Correio Braziliense
postado em 19/01/2020 08:00
As principais vítimas da fila de 2 milhões de pessoas que esperam a concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são, naturalmente, as pessoas que entraram com os pedidos — 1,3 milhão delas aguardam uma resposta há mais de 45 dias. Mas a situação também prejudica os servidores da autarquia, que, há anos, pedem reforços ao governo. Agora, a ajuda virá pela admissão de 7 mil militares no atendimento das agências, conforme o anunciado pelo governo. A percepção geral dos servidores, no entanto, é de que a medida não é suficiente.Na avaliação de Rita de Cássia Assis, funcionária há 15 anos de uma agência do INSS, no centro de São Paulo, colocar militares ou qualquer outra categoria de profissional que não seja especializada na área pode gerar um “retrabalho”, como dar informações erradas e fazer o cidadão ter de retornar à agência.
As filas continuam grandes, mesmo com as plataformas digitais, diz Rita. “Já teve caso de a fila de espera chegar a cinco horas, e não é qualquer funcionário que consegue resolver os problemas”, conta. As situações mais críticas, segundo ela, foram durante a reforma da Previdência, no ano passado, mas o tempo de espera continua elevado. Na última sexta-feira, por exemplo, teve gente que esperou três horas, relata.
Na impressão de Rita, o atendimento remoto ajuda boa parte dos beneficiários, mas não serve para situações específicas, que não podem ser resolvidas on-line. “Ainda tem muita gente que não tem acesso à internet, isso exclui uma parcela da população. As pessoas têm problemas no benefício e não conseguem atendimento pelo telefone. Vêm pessoalmente. Tirar atendente capacitado vai ser um problema para esse grupo”, diz.
Raimundo Nonato, 56 anos, por exemplo, tentou ligar mais de 20 vezes para o 135, número de atendimento do INSS, mas sequer foi atendido. Ele agora faz plantão nas agências para tentar resolver o problema da mãe, de 80 anos, que não recebe a aposentadoria há dois meses. “Quando consegui ser atendido, não resolveram o problema e me mandaram para outra agência. Agora, não consigo nada”, reclama.
Rita conta que é comum chegarem pessoas com o celular na mão, pedindo para acessar o sistema por elas. “Atendi uma senhora de 92 anos recentemente, de baixa renda e sem nenhuma noção de como acessar o aplicativo”, lembra. Deslocar para análise é importante, mas o atendimento não pode ser negligenciado. “O cobertor é curto. Engrossar o atendimento com quem não entende do assunto não resolve”, acredita.
Em alguns casos, colocar categorias diferentes, como militares, pode até prejudicar os trabalhos, avalia a assistente social Viviane Peres, que trabalha em uma agência no Paraná desde 2009. Ela ressalta que o problema é estrutural e não pode ser resolvido com medidas simplistas. “As filas já vêm de muito tempo. A avaliação geral dos servidores, pelo que eu percebo, é de que vão colocar militares que ainda precisarão ser capacitados, e isso vai ser feito pelos servidores. Ou seja, vão perder ainda mais tempo para ensinar”, acredita.
Os questionamentos quanto à medida já chegaram ao Tribunal de Contas da União (TCU). O subprocurador-geral do Ministério Público no TCU, Lucas Furtado, pediu ao tribunal, na última sexta-feira, que suspenda a contratação de militares da reserva para atuar no INSS. O erro, segundo ele, é chamar apenas militares. “Nesse caso, é nítida a reserva de mercado que o governo federal está promovendo para remediar o impasse das filas de processos pendentes de análise”, argumenta, na representação.
Opções
Entre as opções apresentadas pelos servidores, a primeira é a realização de concurso, para cobrir a defasagem de 16 mil servidores. Só em 2019, 6 mil se aposentaram. A contratação de pessoas que passaram no último concurso, em 2015, também é sugerida pelos funcionários do órgão. O especialista em direito previdenciário Washington Barbosa, diretor acadêmico do Instituto Dia, entretanto, lembra que um novo concurso demoraria até dois anos para fazer efeito e a situação é emergencial.Como não há previsão no Orçamento, seria preciso enviar um PLN, que ainda precisaria ser aprovado pelo Congresso, para, só então, publicar o edital. “O concurso deve ser analisado em um segundo momento, não agora. Estamos em um incêndio. Primeiro, apaga; depois, vê o que pode ser feito a mais. É preciso analisar, de fato, a defasagem, em tempos normais”, avalia.
Barbosa considera a contratação de militares uma política acertada e mais barata do que outras alternativas, como recorrer a terceirizados ou servidores temporários. “Se isso acontecesse, as queixas seriam mais intensas, e o custo seria muito maior. Contratar um terceirizado ou temporário custa mais para o Estado do que pagar a gratificação dos militares”, afirma.
Se esses trabalhadores ganhassem em torno de R$ 1,5 mil, o custo para o governo ficaria entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, calcula. Para pagar os militares da reserva, o gasto total será de R$ 14,5 milhões por mês. Dividindo pelos 7 mil que devem ser chamados, fica, em média, R$ 2 mil para cada. “Com certeza, fica muito mais barato do que nos outros casos estudados”, conclui Barbosa.
Além disso, contratar com estabilidade sem saber exatamente a situação do órgão após normalizar o estoque pode ser um gasto desnecessário, já que a demanda tende a diminuir. Uma medida que ainda pode ser tomada é a edição de uma Medida Provisória (MP) para permitir que o INSS possa contratar servidores aposentados, outra sugestão dos funcionários da autarquia. O governo não sinalizou estar disposto a fazer isso, mas é tecnicamente possível. “Acho que isso seria em um segundo momento. Primeiro, tentar os militares. Se não der certo, pensa em chamar os aposentados do INSS, se for o caso”, diz Barbosa.
Os servidores questionam, inclusive, o aumento da produtividade, ressaltado tanto pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, quanto pelo presidente do INSS, Renato Vieira. “Aumentou às custas de trabalho intenso. Muitos trabalham até 12 horas por dia. Não só não é sustentável como resulta em afastamentos por problemas de saúde”, afirma Moacir Lopes, diretor da Federação Nacional de Sindicato de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps).
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