Economia

Em mais um dia de tensão no mercado, dólar bate recorde e bolsa desaba

Avanço da epidemia do coronavírus provoca nova onda de pessimismo e reforça previsões de desaceleração da economia em todo o mundo. Moeda norte-americana alcança novo recorde, apesar de mais uma intervenção do Banco Central no mercado

Em um dia em que a desconfiança de investidores em relação ao governo e à retomada da economia aumentou e o novo coronavírus, no Brasil, rompeu as fronteiras paulistas, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) despencou quase 5% e o dólar disparou, batendo novo recorde. Foi a 12ª alta consecutiva da moeda, que mostrou ter fôlego para encostar em R$ 5. O dólar encerrou o pregão com valorização de 1,57%, cotado a R$ 4,651 para a venda, novo recorde, apesar das intervenções do Banco Central que devem continuar nesta sexta-feira.

Especialistas destacam que a supervalorização do dólar ante ao real reflete a instabilidade da economia global diante da desaceleração da atividade em vários países, devido ao impacto do novo coronavírus, cenário que fez a maioria dos bancos centrais, nesta semana, desencadear uma onda de corte de taxas de juros.

“Além dos problemas internacionais, temos as questões domésticas. A economia brasileira não decola, e o nível de investimento é muito baixo, em um cenário conturbado também do ponto de vista político”, destacou o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda. “O momento é de grande incerteza na economia e na política e a volatilidade acaba aumentando”, destacou.

Para Lacerda, o câmbio deverá continuar valorizado nos próximos dias. “A questão política está muito incerta e não é apenas por conta da manifestação contra o Congresso marcada para o próximo dia 15. Há outra, que pode ser mais forte, do dia 18, que é contra o presidente Jair Bolsonaro. Tudo isso faz parte do jogo de especulação e a volatilidade do mercado vai continuar nesse período”, apostou.

O economista lembrou que, com o coronavírus, os prêmios de risco estão aumentando de forma generalizada, mostrando a insegurança dos investidores. No caso do Brasil, conforme dados do World Government Bonds, o Credit Default Swap (CDS) subiu 15,46% nos últimos 30 dias, para 110.50 pontos. “O cenário mudou e não tem como o risco subir também. E nesse contexto, o coronavírus faz parte do mesmo capítulo da incerteza sobre a economia internacional”, explicou.

O aumento da desconfiança em relação ao país também está relacionado com a situação doméstica, porque a agenda de reformas complementares à da Previdência, “parece estar parada”. “Outras medidas carecem do mesmo senso de urgência. Com o crescimento lento aparentemente minando a fé de Bolsonaro na agenda de reformas, e a atenção voltada para as eleições municipais no fim deste ano, é difícil ver o ambiente político fornecendo um apoio renovado à moeda”, afirmou o economista William Jackson, da consultoria britânica Capital Economics. Ele lembrou que a desvalorização cambial é generalizada.

“O surto de coronavírus colocou todas as moedas de países emergentes sob pressão. Mas o real se saiu pior do que qualquer outro neste ano, sugerindo que outros fatores também estão em jogo”, afirmou Jackson. Desde o início do ano, a moeda brasileira se desvalorizou 15,19% ante o dólar.

Ações

Após cair quase 5% ao longo do dia e ficar abaixo de 101 mil pontos, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, teve uma leve recuperação no fim do pregão e encerrou o dia com queda de 4,65%, a 102.223 pontos. O tombo ficou bem acima das retrações registradas pelas bolsas dos Estados Unidos e da Europa, que também fecharam no vermelho.

As maiores quedas na B3 foram da Gol, de 16,76%, e do IRB Brasil Re, de 16,17%. Este último vem registrando perdas seguidas após o balanço ser questionado por acionistas e o grupo norte-americano Berkshire Hathaway, do bilionário Warren Buffett, ter divulgado comunicado, na terça-feira, informando que nunca teve ações e “não tem a intenção de se tornar um acionista do IRB”. A resseguradora estreou na Bovespa em 2017 e acumula queda de 65% desde o fim de janeiro.

Analistas dizem que a frustração com a retomada da economia brasileira, que cresceu 1,1% em 2019, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também contribuiu para a alta do dólar e a queda na bolsa, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes tentar minimizar esse dado.

Em tom de ironia, o ministro disse que o IBGE “tem uma margem de erro de 30% a 40%”, devido às revisões do PIB de 2017 e de 2018 apontarem para alta de 1,3%, acima do registrado em 2019 e da média inicial dos anos anteriores. Guedes ainda afirmou que “não tem nada de errado no câmbio”, contrariando o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, que demonstrou preocupação com o cenário.

“O real é uma das moedas emergentes que mais vêm apanhando porque a percepção de futuro deu uma azedada, e não é apenas por conta do PIB. Quando você vê a bolsa caindo e o dólar subindo desse jeito, é claro que a situação está muito complicada”, apontou o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. Desde o início do ano, a saída líquida de dólares do país somou US$ 4,8 bilhões, segundo o Banco Central. No ano passado, a debandada foi de US$ 44,8 bilhões.

Esfriamento global

O avanço do coronavírus está levando especialistas a reduzirem as projeções de expansão econômica de forma generalizada. Pelas novas estimativas da Capital Economics, o mundo vai crescer apenas 2% neste ano, o mesmo que a China. E o Brasil, 1,3%. O Instituto de Finanças Internacionais, que reúne os maiores bancos do mundo, estima que o crescimento da economia global deve desacelerar a 1% em 2020, ritmo mais fraco desde a crise financeira de 2008, como efeito do choque causado pelo coronavírus. Em relatório, a instituição também reduziu as previsões para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos (de 2% para 1,3%) e da China (de 5,6% para “pouco menos” de 4%).

 

BC mantém intervenção 

Apesar de realizar nesta quinta-feira (5/3) três leilões de swap cambial que não estavam programados, colocando US$ 3 bilhões no mercado, o Banco Central (BC) não conseguiu conter a forte valorização da divisa norte-americana. A autoridade monetária decidiu manter a estratégia e vai ofertar mais US$ 2 bilhões em um único leilão de swap hoje.

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Capital/Investimentos, lembrou que os mercados ficaram preocupados com o fato de a Califórnia ter decretado estado de emergência. “É o estado mais rico e populoso dos EUA e isso poderá fazer com que o crescimento do país fique bem menor do que o esperado”, afirmou.

Na semana passada, o BC colocou US$ 2,5 bilhões no mercado, lembrou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “Desde o carnaval, o dólar subiu 6% em relação ao real”, destacou. “Se a desvalorização do real faz parte de um movimento global de moedas emergentes, o BC não pode ir na contramão. Ele deve começar dizendo que o regime é de metas de inflação e não de metas de câmbio”, avaliou.

Diante da desaceleração global, vários bancos centrais cortaram juros. E as expectativas são de que o BC siga o mesmo caminho no Brasil — o que poderá funcionar como mais um impulso para a elevação da taxa de câmbio, no entender de William Jackson, da Capital Economics. “Os mercados esperavam que a taxa Selic se mantivesse em 4,25% neste ano. Mas as apostas passaram para um novo corte de 0,25 ponto percentual e agora estão em 0,50 ponto percentual para os próximos meses”, explicou.

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central será nos dias 17 e 18 deste mês. “O ambiente atual abre o caminho para uma nova redução da taxa de juros”, afirmou o professor do curso de Finanças do Ibmec/DF Marcos Melo, para quem a alta de apenas 1,1% do  Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 só reforçou esse caminho, porque “está difícil para a economia se recuperar”. (com colaboração de Marina Barbosa