Com a maior parte da população em casa para se proteger do novo coronavírus, cresce no mercado financeiro a expectativa de que esse momento de isolamento social reforce o uso de ferramentas de pagamentos digitais no Brasil. Afinal, a maior parte das compras realizadas nesse período tem sido feita por canais digitais como aplicativos e lojas de e-commerce. Por isso, o Banco Central (BC) promete não interromper a sua agenda de inovação por conta da pandemia do novo coronavírus e a Associação Brasileira das Empresas de Cartões (Abecs) espera chegar a 60% do consumo das famílias brasileiras.
“A crise vai provocar uma implementação mais rápida de processos com tecnologia na indústria financeira”, disse o diretor de Regulação do BC, Otávio Damaso, em teleconferência promovida pela Focaccia Amaral e Lamoniza Advogados, com um grupo de fintechs, nesta semana. O diretor argumentou que, depois dessa experiência, os brasileiros devem se acostumar a fazer um número cada vez maior de transações financeiras de forma virtual e podem até ser forçados a isso, caso o home-office cresça no pós-pandemia, deixando as pessoas cada vez mais em casa, como preveem alguns analistas. Por isso, garantiu que o BC não adiará a implantação da sua agenda de inovação, a Agenda BC#, que prevê a implementação de dois projetos importantes para a indústria financeira neste ano: o pagamento instantâneo e o Open Banking. “Para o pós-Covid, vejo a Agenda BC# sendo fortalecida. O processo de transformação e inclusão digital será aprofundado. E os processos serão profundos e rápidos”, afirmou Damaso.
Responsável por operacionalizar boa parte dos pagamentos que acontecem de forma virtual, a indústria de cartões reforça que deve haver um crescimento das transações e das compras remotas neste ano. Presidente da Abecs, Pedro Coutinho disse que, enquanto o varejo físico caiu cerca de 50% desde o início da pandemia do novo coronavírus, já que as pessoas não estão nas ruas para consumir, as compras remotas que são pagas por cartões de crédito ou débito cresceram 30%.
“A troca do dinheiro físico pelos meios digitais vai ocorrer. Tem 30 dias que não saco dinheiro e só uso dinheiro digital. E muitas pessoas também estão nessa situação. Então, o uso dos pagamentos digitais vai crescer. O comércio eletrônico vem crescendo muito e em uma velocidade grande, porque as pequenas empresas passaram a operar no e-commerce e as grandes empresas aumentaram claramente suas operações virtuais”, destacou Coutinho.
De acordo com o executivo, ainda contribui com esse movimento o fato de que a maior parte dos 46 milhões de trabalhadores informais que pediram o auxílio emergencial de R$ 600 ao governo receberão esse recurso em contas digitais. A Caixa prevê que 30 milhões de poupanças digitais serão abertas por conta disso durante a pandemia. Isso confirma que esse movimento permitirá que muita gente tenha a primeira conta bancária e, também, o primeiro cartão. Até ontem, 48,3 milhões de cadastros foram finalizados.
A Caixa informou que “os beneficiários terão cartões de débito virtual que poderão ser utilizados em lojas habilitadas”. “Parte dessas pessoas não usava cartão e agora terá a oportunidade de ter um cartão, de débito ou pré-pago, porque vai aumentar o seu relacionamento com o banco”, acrescentou Coutinho.
Na avaliação do presidente da Abecs, o aumento das compras digitais, apesar de não ser suficiente para compensar a redução do movimento do comércio físico no faturamento do setor, ajudará a indústria de cartões a ampliar a sua participação no dia a dia dos brasileiros. Ele destacou que o segmento, que hoje já transaciona cerca de 43% de todo o consumo das famílias brasileiras, poderá atingir a meta de 60% do consumo brasileiro antes do esperado. “Fazíamos uma projeção de alcançar os 60% ao final de 2022, mas acredito que poderemos antecipar um pouco”, disse, sem, no entanto, estipular um prazo específico para isso. “Estamos refazendo os cálculos”, explicou.
Números pretensiosos
O último balanço anual da Abecs mostra que esses números ainda devem ser pretensiosos, mesmo depois da pandemia. É que, no ano passado, as compras por cartões somaram R$ 1,84 trilhão — crescimento de 18,7% que, segundo a Abecs, continuava nesse ritmo acelerado antes do choque do novo coronavírus. Por isso, os pagamentos digitais elevaram de 38% para 43% a participação no consumo das famílias brasileiras no ano passado e o setor de cartões ampliou de 24,8% para 28% a sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) do país. E 28% de todo esse movimento financeiro — o equivalente a R$ 323,5 bilhões —veio dos pagamentos realizados a distância, via comércio eletrônico, plataformas digitais e aplicativos. Um nicho que cresceu 31% em 2019 e mantém esse ritmo mesmo com a Covid-19, podendo sair ainda mais fortalecido desse momento de isolamento social.
Coutinho garantiu ainda que essa migração para o digital não é positiva apenas para o faturamento do setor. Segundo ele, a substituição do dinheiro físico para o virtual também amplia a segurança do setor e reduz os gastos do governo e das empresas brasileiras. Afinal, desincentiva roubos, reduz o custo com a emissão de moeda e também diminui os gastos do comércio e dos bancos com o transporte e a segurança do dinheiro em espécie. “O Banco Central tem um custo de aproximadamente R$ 1 bilhão por ano com a reposição de moedas. E, além disso, tem o custo de manuseio desses recursos, toda a parte de impostos, carro-forte, recolhimento de numerário. É um custo enorme, que afeta o Custo Brasil”, disse.
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