O volume do comércio exterior brasileiro está no mesmo patamar desde 2011. O saldo comercial de 2019, de US$ 46,6 bilhões, caiu 20,5% em relação a 2018 e foi o pior em quatro anos. Várias são as razões apontadas, como queda no preço de commodities e a recessão na Argentina, destino de produtos de maior valor agregado, para onde os embarques diminuíram 35,6%. Para 2020, a Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB) projeta redução de 3,2% nas exportações e alta de 6,6% nas importações.
Mas nem taxa de câmbio nem desaceleração da economia mundial são vistas como os principais entraves para o desempenho do comércio brasileiro neste ano — embora os efeitos na economia mundial do ataque dos Estados Unidos a Bagdá na última sexta-feira, que matou um dos principais militares do Irã, ainda sejam imprevisíveis. Para especialistas, o desafio é o aumento da produtividade.
De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), na última década, a produtividade da manufatura brasileira aumentou apenas 11,7%. Por isso, a entidade avalia que o desempenho do comércio vai depender mais dos resultados práticos das reformas, principalmente a tributária.
“O governo começou o ano com discurso de redução unilateral de tarifas, mas se deu conta dos entraves legais com os parceiros do Mercosul e dos impactos na indústria, que se mobilizou. Aí, foi mudando o discurso. Ainda mantém a premissa da abertura comercial, mas não na velocidade que se imaginava e não antes de implementar uma agenda interna mais robusta”, afirmou Wagner Parente, analista de comércio exterior da BMJ Consultoria.
Segundo o especialista, no ano passado houve alguns movimentos pontuais, como o acordo que estabeleceu 2029 para o início do livre-comércio do setor automotivo no Mercosul, o acordo com a EFTA (Associação Europeia de Livre-Comércio) e o ponto alto, que foi a assinatura do acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia, em maio, depois de 20 anos de negociação. “Mas não se sabe quando a acordo será implementado, Ainda haverá uma longa tramitação nos países-membros”, disse.
Sobre as promessas de Guedes de acordos bilaterais com mercados gigantes como China e Estados Unidos, Parente é cético. “Não vão sair do papel em muitos anos. Não tem condições. É muito complexo. Com a China, há o receio da concorrência. É o país contra o qual o Brasil mais aplica antidumping (medidas para neutralizar a concorrência), e os EUA têm medo da nossa agricultura. O lobby agrícola nos EUA é fortíssimo e, neste ano, eles terão eleições”, afirma. Segundo ele, em 2020, devem evoluir negociações com mercados menores, como Canadá, Coreia do Sul e Indonésia.
Conflito
Embora o preço do dólar tenha atingido patamar histórico no ano passado, os especialistas não contam, ainda, com os possíveis efeitos na cotação da moeda norte- americana, caso o conflito entre Irã e Estados Unidos se radicalize. Em geral, o principal efeito da desvalorização do real é a diminuição das importações e o aumento das exportações, pois os produtos brasileiros ficam mais acessíveis no preço em dólar, portanto, mais baratos nos mercados externos.
“Com o dólar entre R$ 4,15 e R$ 4,20, as perspectivas são favoráveis, apesar das incertezas que cercam o ambiente internacional de negócios. Não vamos manter o nível da balança comercial deste ano, mas o cenário deve melhorar com as reformas. O Brasil precisa aumentar a produtividade, que depende, como sempre, de juros e de carga tributária”, disse o diplomata José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Para Graça Lima, a queda da taxa básica de juros, que encerrou 2019 no menor patamar da história, em 4,5% ao ano, é uma notícia positiva para o comércio, mas a reforma tributária será ainda mais importante. Ele também não acredita acordos comerciais com grandes mercados neste ano e lembra que será preciso observar como será a relação com a Argentina, que elegeu um governo de orientação diferente dos planos de cunho liberal da equipe econômica brasileira.
“O ideal seria não fazer acordo antes de definir nossas necessidades, inclusive com relação à Tarifa Externa Comum do Mercosul, seguindo um ritual que o país nunca fez, pois sempre ficou dependendo de rodadas comerciais e protegendo setores industriais”, considerou.
“Independentemente do nível da taxa cambial, a insegurança quanto à competitividade das exportações de manufaturados continuará presente com a América do Sul, mesmo considerando a crise da Argentina. Os demais mercados internacionais de manufaturados permanecem como objetivos, mas a baixa competitividade dos produtos brasileiros, decorrente do custo Brasil, impede seu alcance”, afirmou José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Ambiente tem papel decisivo
Além de acesso a mercados e do custo Brasil, outro desafio se consolidou, no ano passado, para o comércio exterior brasileiro. Com as queimadas recordes, entre julho e agosto, na Amazônia, 18 marcas globais chegaram a suspender a importação de couro brasileiro. Os importadores também estão cada vez mais de olho nas taxas de desmatamento no Brasil, o que pode afetar a carne in natura, um dos principais produtos da pauta comercial do país.“Recebemos muitos questionamentos de empresas e de associações sobre esse tema. Querem saber como o país fiscaliza se o produto vem de fazendas com problema de desmatamento”, disse Liège Vergilli Nogueira, diretora executiva Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
Segundo Liège, 2019 foi um bom ano, com aumento de 40% das vendas para a China. No geral, as exportações cresceram 11% em 2019 e, para 2020, apesar dos riscos, a projeção é de alta de 13% no volume exportado e de 15% no faturamento. “A China deve se consolidar como o maior mercado para a carne bovina brasileira nos próximos anos”, disse a diretora. Segundo ela, o setor esperava que, depois da visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, em março do ano passado, fossem retiradas as barreiras sanitárias norte-americanas à carne bovina brasileira, o que não aconteceu.
Neste ano, o mundo se prepara para retomar as negociações em torno da limitação das emissões de gases poluentes. A União Europeia não descarta adotar tarifas contra países que não adotarem o Acordo de Paris. França, Irlanda e Áustria sinalizaram que podem não ratificar o acordo do bloco europeu com o Mercosul por causa do desmatamento da Amazônia.
Guerra comercial
Outra preocupação é a batalha geopolítica entre China e Estados Unidos que, desde 2018, se traveste de conflito comercial. Em dezembro, o presidente Donald Trump anunciou o início de um acordo entre os dois países, mas a questão extrapola o comércio e envolve uma disputa pelo mercado da tecnologia 5G.“O Brasil terá leilão de 5G neste ano, e a pressão para não adotar o modelo chinês, da Hauwei, será grande. O presidente foi à China, que participou do leilão do pré-sal. Não foi por acaso que os Estados Unidos ameaçaram reduzir as cotas para o aço brasileiro. Esse é o jogo comercial diplomático. Bolsonaro não está acostumado com ele, e a diplomacia está voltada para questões ideológicas. O Brasil passa a ideia de estar vendido no jogo multilateral”, avalia Wagner Parente, da BMJ Consultoria.
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