Com o rápido crescimento da pandemia do novo coronavírus, a rotina profissional de funcionários e empresas foi alterada às pressas, em vários países do mundo, com o intuito de minimizar o contágio. No Brasil, o home office tem sido uma solução em diversas companhias. É o caso da Caixa Seguradora. Para proteger os colaboradores do vírus, ela colocou grande parte do quadro de funcionários para trabalhar em casa.
Um estudo da empresa norte-americana Deloitte, publicada no The Wall Street Journal, sobre as mudanças no ambiente corporativo nos últimos anos, cita o home office como tendência, uma vez que o avanço da tecnologia está remodelando as empresas. “À medida que o trabalho tecnológico muda, é provável que os trabalhos e funções, capacidades e habilidades tecnológicas e a estrutura e cultura organizacional evoluam”, diz o artigo.
Na verdade, esse modelo de trabalho não é novo, e a necessidade de ficar em casa, provocada pela crise do coronavírus, acelerou o processo de adaptação. A Invillia, uma empresa de tecnologia, utiliza o trabalho remoto, desde que surgiu, em 2003, no interior de São Paulo. Antes do coronavírus, a proporção de colaboradores remotos era de 60%. Agora, passou para 100%.
O CEO e fundador da companhia, Renato Bolzan, falou com o Correio da casa dele em Portugal, de onde trabalha. “Vivemos um momento em que as empresas estão reagindo a uma situação extrema. Elas não vão implantar um modelo de trabalho remoto. Elas estão fazendo um plano de emergência para trabalhar em home office. Trabalho remoto e home office são duas coisas diferentes. Trabalhar em home office é ser contratado para um job — o que importa é o que eu entrego e eu não pertenço a nada. Posso fazer isso de onde estiver. Quando eu entrego o combinado, resolvi meu contrato. Já no trabalho remoto, há um sentimento de pertencimento a uma empresa”, explicou.
A empresa fundada por Bolzan utiliza uma plataforma que simula o ambiente físico da empresa, com representação visual dos departamentos e respectivos membros. Isso, segundo ele, contribui para que as pessoas tenham uma sensação de pertencimento.
O empresário acredita que as empresas precisam desenvolver uma série de coisas para tornar o trabalho remoto viável e seguro. “A empresa está preparada para que o funcionário acesse suas informações de forma segura? Pode ocorrer uma série de problemas, como vazamento de dados, situações que hoje são supercríticas. É preciso ter uma estrutura que mantenha as pessoas conectadas, com engajamento, cobrança, e um conjunto de ferramentas mínimas para que funcione”, diz.
Mudança
O CEO prevê que as empresas que não buscarem implementar soluções em trabalho remoto poderão enfrentar problemas futuros e que, após a crise atual, o modelo de trabalho será revisto de forma permanente. “Sem dúvida nenhuma, é uma tendência fortíssima, e as empresas que não a adotarem terão problemas. Se tem algo de bom trazido por essa crise é a aceleração dessa tendência. Muitas coisas não vão voltar ao que eram antes”, acredita.
Bolzan diz ainda que o modelo traz benefícios para o meio ambiente. “Eu estava lendo esses dias sobre os canais de Veneza, onde a água nunca esteve tão limpa. Em vários lugares, a qualidade do ar era terrível e está limpa há dias.”.
Dario Neto, Diretor-Geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB), explica que a adaptação às ferramentas pode ser uma dificuldade para as empresas que pretendem adotar o trabalho remoto. “O ponto chave está nos paradigmas de gestão e liderança que, nessa hora, geram inúmeras travas. É muito difícil esse modelo de trabalho funcionar com produtividade e bom desempenho quando não há confiança como ingrediente essencial na cultura. Confiança com autonomia e transparência são ingredientes básicos que fazem o home office funcionar bem. A maioria das organizações não está pronta na filosofia que sustenta o trabalho remoto”, afirma.
Dario Neto explica, ainda, que a disciplina é fundamental para esse modelo de trabalho. “Um bom set de ferramentas que organize um escritório virtual da empresa e um conjunto de rituais favorecem muito a disciplina individual. Existe também um medo enorme ancorado em falta de confiança de que as pessoas não vão trabalhar, ou trabalharão menos. Líderes conscientes confiam e delegam autonomia com clareza das responsabilidades e do que se espera. Nem sempre volume de horas trabalhadas querem dizer melhor performance ou resultado.”
O advogado criminalista Murilo Marcelino de Oliveira, 23 anos, está trabalhando em home office pela primeira vez na vida desde quarta-feira. O escritório ainda não deu um prazo para o retorno dos serviços presenciais. Segundo o advogado, apesar de ser necessário nesse momento, por conta do coronavírus, o estilo de trabalho é cheio de desafios e obstáculos, como a falta de disciplina e foco.
“Para quem não está acostumado, como eu, trabalhar de casa é realmente muito difícil, principalmente por questões de concentração e disciplina. O ambiente doméstico é perfeito para você se distrair com outras tarefas e acabar misturando as coisas. Aí, o trabalho não fica tão bom”, diz Murilo. Para manter o foco, ele modificou o escritório da casa para parecer com o local de trabalho. Ele também usa roupas sociais para criar uma sensação de ambiente profissional.
* Estagiários sob a supervisão de Odail Figueiredo