Economia

Acusações não têm fundamento, afirma Ghosn

Ex-presidente do grupo Nissan-Renault disse que foi vítima de perseguição política e que aliança das empresas é "uma farsa"



Beirute — Na primeira entrevista que concedeu em 14 meses desde que foi preso, acusado de fraude financeira por autoridades japonesas, o ex-presidente da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, afirmou que o caso contra ele foi construído, porque “o único jeito que eles (a Nissan) tinham de se livrar da Renault era se livrando de mim. E eles estavam certos”.

Segundo o executivo, a estratégia deu resultado, no sentido de que hoje a francesa Renault tem muito pouca informação sobre o que acontece no dia a dia da Nissan. “Mas o resultado não foi o que eles esperavam”, disse Ghosn, referindo-se aos lucros em queda da montadora japonesa, que caminham para alcançar o pior patamar em 11 anos.

Ghosn afirmou, ainda, que o sistema judicial do Japão é corrupto e definiu sua culpa desde o primeiro da prisão, em novembro de 2018. “As acusações contra mim não têm embasamento”, sustentou. O executivo afirmou, ainda, que “esperava mais ajuda do governo brasileiro”. Ele lembrou que, quando questionado sobre o assunto, o presidente Jair Bolsonaro frisou que não queria atrapalhar as autoridades japonesas. Disse, no entanto, respeitar a posição de Bolsonaro. O executivo tem nacionalidades brasileira (nasceu em Porto Velho), libanesa (onde foi criado pela mãe) e francesa (onde cursou universidade e ganhou notoriedade como executivo).

Segundo Ghosn, a aliança entre Nissan e Renault hoje é uma “farsa”. O executivo disse que queria formar uma holding que unisse as duas companhias, com apenas um conselho de administração, mas com marcas e corpos executivos separados. De acordo com ele, tratava-se de um “meio de campo” entre a fusão total que queria a Renault e a resistência da Nissan à união.

Embora desde sua prisão as empresas tenham se reorganizado, buscando decisões em consenso, o executivo lembrou que somente a busca de um acordo não leva a decisões corporativas rápidas. Ele frisou que, em algum nível, o trabalho em conjunto precisa ser uma obrigação para os envolvidos. “A aliança entre a Renault e a Nissan pode ter êxito, mas não só com consenso, é necessário que se criem regras”, afirmou Ghosn. “E para saber que quem tem ou não razão, basta olhar os resultados da companhia.”

O executivo disse que estava em negociações avançadas para promover uma fusão entre a Renault-Nissan e a FiatChrysler na época em que foi preso. “Foi uma grande oportunidade perdida para eles. Eu não entendo como conseguiram perder essa chance.”

Para ele, foi um grande desperdício para a Renault-Nissan, uma vez que as companhias tinham perfil complementar. “Vai ser muito bom para a PSA (grupo francês dono da Peugeot e da Citroën).”

Fugir do Japão foi a decisão mais difícil da vida, disse Ghosn, que não quis informar como conseguiu deixar o país, no último dia 29. Ele saiu de Tóquio e chegou ao Líbano num jatinho privado, passando antes por Istambul.

Ghosn afirmou que a Justiça japonesa adiou várias vezes seu julgamento. “Eu ia passar cinco anos preso sem ser julgado Não tive direito à ampla defesa”, disse, citando que a taxa de condenação no Japão é de 99% porque o sistema judicial pressiona implacavelmente os acusados até que confessem. “Sentia que eu era refém de um país ao qual servi por 17 anos. Liderei uma companhia que estava mal. Fui considerado um modelo no Japão e, de repente, uns procuradores, uns executivos dizem que sou ganancioso, frio.”

O executivo disse que ficou preso por meses em uma cela de 10 metros quadrados, cujas luzes eram acesas às 7h e invariavelmente se apagavam às 21h. Era nesse local que ele passava o dia todo, à exceção de 30 minutos que tinha para se exercitar.

O governo japonês rebateu declarações de Ghosn. A ministra da Justiça do Japão, Masako Mori, disse que as acusações são “absolutamente intoleráveis” e que o “sistema de Justiça criminal do Japão estabelece procedimentos apropriados e é administrado de maneira adequada para esclarecer a verdade nos casos, garantindo os direitos humanos individuais básicos”.

A prisão de Ghosn, em novembro de 2018, ocorreu dias antes de uma reunião em que os termos da fusão entre Renault e Nissan seriam rediscutidos. O executivo era favorável a uma fusão irreversível das duas empresas. A montadora japonesa era contra esse acordo, uma vez que queria ganhar mais poder dentro da aliança (a Renault tem 40% das ações da Nissan, mas esta possui apenas 15% dos papéis da francesa).


  • Depoimento

    O procurador-geral do Líbano, Ghasan Oueidat, convocou o ex-presidente da aliança Renault-Nissan, Carlos Ghosn, para que preste depoimento hoje, devido às autoridades do país terem recebido uma circular vermelha da Interpol sobre o brasileiro, fugitivo da Justiça do Japão. Segundo a agência de notícias estatal libanesa ANN, o depoimento também tem relação com “reuniões com oficiais israelenses”, pelas quais foi apresentado um processo judicial contra Ghosn no Líbano, país tecnicamente em guerra com Israel.