O coronavírus desembarcou no Brasil por meio dos ricos que contraíram a doença enquanto viajavam ao exterior. Mas o pior está por vir. A contaminação está chegando às favelas do país, onde as condições precárias de saneamento e a falta de água, sabão e álcool em gel têm tudo para propagar a Covid-19 ainda mais rapidamente. Desempregado e parte do grupo de risco aos 65 anos, Plínio Rodrigues tem problemas de saúde e mora na Cidade Estrutural, uma das regiões mais pobres de Brasília. “Nós vivemos nessa situação de esgoto a céu aberto. Tentamos resolver o problema com as autoridades, mas dizem que a gente não está regularizado. A água é clandestina. Comprar álcool em gel só se tiver dinheiro”, lamenta. Plínio mora com mais três pessoas em um espaço pequeno e recebe um benefício de auxílio-doença.
Aqueles que não possuem água encanada ou rede de esgoto, como Plínio, encontram dificuldades de combater o contágio, já que a intensificação da higiene é apontada por especialistas como a melhor estratégia. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o saneamento precário é uma ameaça à saúde humana, sendo associado aos mais pobres, vulneráveis a doenças por falta de alimentação e higiene adequadas. Dados da entidade revelam que 88% das mortes por diarreias no mundo são causadas por falta de saneamento, das quais, 84% são crianças.
Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que, atualmente, 34 milhões de pessoas vivem sem água encanada no Brasil, e 100 milhões não possuem coleta de esgoto nas residências. O levantamento mostra ainda que, em 2018, 38% da água se perderam no caminho por conta de problemas em canos ou desvios, os chamados “gatos’.
Joana D’arc Gonçalves da Silva, médica infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), em Brasília, afirma que será extremamente difícil combater o vírus sem água encanada e rede de esgoto tratada. “A população precisará investir muito na questão comportamental, como evitar de tocar nas partes mucosas de nariz, boca e olhos. Ainda precisa manter uma certa distância entre cada um. Se tiver sintomas, usar máscara cirúrgica para não contaminar os outros e ainda ficar em isolamento”, enumera.
Prevenção
De acordo com o Unicef, em 2018, 14,3% das crianças e dos adolescentes não tinham acesso à água. Para Joana D’arc, a falta dos insumos básicos contribuirá para a proliferação da doença. “Já que não dá para resolver o saneamento básico rapidamente, o que pode ser feito é a distribuição gratuita do álcool em gel para pessoas carentes. E o investimento em campanhas de prevenção”, ressalta.
Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital Brasília, explica que as próximas semanas serão cruciais para reduzir a curva de crescimento da doença. Segundo ela, agir agora ajudará a impedir que o vírus atinja em cheio as camadas mais frágeis da sociedade. “Quanto mais ficarem em casa, mais suave a ascensão da curva. A rede pública tem problemas, mas todos os profissionais estão dando seu máximo. Se todo mundo fizer sua parte, reduzindo o contágio, a assistência será melhor para todos.”
O Ministério da Saúde informa que está articulando propostas para ampliar os cuidados da população mais carente, entre elas, ampliar de 152 para 176 os consultórios de rua. A pasta diz que chamará estudantes que estão no último ano de medicina, enfermagem, farmácia e fisioterapia para melhorar o atendimento na rede pública.
Essencial, álcool em gel está em falta
Essencial para higienização e combate à contaminação com o novo coronavírus, o álcool em gel está em falta em grande parte dos comércios do Brasil. Nos poucos estabelecimentos onde ainda é vendido, os preços são altos. Em algumas drogarias de Brasília, é possível ver potes com 500 mililitros (ml) do produto sendo comercializado entre R$ 20 e R$ 30. Na quarta-feira, uma dona de uma farmácia em Fortaleza (CE) foi presa após subir o preço de 50g de álcool em gel de R$ 1,99 para R$ 11,99.
Se já está difícil para a classe média encontrar o produto, nas favelas e comunidades mais pobres é quase impossível. Funcionária de uma farmácia no centro da Cidade Estrutural, Deisiane Oliveira, 22 anos, diz que a procura por álcool em gel fez com que os estoques acabarem. “Até as máscaras foram rapidamente e essa que estou usando ganhei de um outro farmacêutico que tirou do estoque”, diz.
Troca frequente
Mas o esforço de Deisiane pode ser em vão. A médica infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (Hran) Joana D’arc Gonçalves da Silva recomenda a troca da máscara de quatro em quatro horas. Com apenas um exemplar do equipamento e o utilizando continuamente, Deisiane pode não estar evitando o contágio.
Questionado se pretende doar máscaras e álcool em gel para as comunidades carentes, o Ministério da Saúde não deu uma resposta clara. Ao recorrer à Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o Correio foi informado que não existe a perspectiva de distribuição desses materiais. Em nota, a secretaria informa que “trabalha juntamente com a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social para iniciativas voltadas à difusão de estratégias de prevenção”.