Economia

Elas fazem a diferença

Mulheres ganham cada vez mais espaço na economia. De 2016 a 2019, o empreendedorismo feminino passou de 18% para 25% do total. Mas a desigualdade persiste nas grandes empresas, em que a presença delas em cargos de chefia ainda é ínfima


Devagar e sempre, as mulheres conquistam cada vez mais espaço na economia e, embora ainda haja muitas desigualdades, o empreendedorismo feminino aumenta ano a ano. Em 2019, 25% das aberturas de empresas foram por mulheres. Em 2016, eram 18%. Também houve expansão de 7% no empreendedorismo feminino em 2019. Contudo, o estudo Women in The Boardroom — Uma Perspectiva Global, realizado pela Deloitte, mostra que a presença feminina em cargos de chefia é pequena. Nos assentos de conselhos, subiu apenas 1,9% desde 2017, atingindo, em termos mundiais, 16,9%. No Brasil, somente 8,6% dos colegiados são preenchidos por mulheres.

Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós — consultoria de sustentabilidade e diversidade para empresas —, o debate da participação das mulheres está avançando, “porém, a representatividade evolui menos em postos de decisão”. Ela ressalta que, nas 500 maiores empresas brasileiras, mulheres na liderança são somente 13%. “No entanto, são 52% da população e 60% do contingente que sai da graduação desde os anos 2000, ou seja, a conta não fecha”, alerta.

A vantagem, acrescenta a especialista, é que as mulheres dentro das empresas estão mais empoderadas. “Agora, entendem quando algum tipo de assédio acontece e denunciam”, diz. Ela destaca, entretanto, que não há equidade salarial. “Em 2014, a renda média das brasileiras correspondia a cerca de 68% da dos homens. Se continuarmos no patamar atual, só será superada em 2095.”
 
 
Nem tudo são espinhos. Outro levantamento mostra que a diversidade dentro da empresa gera mais lucro. A pesquisa A diversidade como alavanca de performance, da consultoria McKinsey, realizada com mais de mil empresas em 12 países, aponta que ter mulheres em cargos de liderança aumenta em 21% as chances de uma empresa ter desempenho financeiro acima da média. “A maior participação da mulher no mercado de trabalho e em cargos diretivos tem o potencial de injetar até US$ 12 trilhões no PIB (Produto Interno Bruto) global até 2025. No Brasil, o incremento seria de cerca de US$ 410 bilhões”, assinala Liliane.

Muito do movimento do empreendedorismo feminino, de acordo com Carmen Migueles — professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV Ebape), coordenadora do núcleo de estudos de sustentabilidade e gestão de riscos —, é provocado por necessidade. “Maior dificuldade de se inserir no mercado formal, filhos e necessidade de horário mais flexível levam muitas mulheres a abrirem seus negócios”, frisa. A participação em carreiras consideradas “masculinas” também é pequena, segundo Carmen. “Nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, que são as que dão maior retorno, o contingente é, predominantemente, masculino.”

Isso não foi obstáculo para Deborah Alves, 27 anos, cofundadora e Chief Technology Officer (CTO) da Cuidas, startup que conecta empresas a médicos de família no local de trabalho, um projeto que nasceu da vontade de descomplicar e personalizar a atenção à saúde. Formada em ciência da computação e matemática pela Harvard University, foi engenheira de software na Quora, no Vale do Silício, e participou da fundação Brazilian Student Association (Brasa), onde conheceu os futuros sócios. “Desde jovem, participo de competições de matemática, em que há poucas meninas. Na faculdade, no contexto de computação, são, no máximo, 10% de mulheres. Mas isso tem mudado mais rapidamente”, conta.
 
 
Como acumulou carimbos de especialização e as maiores notas, Deborah enfrentou poucos percalços e desrespeito, muito comuns quando a mulher se destaca em ambientes masculinos. “Tive poucas interações com homens que menosprezavam meu conhecimento, mas sempre tive a dificuldade de me vender”, reconhece. “É uma coisa enraizada, da cultura machista. A insegurança de que a mulher não pode ser metida, tem que ficar na dela, tem que ser mais para se destacar. Afeta a confiança.”

Assédio
A engenheira elétrica Tatiana Takimoto, 49, não teve a mesma sorte de Deborah e sofreu assédio moral de colegas homens, sobretudo do ex-chefe. “Na época, era a única engenheira. Na reunião, o diretor usava o meu nome para citar as coisas que deram errado. Ideias positivas eram sempre dos homens”, recorda. Com poucas mulheres na área de tecnologia, Tatiana participava de eventos nos quais a representatividade feminina era ínfima. “Não havia mulheres diretoras ou painelistas. Era como se não existisse mulher na tecnologia, e muitas desistiram da carreira por isso”, diz.

O que poderia ser um obstáculo, acabou por motivar Tatiana. “Em 2018, criei um grupo para dar visibilidade às mulheres e, depois disso, a empresa teve uma conselheira e três diretoras. Mas o assédio continuou e, ao confrontar meu chefe, fui demitida”, relata. Embora, inicialmente, tenha se abalado, ela não cruzou os braços. “Cheguei a entrar em depressão, mas pensei nas minhas dores e nos assédios morais que sofri e criei uma consultoria para todas as pessoas que, de alguma forma, sofrem preconceito e discriminação.”

A empreendedora abriu, em Florianópolis, a aceleradora para grupos minoritários Corali, que, em grego, significa coral de múltiplas cores e espécies. “O primeiro evento, em março, será de incentivo para trabalhar o empoderamento psicológico e a formação empreendedora”, comemora.

Geisiane Teixeira, 40, coordenadora de projetos do Ateliê de Ideias, organização social que atua numa região com nove comunidades vulneráveis em Vitória (ES), chamada Território do Bem, revela uma perspectiva diferente do machismo. “A sociedade já espera que a mulher esteja engajada na área social. Na assistência social, a presença predominante é de mulheres. Por outro lado, quando falo que empreendo na área social, os homens olham com desdém, e até algumas mulheres minimizam esse trabalho”, afirma.

A empreendedora explica que a atividade à frente do Ateliê de Ideias é igual ao de uma empresa. “A gente faz gestão de recursos, parcerias com organizações públicas e privadas, prestações de contas super-rigorosas. Trabalhamos o financeiro, o planejamento de pessoas, o marketing. É preciso quebrar o estereótipo de que é uma área fácil de trabalhar. Não é”, expõe. No Território do Bem, 60 mulheres criaram um banco social, em 2005, emprestando R$ 300 para uma delas. “Deu tão certo que já circularam mais de R$ 2,1 milhões desde então, com inadimplência baixíssima. Hoje, o banco tem moeda própria, o Bem, e atende mais três áreas, além das nove do território”, exalta.

Nas comunidades atendidas, a maioria dos comerciantes são mulheres, provedoras das suas casas. “O trabalho começou com esse engajamento comunitário. Depois, surgiu a agência Varal, um espaço de formação na área de comunicação, marketing, produção cultural e convivência. Os comércios não tinham uma fachada, algo que atraísse o público. A Varal entrou na produção de empoderamento com identidade visual”, conta.

Guinada
Advogada em escritórios de renome em São Paulo, que assessoram empresas listadas na Fortune 500, Camila Folkman, 32, deu uma guinada profissional em 2012 para, depois, tornar-se uma das primeiras mulheres brasileiras a fundar uma gestora de capital de risco. Cofundadora da Mindset Ventures, empresa de investimentos de venture capital em startups de Israel e nos Estados Unidos, ela é responsável pela parte de operação, compliance e gestão de fundos.

“Eu já tinha o sonho de trabalhar no mercado financeiro. Estudei fora para fazer a transição, mas, honestamente, não pensava em ter uma gestora”, admite. No Vale do Silício, nos EUA, trabalhou em duas startups que não deram certo. “Foi um grande aprendizado. Voltei para o Brasil, em 2014, e consegui uma posição de diretoria em uma empresa para fomentar o ecossistema de empreendedorismo. Foi onde conheci meu sócio”, lembra.

Em 2015, a empresária tinha ideia de trazer startups de Israel e dos EUA para o Brasil. “Além de serem mercados líquidos, as empresas tinham interesse de vir para cá. Conseguimos captar dinheiro para investir em 18, das quais oito queriam entrar no Brasil”, ressalta. Em 2017, a Mindset Ventures captou US$ 18 milhões para as startups. “Agora, nosso target é US$ 50 milhões e já são 39 empresas”, celebra. Do total, 25% entraram no nosso mercado, sendo que 20% foram fundadas por mulheres. “Vamos chegar a 50% lideradas por mulheres”, estima.

Em um ambiente masculino, Camila presencia situações constrangedoras de machismo. “Em um evento de tecnologia, um homem tirou uma foto do pé de uma mulher com salto alto e postou no Twitter: ‘Estou num desfile de moda ou num evento de tecnologia’”, lamenta. Ela reconhece que, entre os principais obstáculos, está captar recursos, porque os comitês são formados por homens. “Mas estamos conquistando espaço, e isso vai fazer a diferença daqui para a frente”, destaca.
 


“Em 2018, criei um grupo para dar visibilidade às mulheres e, depois disso, a empresa teve uma conselheira e três diretoras. Mas o assédio continuou e, ao confrontar meu chefe, fui demitida”
Tatiana Takimoto, engenheira elétrica, fundadora da aceleradora Corali

“Em 2014, a renda média das brasileiras correspondia a cerca de 68% da dos homens. Se continuarmos no patamar atual, só será superada em 2095”
Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós