Economia

Opção de compra

Apesar de restrições feitas por especialistas, aquisição de bens de alto valor por meio de consórcios é vista como vantajosa por milhões de consumidores. Volume arrecadado por administradoras cresceu 26% de janeiro a novembro de 2019



Galdino Paz da Costa pode ser considerado um consorciado profissional. Aos 48 anos, o representante de vendas já entrou em 12 grupos de consórcios. Todos os carros que já teve na vida foram adquiridos por essa modalidade. No ano passado, ele foi sorteado para receber uma carta de crédito com a qual adquiriu uma caminhonete. “Há dois anos, comecei a pagar as parcelas de R$ 1.208. Se tivesse feito um financiamento, pagaria o dobro disso. Por isso, opto pelos consórcios”, afirma.

Morador de Ceilândia, Galdino é um dos que ajudaram a engrossar os resultados do sistema nacional de consórcios, que, até novembro do ano passado, arrecadou R$ 121,5 bilhões, um crescimento de 26,1% com relação ao resultado de R$ 96,32 bilhões de 2018, de acordo com os dados do Banco Central (BC).

Com 7,35 milhões de consorciados em todo o país, adquirir bens ou serviços pela modalidade continua sendo uma opção para realizar objetivos de consumo. De janeiro a novembro de 2019 foram registrados 2,63 milhões de novos participantes nas 160 empresas administradoras de consórcios reguladas pelo BC, o melhor resultado desde 2015, quando foram contabilizadas 2,15 milhões de cotas.

Veículos leves e motocicletas foram os itens mais procurados e responderam por mais de 2 milhões das adesões até novembro do ano passado. Foram 1,16 milhão de novas cotas de veículos leves; 977,7 mil, de motocicletas; 296,44 mil, de imóveis; 83,08 mil, de veículos pesados; 64,17 mil, de serviços; e 49,87 mil cotas de eletroeletrônicos e outros bens móveis duráveis.

Crédito

De janeiro a novembro de 2019, 1,1 milhão de consorciados foi contemplado. Os créditos concedidos registraram avanço de 3,8% em comparação com o mesmo período de 2018. No ano passado, foram concedidos créditos de R$ 38,47 bilhões e, no ano anterior, de R$ 37,06 bilhões.

Para o presidente regional da Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios (Abac), Paulo Ivan Rabelo, os consórcios continuam valendo a pena para pessoas que não possuem disciplina financeira e desejam guardar dinheiro. “É uma ferramenta de planejamento. O valor do crédito que a pessoa vai receber para comprar o bem é decidido na hora da compra e é o mesmo do início ao fim. O participante paga a taxa administrativa, que é o custo da disciplina financeira”, explica.

Segundo a Abac, para não perder o poder de compra, o valor da carta de crédito é atualizado anualmente de acordo com a inflação. Consequentemente, o valor das prestações é reajustado. No entanto, a taxa de administração é fixa e varia de acordo com o consórcio e o bem (ver arte).

Na avaliação de Rabelo, é mais vantajoso ter uma carta de crédito de um consórcio do que comprar a prazo, mesmo com a taxa básica de juros da economia, a Selic, em queda, o que tende a baixar o valor dos juros cobrados nos financiamentos. Atualmente em 4,25% ao ano, a Selic é a referência para a precificação tanto dos financiamentos como das remunerações de aplicações financeiras no mercado.

Rabelo explica que, no lugar de juros, os consórcios cobram taxas administrativas, cujo valor é adicionados às prestações mensais a serem pagas ao longo do contrato. Na sua avaliação, o consorciado preserva a capacidade de endividamento. “A pessoa compra a carta de crédito ciente de que vai receber o bem, mas de que precisa pagar todas as parcelas. Enquanto ela não recebe, ainda está planejando a compra. Após o recebimento do bem, a carta torna-se uma dívida porque a pessoa já possui o bem, mas ainda precisa pagar por ele. Entretanto, diferentemente de outras dívidas, o valor da parcela continua o mesmo, sempre, sem o acréscimo de juros.”

Experiente, Galdino conta que, antes de entrar em um grupo, toma uma série de cuidados para não ter prejuízos. “Pesquiso, faço comparações entre consórcios e bancos, vejo se precisa de fiador. Também consulto outras pessoas que já participaram daquele consórcio para ver o que acharam.”

Outra opinião

Para o educador financeiro Adriano Severo, porém, consórcios não são a melhor opção. Ele frisa que, apesar de as taxas de administração cobradas por essa modalidade serem menores do que os juros cobrados por bancos e financiadoras, é preciso tomar vários cuidados. “A pessoa precisa pesquisar a empresa que está vendendo a cota, certificar-se de que é ela é regulada pelo Banco Central, e avaliar o grupo em que está entrando. As pessoas que compõem o grupo podem não honrar as parcelas ou sair dele, o que prejudica os demais integrantes, que poderão ter que pagar mais”, explica. Quando o número de pessoas do grupo diminui, o risco é as remanescentes terem as prestações reajustadas para manter o sistema em funcionamento. Ele sugere, ainda, verificar o histórico de reclamações da empresa que administra o consórcio.

Para Severo, a demora em conseguir a carta de crédito, por sorteio ou lance, também pode ser um ponto negativo. Na sua avaliação, neste caso, a pessoa pagará por um bem que não sabe quando terá. O educador considera poupança ou financiamento melhores opções para adquirir bens e serviços. “Vale muito mais a pena guardar dinheiro para comprar à vista, pois só terá benefícios. Um deles é pagar menos em comparação ao valor da soma das prestações, mas, se não tiver jeito, acho melhor fazer um financiamento”, orienta.

Na opinião do professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, a quantia que seria desembolsada em uma carta de crédito de consórcio poderia ser investida em títulos públicos ou outras aplicações de renda fixa. Se a pessoa tiver disciplina, a aplicação pode ser melhor do que o consórcio, com a diferença de que não há risco nenhum de perder o que foi aplicado. “É a melhor maneira de guardar e fazer o dinheiro crescer”, diz. Segundo Bergo, o consórcio pode ser positivo para quem não possui o hábito de juntar dinheiro, mas deseja um bem de valor elevado. “Entrar em um consórcio é como pagar alguém para guardar aquela quantia”, afirma.

O enfermeiro Matheus Alves, 26, se arrependeu da escolha, depois de perceber que levaria cinco anos para conseguir o automóvel. Ele até pensou em sair do grupo do qual participava, mas, devido às multas, decidiu permanecer. A demora foi tanta que precisou comprar um veículo antes de obter o do consórcio. “Resolvi não sair porque perderia uma porcentagem considerável daquilo que já paguei em prestações anteriores. Infelizmente, vou ter que continuar até o fim. Ainda faltam 46 parcelas de R$ 390. Financiei em 80 meses”, lamenta.

*Estagiários sob supervisão de Cláudia Dianni