Economia

Cautela na instabilidade

Pequeno investidor deve ter parcimônia se quiser aproveitar o momento de baixa, pois analistas ainda preveem novas perdas no mercado de ações. Empresas de energia, celulose e telecomunicações estão entre as opções mais atraentes





Em março, a B3 registrou volume recorde de investidores pessoa física, de 2,2 milhões, mas, desde fevereiro, a participação desses aplicadores está estável na Bolsa em 15,9%. Isso mostra que o pequeno investidor está ressabiado com o sobe e desce das ações, com tombos inevitáveis diante da perda acumulada de R$ 1,4 trilhão no ano. A Petrobras foi a que mais perdeu valor de mercado, de R$ 187,5 bilhões, segundo a Economática.

“A Bolsa se tornou o pior investimento do ano porque o desempenho dela depende muito do resultado das empresas de capital aberto. Em um ambiente em que as firmas estão paradas, sem faturamento e endividadas, com falta de expectativas do que vem pela frente. Naturalmente, isso faz com que o preço das ações caiam”, explica o economista Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo de estudos e pesquisas econômicas da Associação Nacional de Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac). “Outro agravante é que, com a queda das taxas de juros que vinham acontecendo e com a rentabilidade dos fundos de investimentos perdendo para a inflação, houve um incremento muito grande de pessoas físicas entrando na Bolsa que não estavam preparadas e que perderam dinheiro neste ano”, destaca.

Analistas orientam o pequeno investidor a ter cautela neste momento instável. Segundo eles, para quem entrou na Bolsa e está vendo o seu patrimônio encolher, não é o momento de sair. Mas, se alguém quiser arriscar, achando que o preço tá barato, é melhor esperar um pouco mais. “O melhor agora é ter cautela antes de tomar decisões precipitadas. Se quiser entrar na Bolsa, é melhor comprar ações aos poucos, para diluir as perdas, porque é provável que o Ibovespa caia ainda mais um pouco nesse ambiente ainda incerto”, orienta Fernando Ferreira, da XP Investimentos.

A XP reduziu de 132 mil para 94 mil pontos a estimativa para o fechamento da B3 no ano, considerando que a economia comece a se recuperar no segundo semestre. No caso de demora nesse processo de retomada, Ferreira admite que, no cenário pessimista, poderá ficar entre 50 mil e 60 mil pontos no fim de dezembro.

De acordo com Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, com a crise atual, é inevitável que a maioria das empresas listadas na Bolsa acabe sofrendo. Mas o impacto é menor entre as empresas dos setores de energia (mais precisamente companhias de transmissão, que têm contratos regulados e estipulados por períodos mais longos), setor de celulose e telecomunicações. “As que serão mais impactadas são as dos setores de turismo, aviação, varejo ampliado e construção civil”, alerta. “Com a expectativa de renda menor, as pessoas priorizam a compra de insumos mais necessários para o dia a dia e não devem comprar tão cedo bens duráveis ou imóveis”.

Recessão

Em meio ao avanço da pandemia da Covid-19, as projeções para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro também estão mudando de forma constante. A recessão global está contratada, falta saber exatamente qual será a intensidade. O consenso entre analistas é que a crise é inédita. Nos Estados Unidos, há quem admita que o mundo pode entrar em uma “Era do gelo econômico”, com previsões de queda de até 50% no PIB norte-americano no segundo trimestre, o que provocará consequências mundiais.

Pelas previsões do Goldman Sachs, a América Latina atravessará “a pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial”, registrando queda de 3,8%. O banco prevê recuo de 3,4% no PIB brasileiro. Enquanto isso, a Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê que o país poderá encolher até 8%, este ano, no cenário mais pessimista, com retração do comércio global de 32%.

“Havia uma determinada trajetória de crescimento da economia mundial e havia a perspectiva de redução adicional dos juros. Isso era animador para a Bolsa. A pandemia mudou tudo. Os juros continuam caindo, mas a volatilidade dos mercados aumentou. E esses movimentos arrebentam as Bolsas do mundo inteiro, porque geram incertezas”, avalia José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, que entrou para o clube dos mais pessimistas ao reduzir de 130 mil para 50 mil pontos a previsão para o Ibovespa neste ano. “As empresas com maior peso na B3 são do setor de commodities, como petróleo e minério e, como os preços desses produtos desabaram devido à queda da demanda, não acredito que elas devam ter bons resultados este ano”, complementa. Pelas projeções dele, o PIB brasileiro poderá encolher até 3,6% em 2020.

Nas novas previsões, o risco político começa a entrar na conta, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro insiste em minimizar a gravidade da pandemia. Antes, as declarações e ações polêmicas do chefe do Executivo eram ignoradas pelo mercado, apesar de a equipe econômica não apresentar medidas complementares à reforma da Previdência, aprovada no fim do ano passado. As propostas de reformas tributária e administrativa foram adiadas ao máximo, e o governo perdeu o protagonismo para o Congresso nessa agenda, que não deverá avançar devido à pandemia. “O risco político precisa ser contabilizado, porque há lentidão na formulação, na aprovação e na implementação das medidas fiscais”, pontua Gonçalves.