notaram uma redução grande nos gastos com gasolina e entretenimento, porque só estamos saindo de casa para comprar o essencial. Não vamos mais ao cinema ou a um restaurante, nem passamos pelas lojas para comprar outras coisas. E estamos mesmo querendo gastar só com coisas essenciais, porque não sabemos como vai ficar a economia daqui para a frente”, contou.
De acordo com economistas, essa tendência não deve se reverter tão cedo. No segundo trimestre, a retração do consumo das famílias será ainda maior e deve bater o recorde da série histórica do IBGE. A contração de 2% do primeiro trimestre pegou apenas os primeiros 15 dias de quarentena e o segundo trimestre terá, pelo menos, 60 dias de isolamento social.
Tanto entre os economistas quanto entre consumidores, já se sabe que o consumo vai ficar mais seletivo, mesmo depois do fim da quarentena, seja por conta das dívidas acumuladas por pessoas como Luzinete, que vai deixar de comprar a geladeira que queria para sair do vermelho, ou das incertezas de Marianna, que adiou o plano de trocar de carro para poder garantir uma reserva de emergência para a crise.