À medida que maio se aproxima e o temido colapso do sistema de saúde diante da crise da Covid-19 bate à nossa porta, acabou o tempo para disputas políticas desfocadas da atual realidade. Cabe partir para soluções efetivas, sob pena de vivermos um caos social jamais imaginado em nosso país (veja Equador). Primeiro, é preciso estimar a demanda adicional por serviços hospitalares nos próximos meses em cada ente subnacional (pois, obviamente, serão as administrações estaduais e municipais, mais próximas das comunidades envolvidas, que sofrerão o impacto mais forte da crise). Depois, compará-la com a oferta que hoje se estima para esses mesmos serviços. Quanto maior for o novo hiato, maior será a necessidade de uma ampliação em tempo recorde, não importa como isso será financiado, pois é uma situação de guerra.
Como fechar esse hiato, no contexto da perda de arrecadação que vem ocorrendo desde o início da crise, ante a iminente desabada de 5,5% (ou mais) do PIB nacional, e em cima da mal diagnosticada crise financeira aguda que a grande maioria dos entes vem enfrentando há alguns anos por outras causas? Como tem se situado a União nisso tudo? Afinal de contas, como se verá a seguir, se tiver de sair dinheiro novo de vulto de algum lugar, somente com origem nos seus cofres é que isso poderá ocorrer.
Conforme projeções de estudo recente citado em https://cidadeverde.com/fenelonrocha/105864/estudo-diz-que-piaui-ficara-64-dias-com-deficit-de-utiutm?_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar, as perspectivas não são boas. Nos próximos meses, tenderá a faltar UTI em toda a federação. De uma amostra de sete estados, do pior para o menos ruim, teremos 73 dias com deficits de UTI no Ceará, 64 no Piauí, 60 no Maranhão e na Bahia, 58 em São Paulo, 50 em Pernambuco e 17 no Distrito Federal. Por esse cálculo, o pico da doença ocorrerá por volta de 24 de maio.
A exemplo de vários, nunca houve abundância de leitos de Terapia Intensiva (TI) no Piauí, que peguei para olhar mais fundo. Para piorar, os leitos destinados aos casos da Covid-19 têm de ser exclusivos, além de não poder haver cruzamento de funcionários e pacientes com os das demais operações.
Na atual gestão piauiense, ter-se-á conseguido dobrar a capacidade de TI pública, ao tempo que a rede privada também crescia. Mesmo assim, a síntese de tudo é que, hoje, o Estado só dispõe de 422 leitos de TI, o que, pelos estudos locais, é considerado insuficiente. Diante disso, não só o Piauí, mas todos os estados desencadearam uma corrida rumo aos fornecedores de equipamentos, especialmente ventiladores mecânicos, muito deles hoje em falta.
Quanto à situação financeira dos estados, essa infelizmente tem estado caótica nos últimos anos, em que pese a gestão competente que se possa observar tanto nas áreas finalísticas como no setor financeiro de alguns desses entes (como no caso do Piauí). Diante da disparada dos deficits previdenciários agregados estaduais, que oscilavam ao redor de R$ 24 bilhões/ano entre 2006 e 2011, e passaram a R$ 102 bilhões em 2018, os “deficits orçamentários” totais, que oscilavam em torno de zero até 2013, subiram para o patamar de R$ 20 bilhões/ano, entre 2015 e 2018. Daí surgirem atrasados de monta, algo que hoje deve girar ao redor de R$ 100 bilhões, contrariando a lei e criando enormes dificuldades para os fornecedores e prestadores de serviços respectivos. É em cima disso que os gastos adicionais devidos à Covid-19 e as perdas de receita terão de ser enfrentadas. Ou seja, juntaram-se elementos típicos de guerra a desequilíbrios estruturais agudos preexistentes.
Não há espaço para expor a solução completa, mas graças a uma visão míope o governo não vem tratando o problema estrutural da melhor forma possível, e não parece entender que estamos vivendo o epicentro de uma guerra sem precedentes. Nessas condições, o que se tem de fazer de imediato é emitir moeda (o que só a União pode fazer para se financiar –– no que, aliás, tem usado e abusado desde 2012, sem guerra nenhuma por trás), transferi-la para quem está na ponta da execução do processo, para, só depois, ver o que terá de fazer para reorganizar a macroeconomia, ao tempo que traria de volta o problema estrutural. Neste exato momento, trava-se uma queda de braço com os entes subnacionais, que só não jogaram toalha porque a Câmara Federal resolveu comprar sua causa e aprovou uma PEC salvadora, a depender de ratificação do Senado.
Na humildade de seu peso relativo na economia, o Piauí acaba de anunciar um corte de gastos de R$ 220 milhões, representando 2,2% da receita total. Nesse ajuste, se incluiriam um corte de 15% nos salários da cúpula e dos gestores de órgãos e secretarias, cargos em comissão etc. do Poder Executivo, e ainda algo análogo nos salários pagos pelos chamados Poderes Autônomos (Judiciário, Legislativo etc.). Um bom exemplo. A Câmara Federal bem que poderia segui-lo e, na mesma linha, aprovar o projeto que regulamenta o teto remuneratório dos servidores públicos.