Apesar de o governo afirmar a interlocutores de que a nova Medida Provisória (MP) que vai tratar de questões trabalhistas está pronta, a nova proposta para substituir a polêmica MP 927/2020 ainda não tem uma data para ser apresentada. A expectativa é de que saia ainda nesta semana. Enquanto isso, a MP atual continua gerando polêmicas, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter revogado o artigo 18, que permitia a suspensão por quatro meses dos contratos de trabalhos.
Para Marcos Chehab, gestor executivo do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati), a MP 927, mesmo com a revogação do artigo 18, continua problemática. Para ele, o artigo 2º é mais preocupante ainda, porque acaba com os direitos dos trabalhadores ao determinar que, durante o estado de calamidade pública, acordo individual entre empregador e trabalhador prevalece sobre os demais instrumentos normativos, respeitando os limites estabelecidos na Constituição.
“Os direitos trabalhistas são regulamentados fora da Constituição. Esse artigo destrói os direitos do trabalhador”, criticou. “Sabemos que pode haver coação do trabalhador para aceitar, por exemplo, redução de salário, o não pagamento do 13º salário ou de férias, vale-refeição. Isso vai criar polêmica junto ao Ministério Público do Trabalho”, destacou.
Na opinião do advogado, o artigo em questão “consegue ser mais nefasto para as relações de trabalho do que a reforma trabalhista”. Chehab defendeu uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a matéria.
O presidente da Organização dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, enviou nota técnica aos parlamentares na qual aponta outro artigo preocupante da MP 927, o 29º, que, segundo ele, permite a demissão do trabalhador que contrair o coronavírus. “Esperamos que o Congresso possa corrigir os equívocos e os vícios de inconstitucionalidade”, afirmou.
PSol, PT e PCdoB protocolaram no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ADI contra a medida. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou requerimento ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, para devolver a MP 927 ao Executivo.
O assunto divide opiniões. Para o presidente da Câmara Brasileira da Construção Civil (Cbic), José Carlos Martins, não houve equívoco e, sem a MP, o setor, que emprega 2 milhões de trabalhadores, precisará demitir. “Se não forem tomadas medidas, mais da metade desse contingente, junto com toda a cadeia de fornecedores, 62 setores devem perder o emprego”, afirmou.
Novo texto
A MP que vai substituir a 927 pretende flexibilizar as relações de trabalho durante o estado de calamidade pública decretado por causa do coronavírus. O texto deve retomar o artigo que permite a suspensão temporária dos contratos de trabalho e foi revogado pelo presidente. A nova versão vai deixar claro que o governo arcará com parte da renda dos trabalhadores atingidos. Eles terão acesso a um benefício como o seguro-desemprego, que será custeado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Ainda não se sabe, contudo, se o acesso será a todo o seguro ou a apenas uma parte do benefício. O que o governo promete é que, contando uma contrapartida que também seria dada pelo empregador, o trabalhador vai receber ao menos um salário mínimo (R$ 1.045).
Porém, empresários dizem que não dá para cobrar uma contrapartida muito alta de quem precisou fechar as portas por conta da pandemia e que, portanto, a maior parte da compensação deve caber ao governo.
O Ministério da Economia limitou-se a dizer que “a proposta deve ser enviada ao Congresso nos próximos dias” e que, só depois disso, “serão divulgados os detalhes para a implantação das medidas”.
Apesar das críticas das entidades trabalhistas, empresários alegam que a medida é fundamental para a manutenção dos empregos nas empresas que terão a maior parte da sua renda comprometida pelo coronavírus. “É uma forma de esses trabalhadores continuarem ligados à empresa quando as atividades retornarem”, afirmou o diretor da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali. Para o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci, o importante é a garantia de que o governo vai ajudar a pagar o salário dos funcionários nesse período de crise.
Colaboraram Simone Kafruni e Luiz Calcagno