Economia

Combustível caro emperra aviação

Dominado por três grandes empresas nas rotas domésticas, mercado só se tornará atraente para novos concorrentes se houver redução no preço do querosene. Alta carga tributária e excesso de judicialização são outros entraves para o setor

Correio Braziliense
postado em 26/01/2020 06:00

Dominado por três grandes empresas nas rotas domésticas, mercado só se tornará atraente para novos concorrentes se houver redução no preço do querosene. Alta carga tributária e excesso de judicialização são outros entraves para o setorCom a saída da Avianca, no ano passado, o mercado nacional de aviação civil ficou ainda mais concentrado. Apenas três grandes companhias — Azul, Gol e Latam — operam as principais rotas domésticas. Para reduzir o preço das passagens, o governo está empenhado em ampliar a concorrência, atraindo novas empresas, sobretudo as chamadas low cost (de baixo custo) que começam a entrar no país, operando rotas internacionais. O principal obstáculo, no entanto, é o preço da querosene de aviação (QAV). No Brasil, esse item representa 40% dos custos do setor. Outro entrave é a excessiva judicialização. Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o alto número de processos pode significar gasto adicional de R$ 500 milhões para as companhias em 2020.


Potencial para o mercado crescer não falta. Com mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil tem registro de apenas 30 milhões de CPFs de passageiros, segundo a Secretaria Nacional de Aviação Civil (SAC) do Ministério da Infraestrutura. “As classes A e B voam. Porém, só o topo da C consegue voar. É esse público que queremos capturar”, destaca o secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann. Segundo ele, os brasileiros fazem 0,4 viagem per capita por ano. “Em mercados maduros, o indicador é de 1,5 e, nos avançados, dois”, compara.

Para conseguir essa inclusão, o governo trabalha em duas frentes: aumentar a concorrência e reduzir custos. “Nós temos um mercado compatível com novos operadores. Algumas coisas já foram feitas no sentido de alinhar o setor com as práticas internacionais, como o fim da franquia de bagagem e a abertura de até 100% ao capital estrangeiro nas companhias aéreas”, explica. A SAC, agora, quer extinguir a taxa extra de US$ 18 na tarifa de embarque em voos internacionais, para viabilizar os tíquetes das low cost. “A arrecadação é de R$ 714 milhões por ano. Como mexe na receita, a medida deve ter eficácia apenas em 2021, mas queremos antecipar, pelo menos, para os voos da América do Sul, que são mais baratos, e o valor da taxa se torna mais relevante”, afirma. 

Apesar dos avanços, ainda há muito por fazer, ressalta Glanzmann. “O principal objetivo é reduzir o preço do QAV”, diz. No ano passado, os estados e o Distrito Federal criaram regimes especiais de tributação, com redução da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Céu nublado). “Estou pedindo um esforço federal, de retirar o PIS/Cofins que incide no QAV e representa R$ 0,07 por litro. No ano, é uma arrecadação de R$ 230 milhões”, calcula. Na produção do combustível, o governo aposta na entrada de novos players com a alienação das refinarias da Petrobras. “Como isso demora, vamos atacar primeiro a distribuição, controlada pelas empresas BR, Raízen e Air BP, que operam em pool”, revela Glanzmann.

Para isso, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) vai iniciar a revisão das regras. “A iniciativa tem como base as conclusões do grupo de trabalho formado pela ANP e pela Agência Nacional de Aviação (Anac)”, informa o órgão regulador, em nota. “O grupo foi criado para discutir aspectos da regulação das instalações de armazenamento de combustíveis de aviação em aeródromos, sua operação, modelos de acesso a entrantes e regras de transição, com o objetivo de identificar ações para estimular a competição entre os agentes regulados e reduzir as barreiras técnicas e regulatórias existentes”, esclarece o texto.

No ano passado, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ouviu testemunhas em processo instaurado em 2018 para investigar se o pool de empresas é abusivo. Um dos especialistas consultados pelo órgão antitruste, o diretor executivo da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (Alta), Luis Felipe de Oliveira, aponta que o grande problema da competitividade nos aeroportos brasileiros é o monopólio na produção e importação do QAV, praticado pela Petrobras. “De nada adianta termos mais competição nos aeroportos se não temos fontes alternativas de combustível”, diz. 

Nova regulação

Em sintonia com o governo, a agenda da Abear para 2020 tem como prioridades a revisão da política de precificação do querosene de aviação (QAV), mudanças regulatórias, para evitar custos desnecessários para o setor, e a desoneração tributária. “Há tributos que não são exigidos em qualquer local do mundo, com exceção do Brasil, colocando as empresas nacionais em situação difícil em relação à competitividade”, afirma a entidade, em nota. 

A Abear também defende a redução da judicialização do setor, com “incentivo à solução extrajudicial de conflitos entre passageiros e companhias aéreas, como mecanismo para redução do volume de demandas que sobrecarregam e oneram não só o setor, mas também o Estado e o usuário do transporte aéreo”, ressalta. 

O diretor executivo da Alta, Luiz Felipe de Oliveira, ressalta que o custo de operar no Brasil é um obstáculo para a entrada de mais empresas no mercado. “O preço de combustível é um dos mais caros do mundo. Há leis estaduais, municipais e federais. A judicialização obriga a contratação de vários advogados. Tudo isso é custo. Para as low cost, fica inviável”, assinala. 

Dany Oliveira, diretor-geral da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês para International Air Transport Association) no Brasil, explica que as mudanças já consolidadas estão sendo fundamentais para que o Brasil consiga deslanchar todo o potencial de crescimento. “Mas ainda existem grandes âncoras a serem removidas, como o altíssimo preço do combustível de aviação, excesso de judicialização, encargos tributários, que são fatores inibidores à entrada de novas empresas no mercado”, afirma.

 

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