A desaceleração da economia da China pode tirar até meio ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro este ano. Isso ocorrerá se a crise na potência asiática, provocada pela epidemia do coronavírus, for capaz de derrubar o crescimento do país, em 2020, dos estimados 6,5% para 4%, como preveem os analistas mais pessimistas. Cálculos de especialistas apontam que cada 1 ponto percentual de queda no PIB chinês tira 0,2 ponto do Brasil.
O ministro conselheiro da Embaixada da China, Qu YuHui, disse que ainda é muito cedo para dizer qual será o impacto do vírus sobre a economia chinesa. Contudo, reconheceu ser inegável que o surto vai afetar de alguma forma. “As medidas de isolamento dos cidadãos e de bloqueio a algumas cidades vão atrapalhar o fluxo comercial e vão esfriar a economia chinesa. O turismo, certamente, será bastante afetado”, admitiu.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil e qualquer abalo na sua economia respinga no país, sobretudo nos exportadores de commodities. Mineração, celulose, siderurgia e petróleo são os setores mais afetados a curto prazo, explicou Gustavo Bertotti, professor da FSG — Centro Universitário da Serra Gaúcha e head de renda variável da Messem Investimentos. “A China responde em média por 70% da demanda global de minério”, observou.
Empresas como Vale, Gerdau, Suzano, Klabin e Petrobras já sentiram o impacto nas ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). “A Vale fechou janeiro com queda de 5,68% no mês. Os papéis preferenciais da Petrobras se desvalorizaram 5,73%”, listou Bertotti. O barril de petróleo no mercado internacional despencou 15%. “Outro setor que pode ser impactado é o de alimentos e frigoríficos. BR Foods recuou 13,21% em janeiro”, disse. Com restrições de viagens, o turismo também sentirá o baque, sobretudo as companhias aéreas brasileiras, e a CVC, que estava buscando recuperação, alertou.
A desaceleração da economia chinesa estava precificada desde o ano passado, conforme o professor Francisco Olivieri, superintendente geral do Instituto Mauá de Tecnologia. “Mas o surto do coronavírus pode agravar isso. A China vai consumir menos minério. A Vale vai perder dinheiro”, avaliou. O especialista, contudo, ressaltou que o país pode ganhar com as commodities do agronegócio. “Os chineses não vão deixar de comer. E com a desvalorização do real, nossas exportações vão ficar mais baratas”, considerou.
Como 28% da pauta de exportação do Brasil são de produtos básicos, as vendas externas estão sentindo o baque da desaceleração da economia mundial, disse Alex Agostini, economista-chefe da Austin Ratings. “As exportações mostram declínio de 30% nas quatro primeiras semanas do ano. Com a doença, podem cair mais 30% em fevereiro”, estimou. Segundo o especialista, o setor externo representa 14% do PIB brasileiro, e a China pode perder um ponto percentual de crescimento do PIB, o que tira 0,2 do PIB brasileiro. “Nossa projeção ainda é de 2,4% de alta, porque, por ora, não temos elementos suficientes para revisá-la. Mas instituições, como o JP Morgan, revisaram para baixo as previsões para o PIB mundial no primeiro trimestre”, ressaltou.
O Brasil também é importador de produtos manufaturados da China. No entanto, segundo Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNT), a possibilidade de a epidemia afetar o varejo ainda é baixa. “Só se tiver alastramento sem controle. Os segmentos que sentiram a curto prazo foram o aéreo e o turismo, mais diretamente relacionados ao foco do problema”, disse. Olivieri, do Instituto Mauá, observou, entretanto, que o desembaraço de produtos chineses nos portos e aeroportos pode encarecer as importações. “Os procedimentos de descontaminação devem ser intensificados”, pontuou.
Vandyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios, é mais otimista. Segundo ele, a China está fazendo a lição de casa, colocando 60 milhões de pessoas de quarentena. “Há um pouco de histeria coletiva, como ocorreu com a Sars e o H1N1. As autoridades chinesas estão sinalizando que têm responsabilidade, e o controle pode ser a curto prazo, sem grande impacto na economia”, opinou.
Governo monitora
O governo está monitorando os efeitos do coronavírus na economia brasileira, mas, até agora, não houve prejuízo aos exportadores, afirmou o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo. Em evento no Rio, ele disse que o cenário global é desafiador, além das questões da saúde, uma vez que o mundo ainda vive os efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.“Há muita incerteza de ajuste estrutural nas relações comerciais entre os Estados Unidos e a China”, comentou Troyjo. “Em alguns momentos, a incerteza externa é uma oportunidade para o Brasil, como é o caso da soja”, acrescentou.
Deslocamento
Troyjo acredita que vai haver um deslocamento mundial da demanda agrícola, com vantagens competitivas para o Brasil. “A determinação é continuar a integração. Queremos incrementar o comércio com a China e os Estados Unidos. No governo Lula, o intercâmbio ficou aquém do potencial. Estamos em busca do tempo perdido”, destacou.O efeito colateral do ajuste entre os Estados Unidos e a China é que os investidores desaceleram projetos enquanto aguardam a estabilidade mundial.
Segundo o secretário, existe atualmente no mundo um “gigantesco” estoque de poupança e, ao mesmo tempo, raras oportunidades de investimento que seja viável e lucrativo. “Podemos desobstruir o túnel que conecta a liquidez à necessidade de infraestrutura no Brasil”, acrescentou.
Dólar alcança nova máxima
O dólar fechou janeiro em nova máxima histórica, cotado em R$ 4,283, refletindo a preocupação dos investidores com os efeitos da rápida disseminação do coronavírus na economia mundial. No pregão desta sexta-feira (31/1), a moeda norte-americana subiu 0,59%, acumulou a maior alta para um mês de janeiro desde 2010 e registrou recorde mensal desde agosto de 2019, com valorização de 6,81% frente ao real no ano. Na quinta semana consecutiva de alta, a divisa avançou 2,39% diante do real, mesmo com o Banco Central (BC) despejando US$ 3 bilhões no mercado para conter a volatilidade.A autoridade monetária fez um leilão de linha, que corresponde à venda de dólar à vista com compromisso de recompra, para rolar contratos que venciam desta sexta-feira (31/1), e deve fazer novas intervenções. Ainda assim, o real foi uma das moedas com pior desempenho ante o dólar em janeiro, bem perto da África do Sul, onde a divisa dos Estados Unidos acumula aumento de 6,9%.
Para Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, o BC interfere no mercado para estabilizar o câmbio e impedir alta volatilidade. “Não tem um teto para a cotação. Essa alta é relacionada ao quadro internacional de risco pelo coronavírus e a uma nova queda da Selic (taxa básica de juros)”, avaliou. Segundo ele, o mercado aposta em mais uma redução de 0,25 ponto percentual na taxa básica semana que vem, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne pela primeira vez no ano. “A redução dos juros deprecia o real, porque tira atratividade dos ativos do país. O investidor não quer entrar para ganhar pouco e ainda correr risco cambial”, ressaltou.
Flutuação
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, explicou que o sistema de câmbio é flutuante. “Sistema flutuante não significa que o BC não pode intervir. Moeda estrangeira faz parte da política monetária. A autoridade deixa ajustar até não precisar intervir. Neste momento, vale a intervenção, porque há um risco direto da taxa de câmbio”, assinalou.
De acordo com o especialista, o BC entra para amenizar e mitigar os efeitos da volatilidade na economia. “Mas o mercado gosta da queda de braços e vai tentando forçar. Isso faz parte do jogo, para chegar num câmbio de equilíbrio”, observou. A estratégia do mercado é momentânea, porque os investidores podem estar posicionados em câmbio ou na hora de realizarem lucro. “Por isso, forçam a subida do dólar”, explicou.
Na análise da equipe de estratégia do Morgan Stanley, contudo, a autoridade monetária está dando sinais de que está confortável com o dólar nos níveis atuais, apesar do leilão, e não deve atuar de forma mais contundente no mercado.
Investidor amarga perdas na Bolsa
O temor sobre os efeitos do coronavírus tem impactado fortemente os mercados de capitais, sobretudo o brasileiro. Desde 21 de janeiro, quando predominou o cenário de incerteza com o surto e houve a primeira queda expressiva de 1,5% no Ibovespa, o valor de mercado das empresas brasileiras listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) recuou de R$ 4,698 trilhões para R$ 4,649 trilhões, de acordo com dados da consultoria Economatica.
As empresas cujas ações mais se desvalorizaram foram aquelas que têm relação comercial mais próxima com a China — o Brasil é grande exportador de commodities para o mercado chinês, principalmente minério de ferro, soja e carne. Entre as maiores perdas, estão as de companhias da cadeia de produção de aço. Desde que o surto de coronavírus ganhou força, a empresa que mais perdeu valor de mercado, em valores absolutos, foi a Vale, com retração de R$ 23,213 bilhões.
Alex Agostini, analista da Austin Rating, destacou como principal efeito do cenário de nervosismo a perda de atividade para as exportadoras. “Deve demorar um pouco para mudar essa perspectiva, até que a situação esteja mais clara sobre os efeitos colaterais. Já identificamos no Brasil, nestas quatro primeiras semanas uma desaceleração, justamente pelo fato de a China estar perdendo fôlego de crescimento. A Vale se sobressai nesse cenário por ser uma das maiores exportadoras para o mercado chinês. Ela tende a sofrer um pouco mais”, avaliou, afirmando que todas as outras empresas também devem ter perdas nos próximos dias.
Para Agostini, ainda não há dados suficientes para mudar as projeções de crescimento do Brasil. “Por enquanto, estamos tratando o evento como passageiro, acreditando que as autoridades vão conseguir controlar o surto da doença em três meses, e que o episódio não afetará tanto a dinâmica macroeconômica para o PIB deste ano”, disse. “Mas, à medida que novos fatores surgirem, teremos uma visão mais clara. A princípio, ainda é prematuro”, acrescentou.
O nervosismo entre os investidores reforçou o movimento de retirada de capital estrangeiro do mercado acionário brasileiro. No ano passado, o volume de retiradas ficou em R$ 44,5 bilhões acima dos aportes na B3, superando até mesmo o fluxo negativo do auge da crise financeira de 2008. E o cenário não mudou neste ano. Até 28 de janeiro, mais de R$ 15 bilhões em investimentos deram adeus à bolsa paulista, que tem sido cada vez mais sustentada por investidores nacionais.
* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo