Mais de 2 milhões de brasileiros esperam uma resposta do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para receber aposentadorias, pensões e auxílios, inclusive benefícios voltados para idosos e deficientes de famílias que ganham menos de R$ 250 por mês. Desde novembro, quando a reforma da Previdência foi promulgada, nenhuma aposentadoria sob as novas regras foi concedida.
Mas as pendências vêm de pelo menos seis meses atrás e, mesmo assim, o governo ainda não sabe como resolver a situação. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse ontem que o Ministério da Economia deve anunciar amanhã medidas para conter a fila. Sem antecipar as iniciativas que têm sido estudadas, nem o prazo estimado para normalização do serviço, ele explicou que a pasta está “buscando respaldo técnico e jurídico” e analisando o orçamento para tomar alguma decisão.
Enquanto isso, brasileiros sofrem para garantir aposentadorias e benefícios assistenciais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que a dona de casa Bárbara Silva, 24 anos, tenta há meses retomar. O auxílio de um salário mínimo era pago ao filho de três anos, deficiente, desde que ele nasceu, mas foi cortado no fim de 2019 — segundo ela, sem justificativa. “Não trabalho e não tenho como arrumar emprego, porque é impossível permanecer em um serviço e cuidar do meu filho, que precisa de acompanhamento”, explica.
De acordo com nota da Secretaria de Previdência, enviada à Comissão Mista de Orçamento do Congresso, no fim de 2019, um dos motivos da fila, que, à época, chegava a 2,3 milhões de pedidos, é a redução do quadro de funcionários do INSS. Na visão de advogados que atuam diretamente na área, esse é o fator que deveria ser primordial na proposta de solução do problema estudada pelo governo.
A advogada Adriane Bramante, especialista em direito previdenciário, observa outros possíveis motivos para o aumento da fila: a reforma da Previdência, que gerou um efeito de corrida às agências, e o novo sistema digital, que facilita o protocolo e “levou a uma avalanche de processos para analisar, com menos servidores”. Ela ressalta que o prazo de 45 dias para a resposta, limite do que é considerado normal pelo INSS, já não era respeitado, mas a situação piorou nos últimos dois anos.
O INSS admite, em nota, que “apesar dos esforços de gestão e do aumento significativo no despacho de benefícios”, o estoque formado em 2018 de processos em análise ainda não foi resolvido. Diante desse quadro, o advogado Diego Cherulli, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), defende que a medida mais sensata que poderia partir do governo seria abrir concurso para servidores do INSS. “Já fizeram procedimento para tentar acelerar o processo, inclusive pagando bônus aos servidores, mas não adiantou. Mesmo pagando mais, o número é insuficiente”, argumenta.
Estratégia
Na nota enviada ao Congresso, o INSS explica que, quando o benefício é aprovado, o segurado é ressarcido pelo tempo que esperou por uma resposta. Os valores são pagos retroativamente, com correção monetária. Os advogados lembram que isso não ocorre quando o benefício é negado, e a pessoa precisa entrar com um novo requerimento. O prazo, então, só começa a contar a partir do segundo pedido.
Os especialistas percebem, inclusive, que as negativas têm acontecido com mais frequência nos últimos meses, o que aumenta o número de casos como esse. Pelas estimativas de Bramante, se antes cerca de 30% dos processos protocolados por ela eram indeferidos, hoje o índice fica entre 50% e 60%.
Segundo Bramante, o INSS tem feito pedidos desnecessários para justificar as negativas. “O que a gente tem visto em vários escritórios é que chegam exigências absurdas, como cópia autenticada de documentos que já estavam no processo ou reapresentação de carteiras que já estavam digitalizadas, análises sem perícia. Temos a impressão de que a ideia é jogar a culpa para os segurados. Isso é estratégico e de má-fé”, critica.
Cherulli tem a mesma percepção e ressalta que o resultado será mais judicialização. A servidora do Banco do Brasil e deficiente auditiva Ana de Fátima Xavier, 49 anos, foi uma das pessoas que tiveram o pedido negado recentemente. “Estou entrando novamente com recurso, com um advogado, para conseguir aquilo a que tenho por direito”, afirma. “É uma falta de respeito. Fico pensando nas pessoas que não têm carro e dependem de ônibus para solucionar essas irresponsabilidades do órgão, que recusa pedidos sem mais nem menos”, lamenta.
Com problemas na coluna que a impossibilitam de trabalhar como diarista, ocupação de Florentina Evangelista Lopes da Silva, 56 anos, ela busca há meses o auxílio-doença, que é negado todas as vezes. “Minha rotina nesse tempo é basicamente de ir para perícia, voltar para casa e ligar para saber o resultado. É um ciclo que se repete. E o que mais me deixa indignada é que nem explicam direito o porquê que foi negado”, desabafa, após ficar mais de três horas na fila, ontem, para remarcar a perícia.
Às pessoas que estão em situação parecida, os advogados sugerem que reclamem na ouvidoria do órgão e, se nada for resolvido, procurem um escritório que possa analisar a possibilidade de entrar com mandado de segurança ou com processo na Justiça.
* Estagiário sob supervisão de Fabio Grecchi