Com as prioridades voltadas para a conclusão da reforma da Previdência e as discussões de outras emendas constitucionais, estratégias comerciais não estiveram entre as prioridades do governo em 2019, ao contrário do que anunciou o ministro da Economia, Paulo Guedes, no fim de 2018, antes da posse. Guedes havia prometido queda nas tarifas de importação nos 100 primeiros dias, mas o comércio acabou em segundo plano, tanto que o Comitê Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex) se reuniu pela primeira vez apenas em dezembro.
O volume do comércio exterior brasileiro está no mesmo patamar desde 2011. O saldo comercial de 2019, de US$ 46,6 bilhões, caiu 20,5% em relação a 2018 e foi o pior em quatro anos. Várias são as razões apontadas, como queda no preço de commodities e a recessão na Argentina, destino de produtos de maior valor agregado, para onde os embarques diminuíram 35,6%. Para 2020, a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) projeta redução de 3,2% nas exportações e alta de 6,6% nas importações.
Mas nem taxa de câmbio nem desaceleração da economia mundial são vistas como os principais entraves para o desempenho do comércio brasileiro neste ano — embora os efeitos na economia mundial do ataque dos Estados Unidos a Bagdá na última sexta-feira, que matou um dos principais militares do Irã, ainda sejam imprevisíveis. Para especialistas, o desafio é o aumento da produtividade.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), na última década, a produtividade da manufatura brasileira aumentou apenas 11,7%. Por isso, a entidade avalia que o desempenho do comércio vai depender mais dos resultados práticos das reformas, principalmente a tributária.
“O governo começou o ano com discurso de redução unilateral de tarifas, mas se deu conta dos entraves legais com os parceiros do Mercosul e dos impactos na indústria, que se mobilizou. Aí, foi mudando o discurso. Ainda mantém a premissa da abertura comercial, mas não na velocidade que se imaginava e não antes de implementar uma agenda interna mais robusta”, afirmou Wagner Parente, analista de comércio exterior da BMJ Consultoria.
Segundo o especialista, no ano passado houve alguns movimentos pontuais, como o acordo que estabeleceu 2029 para o início do livre-comércio do setor automotivo no Mercosul, o acordo com a EFTA (Associação Europeia de Livre-Comércio) e o ponto alto, que foi a assinatura do acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia, em maio, depois de 20 anos de negociação. “Mas não se sabe quando a acordo será implementado, Ainda haverá uma longa tramitação nos países-membros”, disse.
Sobre as promessas de Guedes de acordos bilaterais com mercados gigantes como China e Estados Unidos, Parente é cético. “Não vão sair do papel em muitos anos. Não tem condições. É muito complexo. Com a China, há o receio da concorrência. É o país contra o qual o Brasil mais aplica antidumping (medidas para neutralizar a concorrência), e os EUA têm medo da nossa agricultura. O lobby agrícola nos EUA é fortíssimo e, neste ano, eles terão eleições”, afirma. Segundo ele, em 2020, devem evoluir negociações com mercados menores, como Canadá, Coreia do Sul e Indonésia.
Conflito
Embora o preço do dólar tenha atingido patamar histórico no ano passado, os especialistas não contam, ainda, com os possíveis efeitos na cotação da moeda norte- americana, caso o conflito entre Irã e Estados Unidos se radicalize. Em geral, o principal efeito da desvalorização do real é a diminuição das importações e o aumento das exportações, pois os produtos brasileiros ficam mais acessíveis no preço em dólar, portanto, mais baratos nos mercados externos.
“Com o dólar entre R$ 4,15 e R$ 4,20, as perspectivas são favoráveis, apesar das incertezas que cercam o ambiente internacional de negócios. Não vamos manter o nível da balança comercial deste ano, mas o cenário deve melhorar com as reformas. O Brasil precisa aumentar a produtividade, que depende, como sempre, de juros e de carga tributária”, disse o diplomata José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Para Graça Lima, a queda da taxa básica de juros, que encerrou 2019 no menor patamar da história, em 4,5% ao ano, é uma notícia positiva para o comércio, mas a reforma tributária será ainda mais importante. Ele também não acredita acordos comerciais com grandes mercados neste ano e lembra que será preciso observar como será a relação com a Argentina, que elegeu um governo de orientação diferente dos planos de cunho liberal da equipe econômica brasileira.
“O ideal seria não fazer acordo antes de definir nossas necessidades, inclusive com relação à Tarifa Externa Comum do Mercosul, seguindo um ritual que o país nunca fez, pois sempre ficou dependendo de rodadas comerciais e protegendo setores industriais”, considerou.
“Independentemente do nível da taxa cambial, a insegurança quanto à competitividade das exportações de manufaturados continuará presente com a América do Sul, mesmo considerando a crise da Argentina. Os demais mercados internacionais de manufaturados permanecem como objetivos, mas a baixa competitividade dos produtos brasileiros, decorrente do custo Brasil, impede seu alcance”, afirmou José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).