Correio Braziliense
postado em 29/05/2020 18:22
O setor industrial não resistiu à pandemia do novo coronavírus e registrou forte queda. Ao longo do ano, a indústria não terá vida fácil. De acordo com dados do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a no primeiro trimestre de 2020, o tombo foi de 1,4%, em relação ao mesmo período de 2019. A queda foi puxada pelas indústrias extrativas (-3,2%), construção (-2,4%), indústrias de transformação (-1,4%) e a atividade de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-0,1%).
Na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, a indústria teve variação negativa de 0,1%. A maior queda, pela pandemia e em consequência de um verão mais ameno, foi no segmento de eletricidade e gás, água, esgoto, atividades de gestão de resíduos (-1,8%). O segundo maior recuo foi na construção (-1%), com queda no emprego e na fabricação de insumos típicos. A indústria de transformação (-0,8%) também sofreu, influenciada, pela indústria automobilística, confecção de artigos de vestuário e fabricação de outros equipamentos de transporte. Por outro lado, as indústrias extrativas tiveram alta (4,8%), beneficiadas pelo crescimento da extração de petróleo e gás que compensou a queda na extração de minérios ferrosos.
Diante do resultado e do agravamento da crise provocada pela pandemia, a construção civil está revendo suas projeções para 2020. Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, a retração nas obras de infraestrutura está relacionada a fatores como o atual modelo dos projetos. “Se o país tivesse optado por uma quantidade maior de obras menores, em detrimento de concentrar esforços em poucos projetos de concessão gigantescos, hoje teríamos muito mais obras pelo Brasil afora. O investimento precisa ser capilarizado, regionalizado e diversificado”, diz.
Martins destaca ainda que os primeiros meses do ano contribuem para uma redução das obras de infraestrutura em função do clima (período mais chuvoso). A autogestão também ajuda a justificar o desempenho da construção civil - pequenas obras de reformas de microempreendedores informais foram muito comprometidas no início da crise. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), da última quarta-feira (27), apontam que a construção civil, nos primeiros três meses do ano, registrou saldo positivo de 45 mil postos de trabalho, mostrando que o setor formal manteve atividade, lembra Martins.
Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), que envolve o segmento formal e informal, revela que nos três primeiros meses de 2020, em relação ao mesmo período do ano passado, a construção perdeu 440 mil ocupações. “Observamos que o segmento informal do setor, assim como o de outras atividades, foi muito mais afetado no início desta crise”, explica o presidente da CBIC. O setor estava otimista, após registrar queda de quase 30% no período de 2014 a 2018 e retomar o crescimento em 2019 (1,6%), e esperava se fortalecer e crescer 3%. Mas afetado pela pandemia, as projeções se dissolveram, afirma.
Recorde
Queda do PIB anuncia encolhimento recorde da economia brasileira, avalia a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para a entidade, os dados do primeiro trimestre refletem apenas parcialmente os efeitos da pandemia da Covid-19 na economia. O segundo trimestre será pior, já a partir de abril, e não há expectativas de mudanças relevantes no mês de maio. A Sondagem Industrial da CNI de abril mostrou que os impactos da pandemia pelo coronavirus sobre a atividade industrial e o emprego se disseminaram ainda mais entre as empresas, depois de uma queda sem precedentes em março. A pesquisa registra que metade da indústria ficou ociosa no mês de abril.
Apesar disso, o tombo foi menor que o esperado, em abril, já que o cenário base do último Informe Conjuntural da CNI previa retração de 2,5% no primeiro e queda de 7,1%, no segundo, no caso de as medidas emergenciais do governo federal serem eficazes para blindar um número significativo de empresas e famílias. A recuperação teria início em junho. A atividade econômica cairia 4,2% na comparação com 2019. No entanto, caso as medidas emergenciais não sejam eficazes, a expectativa é de queda de 7,3% no PIB em 2020.
“As medidas de aumento do capital de giro implementadas até agora ainda são insuficientes. Se as empresas continuarem com a dificuldade atual de acesso a capital de giro, o número de falências e o consequente aumento do desemprego comprometerão o ritmo de recuperação”, avalia o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. “Algumas iniciativas do governo para elevar a liquidez do sistema financeiro, para reduzir o custo e aumentar a oferta de financiamentos, já foram adotadas. No entanto, em meio a tantas incertezas, essas medidas se mostram pouco eficazes para impedir a insolvência de um grande número de empreendimentos”, completa.
Guto Ferreira, analista político-econômico da Solomon’s Brain destaca que, levando em consideração que, “em janeiro e fevereiro, o país ficou em negação acreditando que o vírus não chegaria aqui, a queda trimestral do PIB ficou dentro do esperado”. No futuro, “o cenário é claríssimo e já deveria ser admitido pelo governo para que todos pudessem entender e se preparar melhor”. “Com dois trimestres negativos, já estaremos em recessão. E sabemos que o próximo, que se encerra em junho, vem com queda de 4%, ou mais. Logo o governo já deveria anunciar que estamos em recessão e apresentar um plano, ao invés de focar exclusivamente no discurso otimista. Otimismo não tira ninguém da crise. O que tira é planejamento e trabalho. Certamente terminaremos o ano com tombo acima de 7% do PIB”, aponta Ferreira.
O analista da Solomon’s Brain lembra que a indústria é o maior determinante do PIB. Apesar de representar entre 9% e 11% do PIB (dependendo da medição), é ela quem responde por 30% dos impostos arrecadados pelo governo. O dado da indústria de transformação é muito mais grave, diz ele, pois é lá onde está o produto de maior valor agregado, os maiores salários e profissionais mais qualificados. O que acontecerá com a construção civil é um dilema e para o setor este é um momento difícil de decisões.
Saiba Mais
Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus, diz que a expectativa daqui para frente é que continuem vindo dados ruins. “Principalmente no segundo trimestre, o PIB vai estar precificando literalmente o pior ciclo da pandemia inteira”, sinaliza. A indústria apesar de ser importante do país, não é o que determina o PIB, segundo ele. “Quem determina é o agro. O Brasil ainda é um país agropecuário”, lembrou. No segundo trimestre, a tendência é de melhora, com a reabertura das empresas e indústria.
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