Correio Braziliense
postado em 10/05/2020 07:00
Presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Leonardo Rolim, assumiu o posto em 29 de janeiro, praticamente um mês antes do registro do primeiro caso de covid-19 no Brasil. Diante da pandemia, porém, o maior desafio do órgão continua sendo o mesmo, passado de gestão em gestão: diminuir o estoque de mais de 1 milhão de pedidos de benefícios sem resposta. Em entrevista ao Correio, Rolim garante que o número caiu, apesar dos obstáculos inesperados. “A água estava no nível do nariz. Agora, já baixou”, diz.Ex-secretário de Previdência no Ministério da Economia, ele não foi pego de surpresa com as pendências, mas se deparou com imprevistos, como o aumento na procura por auxílio-doença durante a pandemia. O número de pedidos saltou de aproximadamente 100 mil para cerca de 500 mil, conta.
Outra situação que preocupa é a do Benefício de Prestação Continuada (BPC), principalmente a parcela que é paga a deficientes de baixa renda. Enquanto parlamentares buscam ampliar o alcance do auxílio, o que custaria R$ 20 bilhões a mais por ano, o INSS tem pago parte dele antes de concluir a análise dos pedidos, para tentar poupar os mais pobres durante a crise. A dúvida é se essas pessoas ficarão desassistidas quando passarem os três meses de antecipação.
Rolim garante que o BPC terá prioridade na fila e que o problema será resolvido a tempo. Ele espera que o estoque todo seja analisado “bem antes” de outubro, mas sabe que o aumento da procura por perícias médicas quando as agências abrirem novamente as portas, o que é previsto para acontecer em 22 de maio, pode dificultar a tarefa. “Quando voltar ao atendimento presencial, vai ter uma fila boa para os peritos”, admite. Veja os principais trechos da entrevista:
Entre as ações anunciadas durante a pandemia, o INSS prometeu antecipar o 13º salário dos pensionistas e aposentados e dar melhores condições para empréstimos consignados. Quanto já foi injetado na economia para essas medidas?
Em torno de R$ 50 bilhões com antecipação de salários. Já terminamos de pagar a primeira parcela, agora, na folha de abril. A segunda sairá na folha de maio. Não é despesa extra, porque era um valor que já seria gasto no ano. Mas é um dinheiro a mais no momento da emergência. O aumento no número de parcelas e a redução de juros de consignado devem colocar mais uns R$ 15 bilhões na economia neste momento. Isso é feito pelos bancos.
E quanto será destinado à antecipação de R$ 600, por três meses, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a pessoas com deficiência que estavam na fila?
O valor estimado é de R$ 360 milhões. A gente já processou em torno de 140 mil antecipações. Mas deve ter um número maior, porque algumas pessoas ficaram em exigência. Ou seja, têm pendências cadastrais. A gente espera poder estender o benefício a elas.
O que falta?
Tem um grupo em torno de 30 mil com problemas cadastrais simples. Pessoas com deficiência menores de idade que não informaram quem é o responsável legal, por exemplo. Mas tem outro grupo com problema no Cadastro Único (CadÚnico, usado pelo governo federal para pagamento de benefícios assistenciais). Nesses casos, não sei se vamos ter como atender durante a emergência. Esse é um número bem maior, mais de 200 mil pessoas.
Essas pessoas não poderão receber a antecipação?
É. Para essas, a gente não vai conseguir antecipar.
O INSS paga retroativo, quando a pessoa resolve a pendência e tem o cadastro aprovado?
Sim. Quando for feito, lá na frente, o acerto de contas, ele vai receber o BPC desde a data que pediu. A antecipação é feita em até três parcelas. Falo até três porque, se a gente conseguir avaliar o pedido de concessão antes de pagar a terceira, a antecipação é convertida no benefício. A pessoa passa a receber o valor de um salário mínimo (R$ 1.045) por mês, que é o BPC, e recebe o retroativo à data que ele pediu o benefício, descontado o que recebeu de antecipação. Se a pessoa requereu em janeiro e foi concedido em junho, ela recebeu antecipação de abril e maio. Dois meses, não três. Mas tinha direito desde janeiro. Então, o INSS paga de janeiro até maio, abatendo os R$ 1,2 mil que ela recebeu dessas duas parcelas.
O pagamento dura três meses, ou seja, até junho. Geralmente, o INSS demora bem mais para conceder o BPC. A pessoa ficará desassistida nesse intervalo?
A gente espera que antes disso (do fim do prazo) já consiga voltar a fazer aplicação dos instrumentos (de análise) e, quando voltar, eles serão público prioritário. A gente vai dar prioridade máxima ao BPC, porque são pessoas vulneráveis e temos que priorizar os que mais precisam da renda.
Então, os que pediram BPC vão passar na frente na fila? Vão ficar no topo?
Vão.
Mas, hoje em dia, o BPC é o benefício que mais demora para ser concedido…
Pois é. Isso é algo que me envergonhava. Olhar a fila do INSS, que era, e ainda é, o maior desafio do órgão, e ver que, pelo fato de o BPC ser o benefício mais complexo de ser recebido, era o que tinha mais gente na fila e por mais tempo. Em quantidade, era o maior. E em tempo, nem se compara. Era mais do que o dobro do restante.
E mudou? Como está agora?
A gente vai, muito em breve, estar com tudo avaliado. Só vão ficar na fila os que estiverem com exigência. A gente trabalha com segurança para, em outubro, estar com todos os pedidos de benefícios dentro do prazo. Mas a gente vai conseguir bem antes.
Este ano, o número de pedidos, não só de BPC, chegou a 1,9 milhão, contando com os que estavam dentro do prazo de 45 dias para resposta. Como está a situação hoje?
A gente avançou muito. Todas as filas têm reduzido bastante. Devo ter menos de 300 mil processos com mais de 45 dias que ainda não foram analisados. Só que tenho quase 900 mil em exigência. Então, a fila toda ainda passa de 1 milhão. Mas, na verdade, se olhar sem exigência, reduziu drasticamente. A maior parte dos pedidos já foi analisada, mas tem alguma pendência que depende do segurado para resolver. Documento complementar ou correção de problema cadastral.
Não aumentou o número de pedidos de benefícios durante a pandemia?
Em alguns casos, sim. Esse é o ponto. Tem uma fila razoável de auxílio-doença, que quase não existia antes. Tem em torno de 500 mil pedidos de auxílio-doença.
Por conta do coronavírus?
Exatamente. Parte desse grupo já estava agendado, mas não fez a perícia. Mas era minoria. A maior parte foi posterior. Havia uns 100 mil e poucos agendados.
Mas o INSS está conseguindo atender à demanda?
A gente está começando a conceder agora. Teve que desenvolver um novo sistema. Depois de desenvolvido, a perícia começou a fazer as análises. Desde 2018, a gente não tinha grande fila de auxílio-doença. O prazo médio de realização de perícia, quando veio a pandemia, estava em 15 dias, bem baixa. Agora, com fechamento de agências, não está mais sendo presencial e subiu bastante em abril. Em maio, vai voltar a algo próximo do patamar antigo. Um pouco mais, provavelmente. Porque, quando fica mais fácil, muita gente requer só para ver se cola. Aí, cria todo um trabalho para o perito analisar o atestado e depois, quando vai ver, a pessoa não é segurada.
Será preciso analisar de novo todos esses processos, para fazer a perícia?
Se a pessoa não tem condição de segurado, não precisa, já é negado. Mesmo sem perícia. Mas os que receberem antecipação vão ter que fazer.
Ou seja, vai ter uma procura enorme por perícia depois…
Vai. Quando voltar ao atendimento presencial, terá uma fila boa para os peritos.
E como o INSS vai lidar com isso? Reforçará o número de peritos?
Sim. Vai ser incrementado. No edital que saiu para contratação de temporários também está prevista a contratação de peritos.
É só para ex-servidores e militares da reserva?
Tem vaga para aposentados do INSS e da perícia médica, a fim de suprir áreas de análise e perícia. Outro grupo é para atendimento e área meio, no INSS, na Secretaria de Previdência e na Secretaria de Gestão de Pessoas. Esse pode ser para militar inativo ou servidor aposentado de qualquer órgão da União. Não tem limite para aposentados do INSS. A princípio, todos que atenderem aos critérios vão ser contratados.
Mas a contratação temporária foi anunciada como estratégia para diminuir a fila mesmo antes da crise. A quantidade contratada será suficiente?
Não sei. Não faço ideia. O edital foi lançado e começaram as inscrições na última segunda-feira.
Se precisar aumentar o número de peritos depois, tem possibilidade de lançar outro edital? Ou já ultrapassou a capacidade orçamentária?
Tem que ver. Não sei.
Quando deve acabar esse processo? Eles poderão começar a trabalhar?
A gente espera que, entre o final de maio e o início de junho, já esteja contratando.
A diminuição da fila, na sua opinião, significa que não precisa contratar servidores de forma permanente, apesar do deficit?
Mostra que a gente tem capacidade maior. E não é só essa fila principal, de requerimentos iniciais. Havia outras filas que também estamos reduzindo. A ideia é não ter nenhuma fila com requerimento acima do prazo. Outra que estava crescendo muito era de manutenção. Caso, por exemplo, de pessoa que precisa de procurador para receber benefício ou que teve benefício suspenso porque não tinha feito prova de vida e precisa corrigir problema. Ou BPC que não tinha CadÚnico e foi suspenso. São várias situações que tinham fila de manutenção.
Eram quantos nesse grupo?
Chegou a ter mais de 500 mil requerimentos parados e estava só crescendo. Agora, está com menos de 100 mil. Cai desde o começo do ano. Mais especificamente, de fevereiro para cá. Posso dizer que essa fila já zerei. O que tem agora é só fluxo, não estoque.
Basicamente, o que falta agora é zerar a fila de concessão?
Tem outras filas, mas que causam menos problemas. Uma, que dava muita dor de cabeça, é a de implantação de decisões judiciais. Porque o juiz nem sempre tem paciência e mete multa. Tem juiz que é mais rígido, que até ameaça de prisão o gerente do INSS. E essa era outra fila que nos preocupava muito. Reduzimos muito, hoje está praticamente só o fluxo. Tinha também fila de recursos e de revisão. Estamos, em maio, avançando nela.
Isso é quando os benefícios são negados e a pessoa recorre?
Sim, aí faz recurso. Revisão é quando pede para recalcular o valor do benefício por algum motivo. Todas as filas são importantes. O ideal é que não tivesse estoque em nada. Mas, como estava com fila em tudo, estamos dando prioridade a quem não está recebendo ou aos que não foram analisados ainda. O cara que fez recurso às vezes não está recebendo, mas pelo menos já teve uma análise. Não tem que dar prioridade a esse em detrimento do que você nem avaliou ainda. A água estava no nível do nariz, agora, já baixou. A gente está podendo analisar outras filas.
Como BPC vai ser avaliado primeiro, zera essa fila antes de outubro?
Bem antes. Desde que a emergência passe e a gente abra as agências.
Se, mesmo assim, a fila do BPC demorar a andar, o que deve ser feito? Uma pessoa que receber a antecipação agora, mas que só tenha o BPC concedido em setembro, por exemplo, ficaria pelo menos dois meses sem nada. Existe a possibilidade de ampliar o tempo de duração da medida?
Teria que alterar a lei.
Acha que será o caso?
Não sei. Creio que não. Creio que, antes disso, vamos reabrir (agências). Mas não tenho bola de cristal. Se não reabrir, é o caso de repensar a lei. Mas isso vale para auxílio emergencial, para tudo. Mesma lógica de todas as medidas emergenciais adotadas agora, porque a expectativa é de que, após três meses, a economia já tenha voltado à normalidade ou, pelo menos, a algo mais próximo da normalidade.
O Congresso também tem proposto uma série de medidas e, em uma delas, aprovou a ampliação do acesso ao BPC, mudando o critério de renda para meio salário mínimo. O STF segurou a mudança. Seria grave?
Insustentável. Teria um impacto de R$ 20 bilhões por ano. O problema não é o fato de custar R$ 20 bilhões este ano, é de serem R$ 20 bilhões todos os anos. É despesa continuada. Seria uma medida irresponsável e inconstitucional, tanto que o Supremo derrubou. Tanto a Constituição quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelecem que, quando se cria despesa, tem que apresentar ou redução de despesa ou nova receita que compense.
O entendimento do Senado, ao aprovar a medida, foi de que é um momento delicado. Os mais vulneráveis vão precisar de ajuda e, por isso, seria preciso ampliar o alcance do benefício. O que pensa disso?
Uma coisa é você olhar a situação do momento. Numa emergência, fazer políticas compensatórias, tudo bem. Este é um ano atípico. Auxílio emergencial, antecipação de BPC, antecipação de auxílio-doença são coisas importantes para o momento. Da mesma forma, a suspensão de pagamento de tributo, a suspensão de contrato de trabalho. São medidas que têm impacto fiscal grande, mas de curto prazo. Já ampliação do BPC é uma despesa continuada. A lógica deve ser o inverso: se, neste ano, estou tendo que gastar muito, tenho que controlar a despesa nos próximos anos. Vamos ter deficit muito grande neste ano, totalmente justificado, mas depois tem que controlar, apertar o cinto.
Essa mudança iria na contramão da proposta da reforma da Previdência?
Essa ampliação do BPC teria efeito maior do que o de toda a reforma. Só a partir do terceiro ano é que o impacto da reforma passaria a ser maior. A reforma da Previdência é mais uma coisa que vai ajudar o Brasil a sair da crise depois. Imagina se não tivesse feito?
No caso da antecipação, para quem tem renda familiar acima de um quarto de salário mínimo per capita (R$ 261,25, critério atual para concessão do benefício), ela é negada de forma automática?
Nesses casos, não. Quando a renda é maior, não indefere de imediato, porque tem ação civil pública que permite que a pessoa apresente documentação mostrando que teve algumas despesas que podem abater da renda. Com medicamento, fralda, alimentação de especiais, entre outras. A gente nega, de cara, se identificar que a pessoa que quer receber BPC é servidor público municipal, por exemplo. Aí, já nega de cara. Não pode.
Teve muito pedido negado?
Tem uma parcela que é negada porque o BPC tem critério de renda. Se a pessoa não atender ou já estiver recebendo outro benefício, é negado automaticamente. Geralmente, em média, metade dos pedidos é negada. Isso depois que passam pelas três etapas, de avaliação de renda, social e médica.
Significa que metade de quem pediu não vai conseguir antecipação?
Na antecipação, como só avalia a renda, o percentual negado é bem menor. Não dá para saber quanto, até porque tem esses casos de exigências, que a maior parte das pessoas vai atender. Algumas, como a do CadÚnico, não vão ser resolvidas, porque, de fato, a pessoa não é de família de baixa renda.
Quem recebeu antecipação e, na frente, constatar que não tem direito ao BPC, tem que devolver alguma coisa?
Não, não tem que devolver. A não ser que seja configurada alguma fraude. Muito raro isso. Mas a gente sabe que sempre tem algumas coisas, gente que inventa nomes, frauda documentos. Só em situações dessas, aí, sim, devolve. E tem todas as consequências civis e penais. No auxílio emergencial, já teve esse tipo de coisa.
Acontece muita fraude? Gente que recebe aposentadoria e pede BPC, por exemplo?
Aposentadoria é raro. Quem tenta fraudar, em geral, já sabe as fragilidades. Até algum tempo atrás, a gente não tinha acesso a informações de estados e municípios. Os fraudadores sabiam disso e colocavam funcionários públicos de municípios para receber BPC. De estados, não era tão comum. Como o INSS não tinha essa informação, o benefício acabava sendo concedido. Porque, teoricamente, a pessoa não tinha renda, não tinha como checar no Imposto de Renda, não tinha dados de regime próprio de Previdência. Então, concedia. Hoje, nós temos.
Com as agências fechadas, o INSS adotou praticamente só atendimento remoto. A produtividade continua a mesma?
A produtividade aumentou. Primeiro porque os computadores do INSS são antigos, mais lentos. A rede do INSS, em boa parte do Brasil, também é lenta. A gente está melhorando a qualidade da rede. Mas, antes disso, era lenta. O servidor trabalhando em casa, geralmente, tem internet e computador melhores. Com frequência, nem sempre. Mas só isso já ajuda a ter produtividade maior. E tem o outro lado, que o cara está em casa, trabalha em outros horários quando produz mais.
O acesso no aplicativo também aumentou. Como o INSS tem lidado com isso? Estava preparado?
Aumentou. Alguns dias teve dificuldade, porque a Dataprev estava com muito trabalho, também pelo auxílio emergencial. Mas foram situações pontuais. Tivemos, no início, um problema mais complexo com o 135 (número da central de atendimento pelo telefone). Temos três call centers e, em função da covid, tivemos que reduzir o número de pessoas para garantir um afastamento maior entre os profissionais. A gente já tinha uma certa deficiência. Antes disso, já não estava uma maravilha. Tanto que estava com ideia de criar uma quarta central, porque tinha nível de espera além do ideal. Veio a covid, aumenta movimento próximo de 20%, e nossa capacidade reduziu à metade.
O maior problema de atendimento foi na central?
Foi. Deu uma dor de cabeça grande. Muito trabalho, muita correria para conseguir fazer um plano de guerra e viabilizar. Melhorou. Ainda não está o ideal. Mas, a partir do dia 15, estará no patamar que tinha antes da crise, com nível de atendentes um pouco maior. Mas, como o volume aumentou, vai ficar mais ou menos no mesmo patamar que tinha pré-covid.
Outra promessa do INSS é diminuir a burocracia para concessão de benefícios. O que tem sido feito nesse sentido?
Isso foi implementado. Por exemplo, um dos exemplos de burocracia é a pessoa ficar na agência com original e cópia para o servidor analisar e reconhecer firma. Agora, na maior parte dos casos, basta mandar cópia pelo aplicativo. Não precisa nem ir à agência com cópia. Até em função da covid, a gente permitiu que mande pelo app. Se tem como checar se o documento é verídico com dados cadastrais, aquela cópia é suficiente. Por exemplo, atestado de óbito. Tenho como checar pelo cadastro se aquela pessoa de fato morreu naquela data.
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