O Banco Central brasileiro deve acelerar um pacote de medidas para tentar minimizar os estragos do novo coronavírus na economia. É possível que, ainda hoje, a instituição libere recursos para aumentar a liquidez do mercado e evitar a quebradeira de bancos e empresas. Também é esperado que o BC promova novo corte na taxa básica de juros (Selic), de 4,25% ao ano, seguindo o movimento dos principais bancos centrais do mundo. Nesse domingo, o Federal Reserve (Fed), o BC dos Estados Unidos, derrubou os juros em 150 pontos, para zero e 0,25% ao ano.
Há, no entanto, uma forte divisão do mercado em relação aos rumos da Selic. Parte dos analistas acredita que o BC deve reduzir os juros básicos entre 0,25 e 0,50 ponto percentual para se antecipar a uma possível recessão. A economia brasileira está encolhendo a olhos vistos, mesmo com o impacto ainda restrito do coronavírus no país. Já se fala em crescimento em 2020 de apenas 0,5%.
Outra ala de analistas, porém, diz que o melhor a ser feito pelo Banco Central, neste momento, é manter a Selic nos atuais 4,25% ao ano para conter a excessiva valorização do dólar. A moeda norte-americana chegou a ser cotada acima dos R$ 5, mas acabou se situando próxima dos R$ 4,80, depois de seguidas intervenções do BC no câmbio.
Para esse grupo, é o pequeno diferencial entre os juros praticados no Brasil e nos Estados Unidos um dos principais motivos para a forte valorização da moeda norte-americana. Agora, com os juros praticamente zerados nos EUA, com a Selic a 4,25%, o Brasil poderia voltar a atrair recursos externos e controlar o dólar.
O certo é que BC comandado por Roberto Campos Neto está numa situação delicadíssima. Há uma enorme crise de confiança tomando conta do país, diante da incapacidade do governo de agir perante a crise provocada pelo coronavírus. Foi somente na quinta-feira passada (12) que a equipe econômica se mexeu para anunciar ações que possam minimizar uma possível recessão.
Desconfiança
O ministro da Economia, Paulo Guedes, inclusive, antecipou a possibilidade de o BC promover uma injeção de recursos na economia para facilitar o acesso ao crédito por parte de bancos e empresas. Resta saber qual o tamanho do arsenal do BC e até que ponto o governo realmente está preocupado com o impacto do novo coronavírus na economia.
As opiniões dos especialistas ouvidos pelo Correio estão divididas, mas eles admitem que tudo ainda dependerá de como será a reação dos mercados nesses próximos dias.
Diante da piora no cenário doméstico e do aumento da desconfiança da capacidade do governo de Jair Bolsonaro responder adequadamente aos efeitos dessa crise de saúde pública que está se alastrando pelo mundo, as perspectivas de cenários para o Brasil mudaram nesses últimos dias. Até o começo da semana passada, as apostas de cortes na Selic, que variavam de 0,25 ponto percentual até 0,70 ponto percentual, enquanto as estimativas de inflação caminhavam para 2,5% ao ano até o início da semana passada.
Após os bancos centrais iniciarem uma onda de cortes pelo mundo, o BC emitiu um comunicado extraordinário, no dia 3 de março. A preocupação com o coronavírus fez o mercado apostar que a autoridade monetária não interromperia o ciclo de cortes, como havia sinalizado na ata de fevereiro.
Com dólar cada vez mais valorizado, o Banco Central terá um enorme dilema para resolver, pois, se optar por manter a Selic, que está no menor patamar da história, vai contra a sinalização dada em uma nota extraordinária no início do mês, demonstrando incoerência no discurso para o mercado. Mas, se cortar mais os juros, poderá pressionar ainda mais o câmbio, que não para de bater recordes e já está começando a ter reflexos na inflação, apesar de ela estar relativamente controlada e abaixo da meta deste ano, de 4% ao ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Incerteza
Além disso, especialistas admitem que não há certeza de que um novo corte nos juros básicos vai estimulará a atividade uma vez que, devido ao coronavírus, os riscos de uma recessão global e até mesmo no Brasil estão entrando nas novas previsões. Logo, o risco de uma decisão inócua também precisa ser considerado. As estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro começam a ficar abaixo de 1%, como é o caso da Capital Economics, que reduziu de 1,3% para 0,5%. E, na pior das hipóteses, o PIB pode recuar 0,5%, de acordo com a economista Monica De Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics (PIIE). As estimativas de perdas no PIB global por conta do novo coronavírus já chegam a US$ 4 trilhões, ou seja, o equivalente a mais de dois PIBs brasileiros, considerando o dólar a R$ 4,80.
“O Banco Central está em uma situação muito difícil uma vez que, a princípio, existe a questão do coronavírus que, sem dúvida diminuirá o ritmo de crescimento global. Isso seria um motivo para reduzir os juros, mas pressionará o câmbio. Todos os bancos centrais estão chamando para a redução dos juros em função do impacto econômico do coronavírus”, afirma o economista-chefe do Banco ABC-Brasil, Luis Otávio de Souza Leal. No momento, ele considera a reação exagerada e aposta em um corte de 0,25 ponto percentual nesta quarta-feira.
O economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), ressalta que a piora na expectativa de reequilíbrio das contas públicas devido à queda de braço entre o Executivo e o Legislativo pelo Orçamento impositivo e, recentemente, a derrubada do veto presidencial ao aumento do teto de acesso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), coloca a questão fiscal de volta na balança dos cenários do BC. “O mercado ficou preocupado com o resultado da votação porque criou um problema fiscal para o governo e isso bateu diretamente na curva de juros futuros, que passou a subir, algo ruim para o Banco Central” , avalia. Segundo ele, o cenário que está se formando, de alta no juro futuro e aumento do prêmio de risco para os títulos soberanos é o que pesará mais na decisão do Copom nesta semana. “Aumento na curva de juros é o maior temor do BC”, resume.