Economia

Consumo sobe, mas perde fôlego

Gasto das famílias ajuda a manter a atividade econômica em terreno positivo, mas crescimento de 1,8% verificado no ano passado foi o menor dos últimos três anos. Juros mais baixos, expansão do crédito e FGTS puxam demanda. Desemprego é fator negativo



Com alta de 1,8% em 2019, o consumo das famílias foi, mais uma vez, a base de sustentação do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, já que, no ano passado, os investimentos não deslancharam e o governo reduziu o gasto público por conta do ajuste fiscal. Entretanto, mesmo positivo, o consumo mostrou desaceleração, já que havia avançado 2% em 2017 e 2,1%, em 2018.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vários fatores explicam o crescimento do indicador no ano passado. Entre eles, a redução da taxa básica de juros, que facilitou o acesso das famílias ao crédito; a inflação controlada, que dá mais poder de compra aos trabalhadores; e a leve redução do desemprego e o discreto aumento da massa salarial.

Foi graças a essa conjunção de fatores que o agente de portaria Lucas André conseguiu ficar com as contas em dia e ainda comprar a casa própria em 2019. “E este ano gastarei mais, porque vou casar”, disse ele. Outro fator fundamental foi a liberação de recursos das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “Com a ajuda do saque do FGTS, consegui pagar minhas dívidas no ano passado e já comecei este ano gastando mais do que poderia”, atestou a moradora do Riacho Fundo, Kelly Oliveira.

Com todo esse estímulo, os analistas, contudo, esperavam que o consumo das famílias aumentasse mais do que 1,8%. Eles também não esperavam um crescimento de apenas 0,5% nesse indicador no último trimestre de 2019, quando o consumo é normalmente impulsionado pela Black Friday e pelas festas de fim de ano. “Mesmo com o FGTS, o resultado veio um pouco abaixo do esperado e cresceu até menos que nos anos anteriores”, observou o economista Marcelo Azevedo, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Incerteza

Azevedo atribui esse cenário à incerteza sobre a recuperação econômica e, sobretudo, ao fato de que, apesar de ter caído ao longo de 2019, o desemprego ainda atinge 11,9 milhões de brasileiros. “Há um receio de ampliar o consumo, porque o mercado de trabalho está fraco”, explicou. “O grande desafio para a economia brasileira nos próximos anos é reativar o mercado de trabalho, que tem níveis recordes de subutilização e informalidade elevada”, reforçou o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes.

Ainda ontem, pesquisa divulgada pelo SPC Brasil revelou que, mesmo com a proximidade do saque-aniversário do FGTS, que começará a ser liberado em abril, quatro em cada 10 brasileiros pretendem reduzir gastos neste ano. Kelly Oliveira é uma delas. Ela explica que, além do medo do desemprego, acha que os preços e os juros continuam altos, mesmo após a redução da Selic e da inflação.

Mesmo assim, segundo a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, o consumo das famílias seguirá sendo destaque no PIB em 2020. “Essa percepção de necessidade de ajuste no orçamento acontece por conta do momento econômico atual”, explicou Marcela. “O mercado de trabalho vem melhorando gradativamente, a inflação está baixa e taxa de juros, também, o que gera renda para o trabalhador e impulsiona o crédito”, avaliou.


  • Cai presença do governo

    Enquanto o consumo das famílias continuou crescendo no ano passado, os gastos do governo caíram 0,4%, segundo o IBGE, por conta do ajuste fiscal conduzido pelo Poder Executivo. O Ministério da Economia indicou que esse cenário deve continuar — e pode até se aprofundar — em 2020. A pasta afirmou que o corte de despesas faz parte do processo de redução da participação do setor público na economia brasileira, segundo as diretrizes de política econômica do atual governo. De acordo com o ministério, o investimento público teve retração superior a 5%, indicando que o PIB do setor público caiu mais de 1% em 2019.