Apesar de os últimos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrarem queda na taxa média de desemprego em 2019, a lenta recuperação do mercado de trabalho ainda tem grande influência do crescimento da informalidade, que atingiu nível recorde no ano passado. Nada menos que 41,1% da população ocupada do Brasil, ou seja, 38,4 milhões de pessoas, se encontram no mercado informal. O número é o maior desde 2016. O avanço pode ser visto em um recorte feito pelo Correio, que analisa apenas o aumento de motoristas por conta própria de 2012 até 2019.
Os dados da Pesquisa Nacional de Empregados e Desempregados (Pnad) Contínua Trimestral mostram um aumento de 137,60% no número de motoristas que trabalham por conta própria, ao comparar os quatro trimestres dos anos de 2012 e 2019. Impulsionados pelo surgimento dos aplicativos de mobilidade, aproximadamente 666 mil novos motoristas por conta própria surgiram de um trimestre para outro. Só no Distrito Federal, o contingente pulou de 4 mil no quarto trimestre de 2012 para 20 mil no mesmo período de 2019.
Junção de cenários
Segundo especialistas, os dados mostram uma junção entre a crise radical, repleta de corte de vagas, vivida no país e as mudanças estruturais no mercado de trabalho. A professora do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB) Débora Barem acredita que o Brasil virou um terreno fértil para este “boom” de empresas no setor de mobilidade. No entanto, a procura pelo trabalho informal não é vista por ela como uma escolha.
“Temos muitas pessoas que não se adaptaram ao modelo antigo de trabalho. Mas, neste primeiro momento, não é uma escolha. As pessoas foram impelidas a procurar isso”, pontua. Débora afirma que tudo que vem de novas tecnologias tende a aumentar de modo exponencial.
“Para mim, esse número (de motoristas por conta própria) ainda não chegou ao ápice”, avalia. O crescimento pôde ser visto no 99, aplicativo de transporte brasileiro criado em 2012. Desde janeiro de 2018, quando a empresa foi comprada pela companhia chinesa DiDi Chuxing, o 99 triplicou o número de motoristas parceiros, chegando a mais de 600 mil. O 99 também expandiu sua cobertura de 500 para 1.600 cidades em 21 meses.
“O mercado de trabalho está em constante mudança. Antigamente, diante do desemprego, as pessoas iam para a rua fazer algum bico, viravam camelôs. Com a tecnologia, elas têm outras oportunidades”, explica a professora.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin acredita que o trabalho informal pode ser atraente, pois permite que a pessoa defina os próprios horários e até se explore mais. “Houve mudança tecnológica importante. Um serviço que não existia passou a existir, e as pessoas recorrem a ele diante de uma situação de falta de emprego”, explica.
Vários perfis
Até mesmo pessoas qualificadas foram atingidas. É o caso do engenheiro civil Clay Homar, 56 anos, que encontrou nos aplicativos de transporte de pessoas uma forma de renda enquanto não acha emprego dentro da área de formação.
Clay está dentro dos 10,5% dos motoristas por conta própria que têm ensino superior completo. “Eu não tinha o que fazer. Com a idade que tenho, é difícil arrumar emprego. Com essa ocupação, eu consigo tapar alguns buracos”, conforma-se. Para o motorista de aplicativo, a ocupação vista como momentânea ajuda principalmente a camuflar a ansiedade pela espera por um emprego formal.
Já para Louise Mendonça, 36 anos, a ocupação começou como uma forma de complementar a renda em 2017, mas virou a principal fonte de sustento. “Eu tinha uma empresa e dava aula de reforço escolar. Dirigir era meu momento de sair da rotina, já que eu só convivia com crianças. Eu gostava e foi dando certo. Até que vi que estava sendo mais rentável do que dar aula”, conta.
Mas ela observa que o crescimento no número de motoristas fez com que a concorrência dentro dos próprios aplicativos diminuísse a qualidade do trabalho. “Agora, trabalho 16 horas por dia e não consigo ganhar o que ganhava na minha empresa. Hoje em dia, você fica parado por umas duas horas, em alguns dias. Esse aumento no número de motoristas fez a qualidade cair, e eu comecei a ter uma visão diferente”, avalia.
Outro problema é a informalidade: incomoda porque não dá a segurança que a motorista quer. “Não sobra nada para investir em uma Previdência. Mal dá para pagar as contas. Além disso, você fica muito vulnerável. Como mulher, é mais difícil ainda”, lamenta.
Bomba de efeito retardado
Assim como Louise Mendonça, 72,1% dos motoristas por conta própria não contribuem para a Previdência. O principal motivo: não há dinheiro que sobre para o investimento na aposentadoria.
“As pessoas trabalham pela sobrevivência. Não é uma questão de não querer, é de não dar. É uma situação complicada. Para que esse investimento dê um suporte na velhice, você precisa de planejamento financeiro e determinação. Muitas vezes, não há mesmo dinheiro que sobre”, pontua a professora do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB) Débora Barem.
Para especialistas, a solução, que pode ser boa a curto prazo por causa da falta de emprego com carteira assinada, é prejudicial para o Estado no futuro. O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin acredita que o crescimento excessivo da informalidade pode ser perigoso. “É uma bomba de efeito retardado. No médio a longo prazos, isso é preocupante, já que tem um grande número de pessoas que não terão contribuído com a Previdência Social”, avalia.
Para Débora, ainda falta conhecimento das pessoas sobre esse tipo de investimento. “É responsabilidade do Estado trazer todos para a realidade, por meio de campanhas, com sensibilização. Também deveria ser uma responsabilidade da própria empresa que emprega esses trabalhadores informais”, ressalta. A atribuição de se resguardar é do próprio trabalhador. “As relações de trabalho estão mudando, e esses trabalhadores precisam de salvaguardas e pensar por eles mesmos”, recomenda.
» TST nega vínculo empregatício
No dia de 5 fevereiro, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu negar o vínculo empregatício de um motorista de aplicativo de transporte. A medida só terá efeito para o caso específico do motorista, mas abre precedente, uma vez que, nos últimos anos, decisões conflitantes a respeito desse profissional têm sido proferidas. Esta foi a primeira decisão da última instância trabalhista sobre o tema. O TST considerou que o pagamento recebido pelo motorista não é um salário, e que não é empregado do aplicativo — afinal, a prestação do serviço é flexível e não é exclusiva de uma única empresa.