Apesar de a taxa básica de juros (Selic) estar em 3,75% ao ano, o menor patamar da história, os juros médios cobrados pelo mercado financeiro continuam elevados se comparados com o resto do mundo. O campeão é o cartão de crédito cujas taxas não param de subir: passaram de 322,6% ao ano, em fevereiro, para 326,4% ao ano, em março, conforme dados do Banco Central, divulgados ontem.
“Houve aumento no custo do cartão de crédito rotativo total, mostrando que essa modalidade é a mais alta taxa na economia brasileira para os clientes dos bancos. Eles (os correntistas) devem evitá-la, na medida do possível, mediante maior planejamento financeiro e pesquisa em busca de melhores taxas em termos de linha de crédito a prazo”, explicou o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, em videoconferência para jornalistas.
As concessões para esse tipo de modalidade no rotativo recuaram 3,4%, no mês, e 5,8%, no acumulado do trimestre, segundo os dados da autoridade monetária. A média total do volume de empréstimos às famílias recuou 0,3% no mês passado, em comparação com fevereiro. “As pessoas podem estar pensado duas vezes e adiando as compras. Possivelmente, essa situação com muita gente em casa reduz as despesas com cartão”, destacou Rocha.
O BC informou que a taxa média de juros das operações contratadas em março alcançou 22,7% ao ano, com quedas de 0,4 ponto percentual no mês, e de 2,3 pontos percentuais, em 12 meses. As taxas médias para pessoa física tiveram queda e 0,6 ponto percentual mês passado, mas acumulam alta de 0,1% no trimestre em 12 meses, ou seja, dando sinais de estabilidade, em média de 46,1% anuais.
No caso do financiamento para veículos, as taxas médias passaram de 19,4% para 19,8% ao ano, registrando altas de 0,4 ponto percentual no mês, e de 0,6% no trimestre. Os juros do cheque especial ficaram na casa de 130% anuais, praticamente estáveis em relação ao mês anterior.
Rocha não comentou se a oferta de crédito está sendo suficiente para atender a demanda no mercado porque, segundo ele, os dados que o BC coleta junto aos bancos são referentes apenas aos empréstimos contratados.
Operações de crédito
Conforme dados do BC, o saldo das operações de crédito no Sistema Financeiro Nacional totalizou R$ 3,6 trilhões em março, registrou avanço 2,9% no mês, com aumento de 6,4% na carteira de pessoas jurídicas (de R$1,5 trilhão) e de 0,3% na de pessoas físicas (de R$ 2,1 trilhões). Como consequência, o crescimento em doze meses da carteira total cresceu 7,4%, em fevereiro, para 9,6%, em março.
Ao ser questionado pelo Correio sobre se os dados de março ainda não refletem a piora da atividade econômica devido à pandemia da Covid-19, Rocha foi taxativo. “Os dados refletem adequadamente as condições da economia.”
O BC informou ainda que os números dessazonalizados do mercado de crédito, em março, considerando os mesmos números de dias úteis, apontam para uma queda maior nas operações para as famílias, de 12% entre fevereiro e março no mercado financeiro, desconsiderando o crédito direcionado de bancos públicos. Nessa forma de contabilização, o volume total de crédito teve avanço de 3,5% no mês e de 6,2% no trimestre.
Os dados do relatório do BC mostram ainda que a taxa média de inadimplência registrou crescimento entre fevereiro e março, passando de 3% para 3,2%. A incidência de calote da pessoa física passou de 3,6% para 3,9% no mesmo período. A da pessoa jurídica recuou de 2,2% para 2,1%.
A taxa média do spread bancário no mercado financeiro (a diferença entre os custos de captação e de empréstimos aos bancos, incluindo a margem de lucro) teve recuo entre fevereiro e março, 18,6 para 18 pontos percentuais, com aumento de 0,2 ponto percentual no acumulado do trimestre, de acordo com o relatório do BC.
Apesar da queda dos juros, as empresas não estão conseguindo acessar o crédito junto aos bancos públicos e privados. “No caso do banco privado, com a atual conjuntura, o crédito ficará mais restrito e será preciso que os bancos públicos atuem com maior oferta para as empresas que estão com dificuldades para financiar o capital de giro e pagar a folha de funcionários”, alertou o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). Ele prevê retração de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, considerou o aumento de 15% nas concessões de crédito com recursos, na comparação de março de 2019, “um bom sinal”, apesar de março ter sido pouco afetado pela pandemia. Contudo, lembrou que o custo ainda está muito elevado. “O comportamento dos juros e do spread do crédito com recursos livres continuou em queda, embora ainda em níveis extremamente elevados para uma taxa básica de menos de 4% ao ano e inflação abaixo de 3,5% anuais”, completou.