O ministro da Economia, Paulo Guedes, calcula que as medidas de enfrentamento à crise sanitária e econômica causada pelo coronavírus injetarão R$ 750 bilhões na economia brasileira, nos próximos três ou quatro meses. O montante representa 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) e mostra que o “governo reage à alta velocidade a tudo isso”, conforme enfatizou. Nem todos, contudo, concordam com isso. Analistas e empresários dizem que esse desembolso poderia ser maior e, sobretudo, mais rápido. Afinal, parte das medidas anunciadas pelo governo ainda não entrou em vigor (veja o quadro).
“Do ponto de vista do deficit, estamos gastando mais que qualquer país da América Latina”, afirmou Guedes, ontem, em coletiva de imprensa realizada pelo Palácio do Planalto, sobre as medidas de combate à Covid-19, citando como exemplo dessas medidas o pagamento mensal de R$ 600 aos trabalhadores informais e a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas.
“O deficit estrutural do Brasil, que era de 2,6%, já está em 5,2% do PIB e vai continuar subindo. A instrução do presidente Bolsonaro é não deixar nenhum brasileiro para trás. Todos os recursos necessários para a defesa da saúde e dos empregos dos brasileiros serão mobilizados”, acrescentou o ministro, prometendo publicar a qualquer momento a medida provisória que vai permitir a suspensão de contratos de trabalho e a redução da carga horária dos trabalhadores formais durante a pandemia.
Analistas e empresários ouvidos pelo Correio até consideram que as medidas são positivas, mas só surtirão efeito se forem implementadas com celeridade. É que algumas das anunciadas como um “socorro” aos trabalhadores e às empresas ainda não entraram em vigor. O pagamento de R$ 600 aos informais, por exemplo, só deve começar em 16 de abril. Já o financiamento da folha de pagamento das pequenas e médias empresas também depende da publicação de uma medida provisória e, por isso, só deve começar a valer em aproximadamente dez dias –– no limite da folha salarial de abril. E a publicação da MP que vai permitir a suspensão do contrato de trabalho é prometida há mais de uma semana.
“A direção é correta, mas o tempo não. Prova disso é que, diante de toda essa crise, o governo vai levar 15 dias para pagar os beneficiários do Bolsa Família”, condenou o secretário-geral da associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, classificando como “preocupante essa burocracia e lentidão”. “A fome não espera. Então, se não houver mais celeridade, o Brasil pode entrar em convulsão social”, avisou.
Estrategista-chefe do banco digital ModalMais, Felipe Sichel disse que o sentimento é semelhante em parte do empresariado brasileiro. “O governo anunciou boas medidas, mas poderia executá-las mais rapidamente”, afirmou, explicando que essa demora pode custar o emprego de muita gente. “As empresas grandes que têm um bom caixa podem aguardar. Mas as pequenas, que não têm tanto caixa, terão que começar a reduzir custo. E, como a folha de pagamento é o principal custo dessas empresas, pode haver cortes”, apontou.
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci reconheceu que a demora é um problema e disse que, por isso, 100 mil demissões foram realizadas no setor de bares e restaurantes nos últimos 15 dias. O presidente do Sebrae, Carlos Melles, corrobora.
“As linhas de crédito são essenciais, mas as micro e pequenas empresas nos informam que dinheiro não chega, que o processo de conseguir crédito ainda está muito burocrático”, lastimou.
O ritmo de pagamento dos informais também foi criticado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que fez Guedes rebater as críticas. “As medidas econômicas estão avançando, mas elas vão para a Casa Civil, para o presidente, a CGU, a AGU. É um rito burocrático que se segue, porque nós estamos lidando com recurso público”, alfinetou o ministro, garantindo que o governo sabe que “qualquer atraso é calamitoso”, “quer implementar isso o mais rápido possível” e, por isso, está reagindo “a alta velocidade a tudo isso”.
O que vale e o que está para valer
Emprego
» A MP 927 permitiu que as empresas coloquem os empregados em teletrabalho, antecipem férias individuais, concedam férias coletivas, antecipem feriados não religiosos e ampliem o banco de horas. Já está em vigor.
» Outra MP deve permitir a suspensão temporária do contrato de trabalho ou a redução da carga horária e do rendimento dos trabalhadores durante a pandemia. No caso da suspensão do contrato, o trabalhador terá direito a 100% do seguro-desemprego. Já a redução do salário poderá ser de 25%, 50% ou 70%. Nesse caso, o trabalhador receberá a mesma parcela do seguro-desemprego como compensação. O governo promete publicar a MP “a qualquer momento”.
» O governo anunciou crédito de R$ 40 bilhões, com juros subsidiados, para pequenas e médias empresas pagarem o salário dos empregados. A linha estará em vigor por dois meses e vai cobrir até dois salários mínimos (R$ 2.090) por funcionário. Depende de publicação de medida provisória, que deve sair em 10 dias, segundo o governo.
Benefícios sociais e trabalhistas
» O governo vai pagar um auxílio emergencial de R$ 600/mês aos trabalhadores informais, trabalhadores por conta própria e microempreendedores individuais. O sistema de pagamento desse benefício, contudo, ainda está sendo preparado. Por isso, o depósito só deve começar na segunda quinzena de abril.
» Cerca de 1,2 milhão de famílias vão ser incorporadas ao Bolsa Família em abril. Com isso, o programa vai passar a atender mais de 14 milhões de famílias. A MP 929 liberou os R$ 3 bilhões necessários à ampliação. Mas o pagamento deve seguir o calendário do Bolsa Família, que começa no dia 16.
» O pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS será antecipado para abril (primeira parcela) e maio (segunda parcela). A MP 927 permitiu a antecipação.
» O pagamento do abono salarial será antecipado para junho. Uma resolução do Codefat deve regulamentar a antecipação.
» A prova de vida e o recadastramento anual de aposentados, pensionistas e anistiados civis foram suspensos por 120 dias para evitar aglomerações nas agências do INSS. A suspensão foi regulamentada pela Portaria 373 do INSS e está em vigor.
» A perícia médica necessária à concessão do BPC e do auxílio-doença também foi suspensa temporariamente. Os interessados em receber os benefícios devem enviar os exames médicos pelo aplicativo do INSS. O projeto de lei que vai permitir isso ainda não foi sancionado, apesar de as agências do INSS já estarem trabalhando apenas em regime de plantão.
Novos recursos
» O governo prometeu transferir os R$ 20 bilhões que não foram sacados do PIS/Pasep para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para permitir novos saques do FGTS. A medida provisória ainda não foi publicada.
Adiamento de cobranças
» Empresas e empregadores domésticos podem suspender, por três meses, o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A possibilidade foi regulamentada pela Circular nº 897 da Caixa e está em vigor.
» As empresas podem suspender por três meses o recolhimento da parte referente à parcela da União no Simples. Regulamentada pela Resolução nº 152 do CGSN e está em vigor.
» A cobrança das dívidas com a União foi suspensa por 90 dias. Com isso, pagamentos como os do Refis podem ser adiados por três meses sem multas. Regulamentada pela Portaria nº 103 do Ministério da Economia e está em vigor.
Crédito
» A Caixa Econômica permitiu a suspensão do pagamento das parcelas de financiamentos imobiliários e empréstimos. A medida vale por 90 dias, mas pode ser ampliada caso a pandemia do coronavírus dure
mais que o esperado. Está em vigor e pode ser solicitada pelos canais digitais do banco.
» A Caixa reduziu para 2,9% ao mês os juros do cheque especial e do rotativo do cartão de crédito. Segundo a Caixa, a nova taxa entra em vigor hoje.
» A taxa de juros do empréstimo consignado para aposentados e pensionistas do INSS foi reduzida de 2,08% para 1,80% ao mês, enquanto a taxa para o cartão de crédito passou de 3% para 2,70% ao mês. Redução foi regulamentada pela Resolução nº 1.338 do CNPS e está em vigor.
» A Caixa ampliou em R$ 111 bilhões a oferta de crédito para capital de giro, compra de carteiras, crédito agrícola e financiamento às santas casas. Recurso já está disponível.
» O BNDES permitiu a suspensão temporária do pagamento das parcelas de financiamentos realizados por empresas. Está em vigor.
» O BNDES ampliou em R$ 5 bilhões a oferta de crédito para micro, pequenas e médias empresas por meio dos bancos parceiros. Está em vigor.
» O Banco Central reduziu as exigências de alavancagens e provisionamentos dos bancos para liberar liquidez ao sistema financeiro. Possibilidade foi regulamentada pelas portarias nº 4.782 e nº 4.783 do BC e está em vigor.
Desemprego vai a 11,6%; viés é de alta
A taxa de desempego no Brasil ficou em 11,6% no trimestre encerrado em fevereiro, de acordo com os dados da Pnad Contínua, divulgados ontem, pelo IBGE. Mostra que o mercado de trabalho sinalizava deterioração antes do avanço do coronavírus. Se o cenário já não era animador, tende a ficar pior com a pandemia. Um dos sinais de preocupação é a diminuição do ritmo de melhora, conforme observa o economista-chefe do ASA Bank, Gustavo Ribeiro. Ele ressalta que são os empregos sem carteira assinada que impulsionam a criação de vagas e destaca que a massa salarial voltou a cair, de R$ 218,5 bilhões em janeiro para R$ 217,6 bilhões no mês passado. A 4E Consultoria também notou outro dado preocupante: fevereiro teve a primeira queda no emprego com carteira assinada desde setembro de 2019, com retração de 0,06% em valores dessazonalizados, de acordo com cálculos da instituição. Para os próximos meses, a desocupação deve “aumentar significativamente”.