Correio Braziliense
postado em 22/04/2020 17:41
O deputado Wellington Roberto (PL-PB) retirou o pedido de urgência do projeto (PLP 34/20), que cria o empréstimo compulsório de até 10% do lucro das empresas com patrimônio superior a R$ 1 bilhão (apurado no ano passado) para fazer frente a despesas urgentes, em consequência da situação de calamidade pública pelo coronavírus. A previsão era de garantir mais R$ 100 bilhões para a compra de insumos do tratamento da Covid-19, segundo o autor da proposta. Mas o assunto, embora tenha atraído severas críticas de especialistas e do setor produtivo, não morreu. A matéria deverá voltar à pauta na próxima semana, informa o deputado.
“Pedi ao presidente (da Câmara, Rodrigo Maia, DEM-RJ) para suspender a votação hoje para dirimir algumas dúvidas e fake news que falam em confisco. Esse projeto quer que mostrem a cara aqueles que não fizeram nada diante da pandemia. O peso sempre cai nas costas do trabalhador. A sociedade não pode pagar essa conta. É uma questão de justiça”, afirmou Roberto. Ele lembrou que o dinheiro – no pós-crise - será devolvido depois de quatro anos, no prazo de 12 meses, corrigido pelos juros oficiais (taxa Selic) e o que não for eventualmente usado na pandemia, no curto prazo, será devolvido em 90 dias. “Esses setores nunca fizeram nada, a não ser criar empregos para a sua sobrevivência”, enfatizou.
Reação
Desde o final de semana, as grandes companhias entraram em pânico. Entidades empresariais se reuniram para tentar barrar a votação. Dirigentes de importantes segmentos divulgaram lives pedindo que o Congresso não acate o projeto de Roberto. Entre as alegações estavam inconstitucionalidade, repercussão negativa – mataria empregos em vez de criar vagas de trabalho -, insegurança jurídica e falta de confiança dos investidores. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o PLP 34 vai na direção contrária aos desafios da indústria de manter produção, abastecimento e empregos neste momento de retração econômica.
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, alerta que o momento requer medidas como a flexibilização monetária, redução de juros, abertura de linhas de crédito e adiamento do pagamento de tributos, diante das dificuldades com capital de giro, tendo em vista a redução do consumo durante o confinamento para a superação da crise. “A hora é de viabilizar a continuidade dos negócios e a manutenção do emprego. Esse projeto traria grande impacto econômico às empresas, gerando sem dúvida o efeito contrário ao esperado”, diz Andrade. A associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) também alertou para os riscos.
Segundo o presidente da Abit, Fernando Pimentel, o projeto é "péssimo para este momento que estamos vivendo, em que precisamos de mais liquidez para que as empresas possam sobreviver e ultrapassar a fase crítica da pandemia, preservando, ao mesmo tempo, o maior número de empregos". Ele lembra que a entidade representa um setor que gera, diretamente, 1,5 milhão de empregos em todo o território nacional. O Ministério da Economia também é contra. Por meio de nota, informa que “a proposição em análise não é adequada para atingir os próprios objetivos”.
Resposta oficial
Entre os motivos, o Ministério aponta que é medica é desnecessária já que o mercado de títulos públicos do Brasil é bem desenvolvido para captar, a custos razoáveis, os recursos para o custeio de despesas emergenciais do governo para combater a pandemia do coronavírus. Diz ainda que o Brasil já institucionalizou mecanismos eficientes de contratação e gestão de dívida e a União não tem qualquer dificuldade em se financiar com a adesão voluntária dos investidores por meio da emissão de títulos indexados à taxa Selic.
Segundo o ministério, o PLP 34/2020 traz enormes dificuldades operacionais, “quando comparada com a suavidade e eficiência dos processos de contratação e gestão de dívida hoje a cargo da Tesouro Nacional”. Além de, destaca o órgão, gerar inúmeras, complexas e desnecessárias demandas judiciais. “Pode ser nociva à imagem do Tesouro Nacional, pois sinaliza ao mercado, equivocadamente, que o órgão público teria alguma dificuldade de se financiar, o que não é o caso”. Igualmente é prejudica as empresas _ que já estão enfrentando dificuldades de caixa e que podem precisar se desfazer de ativos para pagar o empréstimo compulsório – e é “prejudicial à imagem do Brasil em relação à atração de novos investimentos, seja por meio de dívida ou de investimentos diretos”.
Especialistas
O economista Mauro Rochlin, professor dos MBAs da FGV, destaca que, se por uma ótica a proposta tem um lado bom, “por se ver que há uma preocupação com a população, por outro, a proposta é irresponsável, por se tratar de um imposto que vai prejudicar as empresas e causar judicialização”. Fernando Aquino, conselheiro e coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), afirma “ela (proposta) é agressiva”. “O governo pode emitir títulos, expandir a base tributária, entre outras ações. E se quiser mesmo exercer a soberania, pode até criar tributos, por exemplo, sobre os altos rendimentos”.
Richard Edward Dotoli, sócio da área tributária do Costa Tavares Paes Advogados, afirma que a medida tem constitucionalidade duvidosa, por pretender alcançar fatos pretéritos para apresentar a “solução mágica” do empréstimo compulsório, um tributo que nunca deu certo, tampouco foi devolvido, exceto com custosas e intermináveis medida judiciais. “Causa estranheza um representante do Poder Legislativo fazer tal propositura, enquanto majoritariamente os economistas indicam medidas anticíclicas de gasto do governo para a preservação dos níveis de consumo".
Saiba Mais
Camila Mazzer de Aquino, coordenadora da área tributária do WZ Advogados, avalia que existem dois aspectos importantes. “O primeiro é do ponto de vista tributário: o projeto tem uma previsão claramente inconstitucional. Ele prevê que será tributado lucro líquido nos doze meses anteriores à lei, ou seja, ele retroage, alcança fatos geradores anteriores à lei, e isso, a Constituição Federal não permite, mesmo no caso de empréstimo compulsório. Outro problema é a existência de outros tributos que oneram o lucro líquido, como o imposto de renda, a contribuição social sobre o lucro líquido e, agora, mais um”, reafirma.
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