A pandemia da Covid-19, provocada pelo novo coronavírus, está fazendo um estrago sem precedentes na economia global, que poderá registrar a maior recessão desde a Grande Depressão, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê retração de 3% na economia global e de 5,3% na do Brasil. E, no centro dessa crise, está a China, que foi a origem da pandemia da Covid-19, e nesse cenário turbulento provocado pelo novo coronavírus sem uma perspectiva de calmaria.
A dependência das economias pelos produtos chineses ficou mais evidente e as discussões sobre uma reindustrialização para que os países sejam menos dependentes da China ganharam força nos Estados Unidos e entre integrantes do governo.
A China é o maior exportador do mundo, respondendo por R$ 2,5 trilhões ou 16,2% dos embarques internacionais globais, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC). Quando o país asiático fechou as fronteiras para estrangeiros em janeiro deste ano devido à Covid-19, fábricas em vários países começaram a interromper a produção devido à falta de componentes chineses, como as de eletroeletrônicos e de automóveis.
Analistas ouvidos pelo Correio admitem que as mudanças pós-pandemia podem ser grandes em vários aspectos, mas eles têm dúvidas se haverá chances de o país recuperar o espaço perdido pela indústria nacional dentro e fora do país. Agora, com a China começando a se recuperar, as apostas são que ela continuará tendo predominância no cenário global, dificultando qualquer processo reindustrialização doméstica, principalmente, no Brasil.
O processo de desindustrialização aqui começou cedo, antes de a população ter uma renda média alta como aconteceu nas nações desenvolvidas. O custo disso, com a economia brasileira crescendo muito pouco nos últimos anos, está sendo bastante elevado, porque não há perspectivas para o país elevar a renda média da população tão cedo.
Na avaliação dos especialistas, o Brasil dificilmente conseguirá reverter esse processo na atual conjuntura. A falta de competitividade do Brasil no mercado externo fez com que os produtos industrializados perdessem espaço para os básicos, cuja participação nas exportações brasileiras saltasse de 21%, em 2001, para 50%, em 2019. Eles lembram que ganhar espaço durante a retomada, operando abaixo de 70% da capacidade produtiva pelas estimativas do mercado, será difícil garantir competitividade em um mercado externo que poderá ser mais protecionista. Contudo, a crise é uma oportunidade para o país se reinventar e avançar nas tecnologias da indústria 4.0 para sobreviver, algo ainda muito atrasado no país.
Para a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria, não há espaço para uma reindustrialização do país, porque a China continuará sendo mais competitiva do que a brasileira quando o mundo voltar à normalidade. “A dificuldade da chegada de insumos da China pode abrir uma oportunidade para a indústria. Mas não sou otimista ao ponto de achar que o processo de reindustrialização será tomado. É um suspiro de curtíssimo prazo. A China é muito eficiente e consegue concorrer de forma agressiva com o mundo”, explica.
“Antes de voltar a crescer, o desemprego vai disparar, podendo passar de 15%. O país estava em um processo gradual de saída de uma recessão e tinha muitos problemas fiscais e de endividamento de famílias e de empresas que devem se agravar. Logo, o processo de retomada do Brasil vai ser muito mais lento do que o dos demais países”, alerta o economista Marcio Holland, ex-secretário de Política Econômica e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ao ver de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, ao contrário dos Estados Unidos, a maioria da indústria que está instalada no país é estrangeira. Além disso, o elevado custo da energia local faz com que a competição do país com produtos manufaturados fique inviável no cenário externo. “Aqui, a produção de energia é barata, mas os custos da distribuição são absurdamente elevados, principalmente, devido ao grande número de contribuições e impostos embutidos na conta para o consumidor”, lamenta.
Saúde como defesa
Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE), de Washington, avalia que existe uma discussão mais importante do que a de reindustrialização que também está emergindo. Ela lembra que, além de as teorias macroeconômicas estarem em mudança diante da busca de soluções para a crise, os governos precisam ficar atentos para incluir a saúde como um item de defesa nacional pós-pandemia. “Estamos vendo que equipamento médico é uma questão importante para a sobrevivência da população e, consequentemente, da economia. Portanto, não é a reindustrialização que precisa ser discutida, mas a inclusão da saúde como um item dos mecanismos de defesa de um país”, aposta.
Para ela, o país que tem autonomia na produção de equipamentos médicos e de reagentes químicos para exames faz parte de um arsenal de defesa que tem que ser pensado pelos governos daqui para frente. Será necessário pensar em um orçamento para isso também. “Incluir saúde na defesa e direcionar recursos para ter capacidade de resposta e não ser tão dependente de coisas muito básicas é fundamental para o enfrentamento de momentos de crise, como o atual.”
No entender de Monica, não faz sentido voltar a pensar em verticalização industrial, pois seria um retrocesso em um mundo que tem processos produtivos globalizados. “Vejo uma reorganização dessa indústria mais voltada para medicamentos e saúde se destacando como de um arsenal de defesa”, explica.
Maior parceiro comercial brasileiro
A China entrou na Organização Mundial de Comércio (OMC) em 2001 e, em menos de 10 anos, virou a segunda maior potência do planeta. Antes da pandemia, as estimativas eram que poderia ultrapassar os Estados Unidos em tamanho de Produto Interno Bruto (PIB) antes de 2030, mas as previsões deverão ser revistas. O país asiático é o segundo maior importador do mundo e o primeiro cliente de produtos brasileiros, principalmente, de commodities. A leve retomada da China já vem fazendo as exportações nacionais crescerem.
Oportunidade em meio à crise
Enquanto muitos setores da indústria estão vendo as receitas despencarem durante a pandemia, como aviação, petróleo e mineração, outros podem encontrar oportunidades no meio dessa crise. Uma delas é o caso da indústria têxtil, que ainda sobrevive, apesar da forte concorrência com os produtos chineses após a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC).
“O que estamos vendo, hoje, é a criação de uma forte dependência de produtos industrializados chineses e, no Brasil, não é fácil competir com tanta burocracia, tributos e custos logísticos no país”, avalia o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. Ele conta que fábricas nacionais estão se remodelando e se aperfeiçoando para atender aos hospitais, aos profissionais de saúde e à população. “Antes da pandemia, a demanda por máscaras cirúrgicas era de 30 milhões por mês e 80% delas eram importadas. Hoje, fabricantes tradicionais estão com capacidade para produzirem 60 milhões a 70 milhões unidades mensais”, diz.
O debate sobre desindustrialização antecipada do Brasil é antigo, mas a cadeia produtiva global deverá sofrer mudanças por conta da Covid-19, no entender de Cristina Helena Pinto de Mello, economista e pró-reitora nacional da pesquisa da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ela ressalta que, nesse sentido, o país precisará ficar atento a esse movimento se quiser participar de um processo de retomada mais acelerado. “Alguns setores estão ganhando, como a indústria farmacêutica e de serviços digitalizados, mas a desindustrialização é uma realidade que dificilmente será revertida, porque faz parte do processo de crescimento da economia”, destaca. Cristina reforça que uma possibilidade é uma mudança na configuração das cadeias globalizadas, com tendência de regionalização. “Essa é uma questão importante e o país vai ter que estar preparado para definir setores estratégicos para direcionar uma boas políticas econômica e industrial setorial”, avalia.
Renata de Mello Franco, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), defende um plano estratégico do governo para indústria de longo prazo, com uma política industrial com prioridades de investimentos em capacitação e pesquisa e desenvolvimento. “O Brasil investe muito pouco nessas áreas e precisa passar a considerá-las estratégicas no processo de retomada”, orienta.
Na avaliação do economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, o momento atual pode ser uma oportunidade para indústria, mas a falta de uma política econômica bem definida e de renda limitada do brasileiro pode prejudicar essa janela. “É normal a redução relativa da indústria na economia na medida em que o PIB (Produto Interno Bruto) per capita sobe, pois a cesta de produtos de consumo aumenta em serviços. Mas isso ocorreu no Brasil sem que o país tivesse atingido uma renda per capita mais elevada. O país não consegue mais crescer em ritmo mais acelerado, porque o potencial de consumo também é limitado pela renda”, lamenta.