Considerado fundamental para a retomada do crescimento em 2020, o investimento em infraestrutura deve se concentrar nas concessões já anunciadas pelo governo, sobretudo em logística de transporte e energia. As privatizações não devem avançar neste ano, alertam os especialistas, e os tão esperados aportes da iniciativa privada em saneamento, com a modernização do marco regulatório, também podem ficar para 2021, principalmente porque a competência do setor é dos municípios e este ano há eleições municipais.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, garante que o governo prevê realizar 44 leilões neste ano, com investimentos estimados em R$ 120 bilhões. Serão 22 aeroportos ofertados em três blocos, nove terminais portuários, sete rodovias e seis projetos ferroviários, dos quais quatro são renovações antecipadas. O certame mais esperado este ano, avalia, é o da Nova Dutra. “Pela quantidade de investimentos que virão e pela intensa concorrência, que pode render boa arrecadação em outorga.”
No modal ferroviário, a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, e a Ferrogrão (entre Mato Grosso e Pará) estão com leilões previstos para o terceiro trimestre de 2020. “Além dessas concessões, temos a prorrogação de outras quatro ferrovias, sendo que duas vão dar contrapartida com investimentos em novos segmentos ferroviários”, assegura o ministro. Nove terminais portuários também serão licitados, sendo oito de carga em quatro estados (Paraná, Maranhão, São Paulo e Bahia) e um de passageiros (Ceará). “Vamos investir bastante em hidrovias, recuperar eclusas e reequilibrar a matriz do transporte com mais ferrovias, cabotagem e transporte hidroviário”, acrescenta.
Ambiente
Para o coordenador do Centro de Estudos de Transportes da Fundação Getulio Vargas (FGV Transportes), Marcus Quintella, não há nada que possa ser grandioso em termos de investimento público no setor. “Estamos tentando criar um ambiente favorável, porque o governo sabe que não há recurso algum para tentar construir alguma infraestrutura no país. Porém, espera, por meio das concessões, atrair dinheiro privado”, diz. No entanto, Quintella ressalta que não é o capital privado que vai resolver o problema, porque só quer ativos atrativos, com risco compartilhado e segurança jurídica. “O país ainda carece de confiabilidade internacional. E o governo precisa oferecer projetos bons, marco regulatório, segurança jurídica e definição de risco.”Os investimentos em logística de transporte, alerta Quintella, precisam de planejamento de Estado, e não de governo. “São obras demoradas, cujo retorno é de longo prazo. O investidor precisa ter certeza de que as regras serão mantidas. O que o governo tem feito é importante, mostra que está engajado, com uma linha séria e uma equipe forte no Ministério de Infraestrutura. Mas isso é só o início de um processo”, assinala.
O Brasil precisa de investimentos de 3% do PIB ao ano em infraestrutura, algo em torno de R$ 300 bilhões por ano por 20 anos, para ser competitivo em termos globais, calcula o especialista da FGV Transportes. “Isso não vai ocorrer da noite para o dia. Não temos muito a esperar em 2020. Será um ano de leilões e preparação, com resultados a partir de 2022. O desafio é mostrar ao investidor que o plano é de longo prazo”, afirma.
Desestatização
Se as promessas do Ministério da Infraestrutura estão encaminhadas para, de fato, se concretizarem em 2020, o mesmo não se pode dizer das privatizações. O modelo de capitalização da Eletrobras sugerido pelo governo para desestatizar a companhia encontra resistência no Congresso. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), chegou a afirmar que, com essa modelagem, a privatização da Eletrobras não será aprovada.“Infelizmente, até agora, o governo federal entregou muito pouco, após um ano de muita promessa e da repetição de um discurso pró-privatização. Na verdade até criou uma nova estatal. O que houve de concreto foram iniciativas de venda de ativos, especialmente da Petrobras, além do envio do projeto de lei de desestatização da Eletrobras encaminhado ao Congresso Nacional”, destaca Cláudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan. “A ideia do fast track (aceleração) para privatizações me parece boa, mas, por enquanto, é mais uma ideia. Está na hora de transformar intenção em ação e resultado. Vamos aguardar para ver se este ano será diferente”, diz.
No entender de Porto, o atoleiro fiscal do Brasil é muito grande e há uma pressão crescente e legítima para mais e melhores gastos nas áreas de saúde e da redução da desigualdade. “Esse cenário tem uma boa notícia: está obrigando todos os governantes a se mexerem no sentido de transferir e realização e a operação dos investimentos em infraestrutura para o setor privado, que — quando bem regulado e fiscalizado — entrega muito mais, melhor e mais rápido do que o público”, analisa.
O especialista afirma que, somente em quatro grandes setores de infraestrutura (telecomunicações, energia, saneamento e transportes), a necessidade de investimentos é de US$ 126 bilhões por ano nos próximos 27 anos. “Porém, temos três fatores críticos de atratividade: demanda grande, capacidade técnica e gerencial instaladas e escala significativa mesmo em nível mundial”, enumera.
Os investimentos não deslancham, segundo ele, por três causas principais. Não existe um estoque de bons projetos de concessões, PPPs (parcerias público-privadas) e privatizações. Além disso, o Brasil tem distorções e restrições regulatórias de várias ordens, produzindo muita insegurança jurídica. Por fim, falta confiança dos investidores, especialmente dos externos, em relação ao ambiente político-institucional do país.
Cenário melhor em 2020
Na opinião de Cláudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria, do ponto de vista do investimento do governo, este ano pode ser pouco melhor do que 2019. “Não existe conforto fiscal. Ao mesmo tempo, há prioridades que competem com os mesmos recursos. Como isso se traduz em limitação de investimentos em infraestrutura, o país é cada vez mais dependente de concessão e privatização”, avalia.O especialista explica que, nos últimos anos, dois terços em investimentos foram privados. Apenas 0,6% a 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) são públicos. “Os adicionais terão de ser recursos privados. Nas nossas projeções, a participação pública em todas as instâncias (federal, estaduais e municipais) vai cair a 0,15% se o governo for bem-sucedido e ampliar a participação do privado.”
Fritschtak aposta que 2020 será um ano definidor.” O ambiente econômico está melhor, menos incerto, e a reforma mais difícil, da Previdência, foi aprovada. Essa incerteza fundamental, apesar da fragilidade da relação entre Congresso e Executivo, reduziu o grau de incerteza.” Em segundo lugar, de acordo com o especialista, o ambiente de juros é favorável. “Temos um Ministério da Infraestrutura e um PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) que funcionam razoavelmente bem. Há pré-condições para um salto do investimento este ano”, afirma.
O ganho, diz Frischtak, pode ser de 0,3% a 0,4% do PIB — saindo de 1,9%, no total (público e privado) para algo entre 2,2% a 2,3% do PIB. “Esse ganho vai ser direcionado basicamente pelo setor privado para as áreas de logística de transporte e de energia”, afirma. As concessões de rodovias, aeroportos, portos e ferrovias estão postas para 2020. “Há enorme potencial de investimento em energia, sobretudo em fontes renováveis, como eólica e solar. Além disso, temos uma situação-limite. Se a economia crescer mais fortemente, com demanda maior do que a esperada de energia, isso vai descortinar a fragilidade do sistema. Precisamos de mais investimentos em energia”, alerta.
Dificuldades
Nas privatizações, o processo é mais difícil. “Há oposição no Congresso e no Judiciário. Não é uma questão de o Executivo querer. Deveria ter um envolvimento maior do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desde o início, porque lá tem gente muito qualificada”, sustenta Frischtak. Segundo ele, 2019 não foi bom para privatização. “O Ministério da Economia subestimou o processo. Além disso, há uma dúvida sobre o quanto o presidente Jair Bolsonaro é, de fato, privatista. Antes de se tornar presidente, não era. O Guedes (Paulo, ministro da Economia), sim, é privatista e liberal, mas não é o presidente. Temos essa ambiguidade.”
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