Basicamente correto
Em sua corajosa apresentação na FGV dia 7, nosso destacado ministro da Economia, no meio de longa exposição sobre a evolução econômica recente do Brasil, defendeu que o deficit público, que se arrasta sem solução há tanto tempo, ainda é nosso problema macroeconômico número 1. Perfeito. Criticou a demora para se aplicarem soluções, mas louvou o aprendizado da população com todo o processo ocorrido, a ponto de há pouco ter ido às ruas brigar pela reforma da Previdência, algo inimaginável há não muito tempo.
E o principal fator por trás da explosão do gastos públicos, conforme enfatizou, se chama Previdência, abarcando todos os entes da Federação. Assim, ao enviar uma proposta abrangente de reforma com impacto estimado para a esfera federal em cerca de R$ 800 bilhões ao longo de 10 anos em sua versão final, Bolsonaro está realizando boa parte do necessário para recuperar a economia. Isso justifica o otimismo reinante, a despeito de reações contrárias ao que sucede em outras áreas de atuação.
Para resolver o desajuste fiscal, há outras reformas na forma para serem votadas, no centro de um sem-número de mudanças que o novo governo tenta implementar na linha de frente econômica, muitas delas de difícil digestão política, mas nenhuma com impacto comparável ao das mudanças previdenciárias.
Estou entre os que enxergam um problema muito complicado também na falta de infraestrutura adequada, fora deste escopo. Já na Previdência, cuja reforma se iniciou na nova gestão e está chegando ao final, a dupla Bolsonaro-Guedes fez o melhor que poderia ter feito ao escolher o competente trio Bianco-Rolim-Narlon para conceber e tocar esse barco nas águas políticas revoltas que ainda estão por aí.
Na verdade, previdência e infraestrutura são problemas interligados: se resolvermos a primeira, estaremos simultaneamente, e em tese, abrindo espaço nos orçamentos para mais investimento público. Além disso, nesse campo, privado e público são em boa medida complementares. Ou seja, não adianta achar que se resolve o problema da falta de investimento apenas removendo os obstáculos à inversão privada, que de fato existem e são muitos, como tenho enfatizado em minhas colunas.
Outro problema relevante que se deve destacar na discussão da crise fiscal é a gigantesca crise financeira estadual e municipal. Aqui, o ponto central nem sempre devidamente enfatizado, é que os deficits recordes das respectivas previdências vêm se transformando em igualmente enormes “deficits orçamentários totais”, já registrados ou por registrar nos respectivos Balanços Anuais. Esses deficits têm sido tais, que os novos governadores terminaram herdando um gigantesco volume de atrasados (cerca de R$ 100 bilhões ao todo, no final de 2018), por falta de financiamento convencional que os cobrisse, algo muito difícil de administrar. Além disso, começam a surgir notícias sobre novos atrasados de igual dimensão em termos de média anual para o encerramento de 2019, o que confirma a alta gravidade dessa situação.
É claro que precisamos discutir a questão do pessoal ativo, em parte porque o inativo de hoje é o ativo de ontem, e aí há muito o que corrigir no modelo adotado em nosso país. Só que, como fui funcionário público por muitos anos e pude testemunhar, principalmente quando exerci posições de comando, a existência de um contingente altamente competente de servidores, não dispararia críticas generalizadas à qualidade desse grupo. Nem atribuiria alta responsabilidade aos tribunais de conta estaduais pelos fatores que explicam a disparada dos deficits subnacionais (até porque seu poder para tanto é bastante limitado).
Felizmente, além dos planos de ajuste disponíveis para o curto prazo, que têm alcance limitado, temos agora a exigência, há pouco aprovada para fazer parte da própria Constituição, de os entes subnacionais submeterem à autoridade previdenciária nacional um abrangente plano de equacionamento dos respectivos passivos atuariais, algo que tem até o final de julho deste ano para se materializar, sob pena de duras penalidades. Para tanto, os entes subnacionais terão de aprovar em suas assembleias e/ou câmaras a dura reforma de regras que já está se materializando em cerca de metade dos Estados nas mesmas bases da que havia sido aprovada para a União, além de fazerem um expressivo aporte de ativos em fundos de previdência a eles ligados, a se refletirem nas projeções das contas previdenciárias subnacionais para os próximos, digamos, 70 anos, com vistas a zerar — ou significativamente reduzir — seus passivos atuariais.
Pela dureza de sua tarefa, o ministro deve ter pensado alto demais ao disparar críticas difíceis de absorver. Penso que ele está correto em basicamente tudo o que falou, e que excessos se dissipam, sendo muito bom que contemos com sua competência e determinação para acertar.