São Paulo – O ano parece distante: 2030. Mas os planos para a próxima década já estão sendo desenhados por muitas empresas. A data está no calendário especialmente das corporações que se alinharam à Agenda 2030.
Em 2015, 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU), reunidos em Nova York, assinaram o documento “Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que definiu uma série de diretrizes nessa direção.
O plano aponta para 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os ODS, e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para todos, e envolve governos, sociedade, empresas, academia.
No Brasil, empresas de diferentes segmentos decidiram aderir ao documento da ONU e vêm colocando em prática mudanças para reduzir seus impactos e contribuir para um planeta mais sustentável. É o caso da MRV, a maior construtora da América Latina. No segundo semestre do ano passado, a companhia lançou a Visão MRV 2030 para os ODS, do qual é signatária há três anos.
Para alcançar as metas propostas pela ONU, a MRV adotou metas abrangentes, que incluem ações em seus canteiros de obras, mudança de atitude entre os colaboradores, propostas de melhorias nos projetos que são entregues aos clientes e exigências junto à cadeia de fornecedores.
Em dezembro, três empresas brasileiras assinaram compromissos com a Rede Brasil do Pacto Global para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e contribuir para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 grau Celsius até 2020. São elas a Ambev, a Ecopamplas (de reciclagem) e a varejista Renner. Com isso, o Brasil conta atualmente com oito companhias que aderiram ao programa da ONU com o objetivo de limitar a temperatura média global. Fazem parte também a Klabin, do setor de papel e papelão, a Malwee, de confecção, e a Natura, de cosméticos.
Na atividade aérea, também há propostas de mudanças. Até 2030, a francesa Airbus pretende construir um avião de 100 lugares que seja neutro em emissão de carbono. A companhia tem desenvolvido projetos com parceiros e startups na busca por motores híbridos (elétrico e a combustão combinados) e combustíveis alternativos. Os aviões são grandes poluentes. Tanto que o setor trabalha com datas mais elásticas para uma mudança profunda em seus produtos. Em junho do ano passado, Airbus, Boeing e outras fabricantes do setor se comprometeram a reduzir os índices de emissões de 2005 pela metade até 2050.
O setor marítimo também tem feito alguns esforços. Recentemente, a Costa Cruzeiros inaugurou o navio Costa Smeralda. Desenvolvida a partir do conceito de cidade inteligente itinerante, a embarcação apresenta uma redução significativa de emissões graças a soluções ligadas à eficiência energética. A água usada vem diretamente do mar e a coleta de resíduos é de 100%.
Na semana passada, foi a vez de a Microsoft anunciar uma meta ambiciosa para seus negócios. A empresa pretende se tornar carbono negativo até 2030 e remover do meio ambiente, até 2050, todo o C02 emitido por ela desde o início do negócio, em 1975. Seu plano prevê a remoção de 16 milhões de toneladas de carbono do meio ambiente em 2020, com investimentos de US$ 9,6 bilhões. Além disso, a companhia pretende diminuir a poluição em sua cadeia de fornecimento.
Inteligência artificial será comum em 2030
Wagner Arnaut, CTO de IBM Cloud da IBM Brasil, é uma espécie de futurólogo em sua área de atuação. Faz parte das suas atribuições pensar em quais serão as principais demandas nos próximos anos. Para os próximos dez anos, o especialista aponta para cinco grandes tendências.
Segundo Arnaut, a tecnologia será cada vez mais democratizada. Se hoje se fala de inteligência artificial (AI) e blockchain como ferramentas disponíveis para grandes corporações, nos próximos anos, esses recursos, assim como o uso da nuvem (ou cloud para armazenamento de dados), passarão a ser usados por pequenos negócios, como padarias e mercadinhos, mas já com novas tecnologias de segurança.
Na próxima década, diz o executivo da IBM, a AI aplicada será vista nos mais diversos segmentos de mercado. “Seu uso será ampliado para praticamente todas as profissões, fará parte do dia a dia. Será a vez dos veículos autônomos, por exemplo, e de vermos os produtores rurais utilizando inovações para avaliar a qualidade do solo por meio do celular. Todo profissional vai ter de estar preparado para usar a AI aplicada na sua profissão, no seu contexto de negócio”.
Assim como alerta a ONU no documento “Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, Arnaut lembra que haverá grandes desafios nas próximas décadas, especialmente na área de produção de alimentos — em decorrência das mudanças climáticas e do aumento populacional.
"Como ser mais eficiente? Uma das formas é evitar o desperdício. De 30% a 40% dos alimentos são desperdiçados antes de chegar à mesa da população no mundo. A tecnologia de blockchain vai ajudar a rastrear a cadeia, desde a colheita, passando pela distribuição, o beneficiamento até chegar à mesa do consumidor”, explica.
Mesmo quem não gosta de tecnologia deve se preparar para o que Arnaut chama de “explosão de dispositivos conectados". Haverá uma proliferação do que se vê hoje, como sensores inteligentes dentro de casa, nos carros, nas empresas e nas ruas. O desafio estará em agregar diferentes fontes de informação.
A segurança é outro capítulo importante quando se fala em inovação para a próxima década. Ela será cada vez mais demandada por conta da quantidade de dispositivos. Afinal, como garantir a proteção de dados e evitar grandes desastres?
Todos esses aspectos passam pelo custo. Segundo o executivo da IBM, o período inicial de adoção de novas tecnologias tem um custo maior, mas com o tempo elas ajudam a ganhar competitividade e, em cenários mais maduros, proporcionam a redução de custo.
Nessa corrida para a próxima década, o Brasil deverá sofrer com a falta de mão de obra especializada. "Grandes empresas brasileiras estão no nível de maturidade comparável ao de suas concorrentes no mundo. Mas elas estão chegando no limiar com falta de profissionais qualificados”, adverte Arnaut.
O que eles esperam de suas empresas daqui a dez anos?
Presidentes de cinco empresas, de diferentes setores, foram perguntados sobre como imaginam que seus negócios estarão em 2030. Esse tipo de exercício de futurologia, ainda mais com as inovações acelerando cada vez mais as mudanças dentro das corporações, tem se tornado cada vez mais desafiador. Imagine, por exemplo, se dez anos atrás seria possível dizer que pequenas empresas de tecnologia voltadas ao setor financeiro teriam condições de rivalizar com grandes bancos. A seguir, os depoimentos dos representantes da Visa, Grupo Telles, Creditas, Neon e Reserva
Jean Sigrist, sócio e diretor da Neon
“Trabalhei a vida inteira em empresas grandes, tradicionais. A primeira coisa que tive de aprender de novo foi sobre o planejamento no longo prazo. Às vezes, você fica tão focado no longo prazo que não percebe coisas relevantes do dia a dia. Mais tarde, isso dificulta o movimento de ajuste dos planos. Aqui, nossos planejamentos de fato são trimestrais. Se o cliente está querendo algo agora, precisamos ser rápidos, não adianta pensar em planejar para daqui a cinco anos. Por isso, não dá para ter a menor ideia do que vai ser a empresa daqui a dez anos.”
Fernando Sigal, fundador e diretor da Reserva
“O mundo vem mudando tão rápido que fica difícil pensar como será daqui a dez anos. Em 2030, quero olhar para trás e ver que a Reserva fez uma transformação no mercado. Espero que até lá todo brasileiro tenha muito orgulho de a Reserva ser uma marca brasileira e que tenhamos alcançado alguma transformação socioambiental no Brasil. Essa é a minha crença para daqui a dez anos.”
Paulo Telles, CEO do Grupo Telles
“Daqui a uma década espero que o grupo esteja com a mesma energia de hoje, que é a mesma de 10 e de 50 anos atrás. Queremos seguir investindo e aprendendo. Espero que economicamente o país esteja em uma situação melhor. Da nossa parte, devemos seguir nos próximos anos sem pensar em crescer rapidamente, mas com passos firmes, com fortaleza, não com grandeza.”
Sergio Furio, fundador e CEO da Creditas
“Espero que em 2030 a Creditas seja vista como referência na sua área de atuação e que as pessoas achem que é uma piada pagar 100% de taxa de juros. Espero que haja uma mudança que permita ao pobre investir e virar rico. Quem sabe uma nova era de crédito.”
Fernando Telles, presidente da Visa
“Somos cada vez mais uma empresa de tecnologia. Em 2030, vamos estar experimentando uma participação ainda maior no fluxo de pagamento, com mais participantes no ecossistema e cada vez mais voltados ao uso de tecnologias, como a biometria.”