Correio Braziliense
postado em 22/03/2020 08:00
A pandemia de coronavírus espalhou, além da Covid-19, pânico e desolação entre a população brasileira. Mas também despertou o que há de melhor nos seres humanos: a solidariedade. O sentimento de que é preciso ajudar o outro extrapolou as relações pessoais. Diante de um provável colapso da economia, com o fechamento de atividades não essenciais, empresários abrem mão do lucro para manter empregos, fazer com que as doações cheguem onde realmente são necessárias e mudam a produção para garantir o abastecimento de produtos essenciais em tempos de contaminação.No Brasil, os exemplos se multiplicam. Desde as redes de supermercados que estão definindo horários exclusivos para os idosos, com maior risco, passando por grupos de comunicação que estão abrindo gratuitamente os serviços para levar informação a todos, até negócios familiares que distribuem equipamentos aos funcionários e asseguram isolamento sem descontar salário, os empresários brasileiros estão mostrando que nem tudo se resume a lucro e que, na hora do aperto, a urgência é de ajudar quem mais precisa.
Pesquisa elaborada pela Rede Brasil do Pacto Global, iniciativa de sustentabilidade corporativa da Organização das Nações Unidas (ONU), verificou que 10% dos entrevistados estão desenvolvendo medidas para conter ou limitar o avanço da Covid-19, como a doação de equipamentos ou insumos a hospitais. Carlo Pereira, diretor executivo do Pacto Global, explica que a crise do coronavírus traz pressões adicionais. “As companhias têm de agir com cidadania empresarial para a continuidade dos negócios e da economia como um todo”, afirma.
A fábrica de lingerie Indecense, de Guaporé (RS), não hesitou em parar a produção de mercadorias de grife para focar na confecção de máscaras, produto essencial para evitar a propagação do novo coronavírus e que está em falta em quase todo o país. As donas da Indecense, as irmãs Loivane e Eliane Dal Sant, estão distribuindo as máscaras para mercados, farmácias e postos de gasolina a fim de garantir a saúde dos funcionários dos comércios que permanecem abertos.
Grandes grupos, como Ambev e Boticário, aproveitam a sinergia dos negócios para formar uma coalizão de distribuição de álcool em gel, explica Carlo Pereira. “Nos desastres em Minas Gerais (Brumadinho e Mariana), foram tantas as doações que faltou coordenação para distribuí-las. E é isso que as empresas estão organizando agora, para que os produtos doados sejam aqueles realmente em falta e que cheguem onde são necessários”, ressalta.
A TruckPad, plataforma de conexão entre caminhoneiros e cargas da América Latina, está disposta a ajudar no transporte de mercadorias essenciais neste momento de crise. Carlos Mira, CEO da TruckPad, diz que a empresa oferece transporte gratuito para mercadorias que forem doadas a hospitais e entidades de assistência médica. “Fizemos uma pesquisa recente e quase 100% dos caminhoneiros estão dispostos a continuar trabalhando, para evitar desabastecimento no país”, afirma. A plataforma tem 400 mil motoristas cadastrados. “Qualquer entidade que for doar material para hospitais, lotes de álcool em gel, máscaras, pode solicitar nosso apoio. Vamos localizar e contratar o caminhoneiro. O frete será doado. É nossa contribuição”, garante.
Segundo Carlo Pereira, do Pacto Global, há um sentimento de comunidade muito grande nos líderes empresariais. “Os empresários nos perguntam o que podem fazer para colaborar”, assinala. Para ele, a pandemia despertou um sentimento de comunidade que estava adormecido nas últimas décadas. “Há um distanciamento cronológico das novas gerações da Segunda Guerra Mundial, que foi o último evento mundial que gerou essa onda de solidariedade global”, opina.
Entre as medidas mais comuns promovidas pelas empresas para a contenção do avanço do vírus está a adoção de políticas de home office. A maior parte, 77%, de acordo com a pesquisa Rede Brasil do Pacto Global, implementou algum tipo de trabalho remoto. Sempre que dá, os trabalhadores estão exercendo as atividades de suas casas e, quando isso não é possível para todos, é priorizado para indivíduos mais vulneráveis. As reuniões presenciais e viagens também têm sido evitadas pela maioria das organizações (95%). Outra forma apontada para conter a disseminação do vírus é a adoção de canais para esclarecimento de dúvidas: 90% divulgam informações de prevenção em canais internos e possuem profissionais da saúde disponíveis para tirar dúvidas.
No litoral gaúcho, a sorveteria Milão exerce a cidadania empresarial a que Pereira se refere. Mesmo diante de uma possível queda na receita, a empresa familiar dispensou os funcionários, sem descontar salário, e criou um grupo de WhatsApp, chamado Milão X Coronavírus, ao qual todos devem ficar atentos para receber informações e manter contato. A Milão também concedeu equipamentos como máscaras e borrifadores de álcool 70% e está organizando férias em turnos, para que os funcionários não sejam prejudicados diante do caos econômico que está por vir.
Cooperação
Para a especialista em direito comercial Adriana Pugliesi, a maioria das pessoas está se mobilizando em regime de cooperação com relação ao impacto dos negócios. “O mercado e as relações econômicas tem uma forma de rede, os agentes estão entrelaçados. Em alguns casos, não é que os negócios sejam bonzinhos. Como estão interligados, precisam da saúde financeira de seus parceiros”, explica Adriana. Na correlação de forças, os grandes ajudam os menores para que todos sobrevivam.Ela ressalta, contudo, que alguns setores estão sendo diretamente atingidos, como aéreo, turismo, transportes. “Mesmo que alguns trabalhadores possam fazer home office, outros precisam estar na linha de frente”, alerta. Adriana lembra que o Brasil já vinha passando por crise relevante desde 2014. “Estávamos em um processo de lenta retomada e muitas empresas já vinham em crise financeira. Agora, o impacto será ainda maior e não dá para depender apenas do Estado. Por isso, o regime de cooperação vai ser muito acentuado agora”, diz.
Aplicativos de comida e de transporte estão atentos às necessidades especiais do atual momento. O iFood está destinando R$ 50 milhões da sua receita para um fundo de assistência focado nos pequenos restaurantes e injeta R$ 600 milhões de capital de giro no mercado brasileiro, antecipando os recebimentos, sem custo adicional. O valor arrecadado pelo iFood em taxas do serviço “Pra Retirar” (no qual os usuários fazem o pedido via app e retiram diretamente no restaurante) será devolvido integralmente aos parceiros. Também disponibilizou aos usuários do app a opção “Entrega sem Contato”, solução para evitar a propagação e garantir que mesmo quem esteja infectado possa pedir comida em casa sem correr o risco de transmitir o vírus.
A Uber colocou uma equipe disponível 24 horas por dia para auxiliar as autoridades de saúde pública em seu plano de resposta contra a pandemia. “Durante o nosso trabalho com as autoridades, é possível que ocorra a suspensão temporária de contas de usuários ou motoristas parceiros após a confirmação de que contraíram ou foram expostos à Covid-19. Também contamos com a consultoria de um epidemiologista para garantir que as medidas tomadas por nossa empresa sejam embasadas em orientações médicas”, explica o CEO, Dara Khosrowshahi.
A companhia também garante assistência financeira por até 14 dias aos motoristas parceiros que porventura sejam contaminados, enquanto sua conta estiver suspensa. “Nós já ajudamos motoristas parceiros em algumas áreas afetadas e estamos trabalhando para implementar essa medida rapidamente em todo o mundo”, diz. Também está disponilizando recursos para ajudar os motoristas parceiros a manterem seus carros limpos.
Há uma máxima que diz que momentos de crise são também de oportunidade. A hora é agora para cada um fazer a sua parte: ficar em casa e não perder a oportunidade de ser solidário.
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