A condição de chefe ainda não é uma realidade profissional para boa parte das mulheres que têm assumido o comando dos domicílios brasileiros. É que, apesar de estarem contribuindo cada vez mais com as despesas domésticas, a maior parte das que estão no mercado de trabalho ainda ganha menos que os homens e tem menos oportunidades de ascender profissionalmente.
Conforme dados do IBGE, as mulheres ocupam 41,8% dos cargos de direção e gerência do mercado de trabalho. E a diferença é ainda maior quando se olha para os conselhos de administração: hoje, as mulheres ocupam apenas 63 dos 579 assentos disponíveis nos conselhos das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
“Mesmo com um número cada vez maior de mulheres nas universidades e no mercado de trabalho, hoje, apenas 10% dos assentos dos conselhos de administração são ocupados por pessoas do sexo feminino. E só 12 mulheres são a presidentes desses conselhos”, observa a diretora de Vocalização e Influência do IBGC, Valéria Café, frisando que 87 empresas listadas na bolsa ainda não têm nenhuma mulher em seus conselhos.
“No serviço público, a situação é parecida. Basta ver o número de cargos em comissão que é ocupado por mulheres. Nós quase não chegamos aos cargos de alta direção, porque ainda existe uma barreira forte. Na hora de promover um homem, por exemplo, não perguntam se ele tem filho, mas a nós, sim. E isso impacta muito o nível salarial”, relata Anna Paula.
É por conta disso que o IBGC promove um programa de mentoria que ajuda a colocar as executivas brasileiras nos cargos de gestão das empresas. Valéria explica que, além de não refletir o processo de empoderamento feminino, a baixa participação das mulheres pode ser prejudicial até para os rendimentos das companhias. “A diversidade, seja de gênero, raça, idade, região, seja de profissão, traz mais resultado e mais inovação para as empresas”, explica.
Disparidade
Esse, contudo, não é o único desafio que as mulheres precisam enfrentar no mercado de trabalho. É que, apesar de já responderem por 43,8% dos brasileiros que estavam trabalhando em 2018, elas ainda ganham 20,5% a menos que os homens.
É por isso que Ruth Pena precisa ter uma jornada tripla para poder dar conta das obrigações do lar e dos dois filhos. “Meu dia começa às 5h. Ministro aula em duas escolas para poder complementar a renda, pois só em uma não daria para sustentar um lar”, conta.
Segundo o IBGE, o rendimento médio das trabalhadoras que têm entre 25 e 49 anos de idade é de R$ 2.050. Isto é, R$ 529 menos que os R$ 2.579 normalmente pagos aos homens que trabalham nesta mesma faixa etária. A diferença é ainda maior para as mulheres que conseguiram superar as barreiras profissionais e ocupam cargo de chefia. As que são diretoras e gerentes têm rendimento médio de R$ 4.435 no Brasil — valor 28,7% inferior aos R$ 6.216 recebidos pelos homens que estão neste mesmo posto.
E essa distinção não tem se reduzido na mesma proporção em que as mulheres ampliam a presença no mercado: ainda de acordo com o IBGE, o ganho salarial das mulheres foi de R$ 98,10, entre 2012 e 2018, mas o ganho dos homens alcançou R$ 149,80. “De 2016 para cá, a diferença até se aprofundou”, revela Luana Simões.
Por conta disso, a diretora de ensino técnico da Escola Nacional de Seguros, Maria Helena Monteiro, diz que é preciso olhar os dois lados do recente aumento do número de mulheres na chefia dos lares. “Na crise, muitos homens perderam o emprego, mas muitas mulheres continuaram trabalhando, possivelmente porque ganhavam salários menores que os dos homens. E aí elas passaram a sustentar a casa”, avalia Maria Helena.
Sobrecarga
Além de ter que se virar com menos para pagar as contas, as mulheres ainda precisam enfrentar mais horas de trabalho do que os homens. Afinal, a maior divisão das contas de casa não se reflete necessariamente na repartição dos trabalhos domésticos. Segundo o IBGE, as mulheres que estão empregadas ainda dedicam 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos. Já os homens que estão nessa mesma situação empregam 10,3 horas nos serviços de casa.
“As mulheres seguem com dupla jornada porque, mesmo entrando no mercado de trabalho, continuaram sendo as responsáveis pelos afazeres domésticos. Já a participação dos homens no trabalho de casa é muito estável. Ou seja, não houve uma redistribuição do mercado doméstico”, conta Luana Simões.
Maria Lúcia da Silva garante que o preço que se paga pela independência de ser a “dona de casa”, financeira e socialmente, é alto. Mas garante que todo o esforço vale a pena: “Nessa vida, é bom saber fazer de tudo um pouco, ser mãe e pai, trabalhar, limpar a casa. E, nas dificuldades, aprendi muita coisa. Olho para minha história e vejo só sucesso”.
“Mesmo com um número cada vez maior de mulheres nas universidades e no mercado de trabalho, hoje, apenas 10% dos assentos dos conselhos de administração são ocupados por pessoas do sexo feminino”
Valéria Café, diretora do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)