São Paulo — Fundadora e CEO da Sputnik Educação, uma das maiores escolas corporativas do Brasil, Mariana Achutti vem ajudando a provocar mudanças no universo das universidades mantidas por empresas, ao oferecer novos métodos de aprendizado em companhias como Ambev, Boticário, Facebook e Google. Segundo a executiva, escolas e universidades não têm sido capazes de formar profissionais preparados para a nova era da tecnologia e para uma sociedade em permanente processo de transformação. “O formato das salas de aula que conhecemos serviu para formar as pessoas para trabalharem em fábricas: o sinal para o intervalo, as carteiras lado a lado, os uniformes”, diz ela. “Isso precisa mudar.” Nesta entrevista, Mariana Achutti detalha como é o seu método de trabalho, fala do notável crescimento desse mercado e das habilidades que as empresas buscam no profissional do futuro.
O fato de empresas como Ambev, Boticário, Facebook, entre outras, estarem investindo em cursos “in company” é um sinal de que a educação no país ainda não entrega o que as empresas precisam? Como está o mercado da educação corporativa?
O formato das salas de aula que conhecemos serviu para formar as pessoas para trabalharem em fábricas. Oriunda da Revolução Industrial, a forma como fomos expostos à educação se assemelha a uma unidade fabril: o sinal para o intervalo, as carteiras lado a lado, os uniformes. Isso precisa mudar. Não só o formato não é mais condizente na era da Quarta Revolução que vivemos, mas também os conteúdos que aprendemos precisam ser revisitados. Isso também vale para o que se aprende nas universidades, que não condiz mais com a complexidade do mercado atual. Por isso, há tanta procura por modelos de educação diferenciados e cursos ‘in company’. O mercado da educação corporativa está aquecido por uma necessidade intrínseca das empresas de atualização, renovação de mentalidade e de atuação perante um mundo que está mudando o tempo todo.
Quais os objetivos da empresa para 2020? Há espaço para crescimento?
Com mais de 10 mil alunos, minha perspectiva para 2020 é crescermos 50%. Estamos investindo em uma metodologia ‘blended learning’ (ensino híbrido). Acreditamos que o aprendizado deva se dar de muitas formas e que a sala de aula presencial é apenas uma delas. Para isso, estamos criando formatos que levem a uma pluralidade metodológica para que os próprios alunos criem, de forma personalizada, as suas jornadas de aprendizagem. Sabemos que cada pessoa aprende de um jeito diferente e queremos levar a personalização como uma opção para os nossos clientes. As universidades corporativas e os cursos ‘in company’ tendem a ter baixo engajamento por parte dos colaboradores. Por isso acreditamos que a forma e a metodologia são fatores fundamentais para que os alunos vejam valor no que é ensinado. Na era do ‘lifelong learning’ (educação continuada), é preciso aprender sempre, e muitos formatos de aprendizagem são o caminho para que isso se torne dinâmico, sempre pensando na aplicação do que é aprendido.
Como as empresas podem estimular seus funcionários a investirem em cursos de capacitação?
O conceito de ‘lifelong learning’ é antigo, mas acreditamos que, desta vez, ele veio para ficar. Se olharmos pela perspectiva do aprendizado, estar em diversos ambientes, formal e informalmente, nos ajuda a entender que o conhecimento não está restrito a um local físico fixo, como uma sala de aula padrão. As empresas podem estimular seus f uncionários criando ambientes seguros para experimentação e criatividade. As empresas precisam enxergar o erro como processo de melhoria contínua. Investir na educação de colaboradores que entendem que podem testar seu novo aprendizado em algo é ganhar duplamente.
Em quantos estados a Sputnik atua? A empresa está em expansão?
Atendemos empresas de todo o Brasil e já fizemos projetos nos Estados Unidos, Argentina, México e Colômbia. Sinto que há muito espaço para transformação nos países da América Latina. Por isso, nosso plano para 2021 é formalizarmos nossa expansão pelo continente.
Como é desenvolvido o programa de ensino para as empresas atendidas?
Nosso processo de desenvolvimento de trilhas educacionais é feito por meio de uma curadoria de profissionais, conteúdos e experiências, de acordo com a necessidade real do nosso cliente. Ocorre de forma customizada e pensada além do sintoma do problema. Focamos em entregar conteúdos e experiências que sejam caminhos viáveis para as empresas que nos procuram. Nosso primeiro passo é de diagnóstico e entrevistas com as pessoas que estão demandando, mas colocamos o aluno no centro, na maioria das vezes, para entender o que faz sentido aprender.
Muitos profissionais dizem que cursos ‘in company’ não são produtivos...
Já vi muitas empresas investindo milhares de reais em cursos que não tinham o que os funcionários queriam e precisavam. Aí, obviamente, não há um retorno concreto para esse investimento. Nossa construção de jornada de ensino leva em consideração as metas da organização, mas colocando sempre o aluno como protagonista.
Quais são as habilidades que um profissional precisa ter para alcançar o sucesso no mundo corporativo?
Hoje em dia, as habilidades mais valorizadas pelo mundo corporativo são as humanas, como inteligência inter-relacional, pensamento crítico, ética e moral, capacidade de julgamento, capacidade para lidar com emoções. Isso não somos nós que estamos dizendo, é a pesquisa “Future of Jobs”, feita pelo Fórum Econômico Mundial. E nenhuma delas, aprendemos na escola.
Dados revelam que o Brasil é um dos países com mais casos de transtornos mentais no mundo. Como as empresas podem lidar com essa realidade e prevenir o aumento das estatísticas?
Foi exatamente o que falamos anteriormente sobre a necessidade de desenvolver as habilidades socioemocionais. As empresas podem colaborar com um olhar honesto e profundo sobre a saúde mental de seus colaboradores e oferecer espaços seguros e respeitosos para todos.
É por isso que você defende a ideia de que a saúde mental deve ser uma meta corporativa. Por que e como fazer isso?
Sabemos que a velocidade da era informação está gerando inúmeras doenças psicológicas. Nosso cérebro não foi desenhado para o número de informações que consumimos ao longo do dia. São as inúmeras mensagens no Whatsapp, o feed do Instagram, o podcast, a televisão, as centenas de e-mails, e reuniões. As pessoas estão exaustas e isso não é somente culpa do trabalho. As novas tecnologias estão deixando a sociedade exausta. Não desligamos nunca.
Nesse contexto, qual deve ser o papel das empresas?
Como os casos de doenças psicológicas e a Síndrome de Burnout (a chamada síndrome do esgotamento profissional, distúrbio sintomático de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico em razão de situações de trabalho desgastantes) estão crescendo exponencialmente, as organizações devem alertar e prevenir seus times dos riscos da exaustão, criando estratégias para relações mais saudáveis com a tecnologia. Estudo recente feito pelo Google mostrou que empresas mais criativas e inovadoras são aquelas que são psicologicamente seguras. Ou seja, falar de saúde mental dentro das empresas não é somente para prevenir, mas para gerar maior produtividade no ambiente de trabalho. Acaba sendo uma relação ganha-ganha, entre funcionários e organizações.
O mercado tem exigido que as empresas invistam na diversidade. Qual é o seu ponto de vista a esse respeito?
A diversidade é a base da criatividade. Particularmente, não acredito em inovação, disrupção e criatividade sem a presença da diversidade. Acho essencial as empresas se posicionarem investindo na contratação de times mais diversos.